Com EUA atraindo capital, tendência do real é de queda, diz Reinaldo Le Grazie, ex-BC

Para ex-BC, Copom deve elevar taxa Selic para ao redor de 13,50% e ficar nesse patamar por pelo menos um ano

O Copom (Comitê de Política Monetária) deve desacelerar o ritmo de alta da taxa básica de juros, a Selic, e encerrar o ciclo de aperto monetário quando ela chegar perto de 13,5% – patamar no qual deve permanecer por pelo menos um ano. Isso, contudo, deve ser insuficiente para fazer a inflação convergir ao centro da meta em 2023. Essa é a visão do ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e sócio da Panamby Capital, Reinaldo Le Grazie.

Para Le Grazie, que estava no BC durante a presidência de Ilan Goldfajn no governo Temer, a eleição polarizada no Brasil ainda vai ter impacto nos ativos brasileiros e se somará ao cenário econômico internacional desafiador, com alta de juros nos EUA e desaceleração econômica na Europa e, possivelmente, na China.

Ele acredita que a tendência do câmbio é de desvalorização, e que as bolsas americanas devem ter um desempenho pior que o da Bolsa brasileira, uma vez que há uma visão positiva para os preços das commodities.

O fundo multimercado da gestora acumula alta de 4,27% no ano, até 4 de maio, equivalente a 129% do CDI.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista à Agência TradeMap.

O Copom sinalizou no comunicado que deve desacelerar o ritmo de alta de juros na próxima reunião. Acha que o BC encerra o ciclo de aperto monetário em junho?

Acho que os sinais que estão sendo dados são de final de ciclo. Parece que a taxa terminal fica em torno de 13,5%. Pode ser 13,75%, 13,50%, mas é por aí, não parece ser muito mais alto do que isso. O mais provável é que ele [Copom] faça mais 0,5 ponto em junho e depois mais 0,25 ponto [em agosto], mas pode fazer 0,75 ponto e parar em junho, acho que não faz muita diferença.

Já estamos em uma taxa de juros contracionista que é suficiente para derrubar a inflação ao longo do tempo, só que vai demorar.

A inflação ainda está muito forte [com alta de 11,30% em 12 meses até março]. A estratégia do BC é a taxa terminar em torno de 13,50% e ficar muito tempo nesse patamar, pelo menos um ano, e aí derruba a inflação devagar, em vez de fazer um choque de juros muito forte para uma inflação em um período conturbado no mundo inteiro.

Quais são os riscos para o BC encerrar o ciclo de alta de juros em junho? Qual a visão da Panamby para a inflação?

Os riscos são enormes. Agora somos passageiros na inflação deste ano, já estamos em maio, não tem muito mais coisa para fazer.

Preços de commodities estão muito altos e não dão sinais que vão cair. Se cair pode ser notícia positiva, mas não tem sinal de que isso esteja acontecendo.

O que pode derrubar um pouco a inflação neste ano é o real se valorizar mais um pouco, mas já veio para R$ 5 [por dólar]. A inflação neste ano é 8%, segundo a previsão da Panamby, e para o ano que vem nossa inflação é 5%.

Para ir para meta que é 3,25% [em 2023] e ficar dentro da banda [que varia de 1,75% a 4,75%] já é um desafio. Atingir a meta mesmo acho muito improvável. Pode ter um choque positivo e derrubar a inflação, mas não é uma probabilidade alta.

O presidente do Fed [Federal Reserve, o banco central americano], Jerome Powell, descartou a aceleração da alta da taxa de juros para 0,75 ponto porcentual. Qual sua visão para a política monetária nos EUA?

Os EUA são a economia que está mais bem posicionada, com crescimento econômico robusto. O gasto do consumidor ainda está forte, dando uma sustentação adequada, sem contar o mercado de trabalho que está superaquecido e tem espaço para fazer uma antecipação da taxa de juros e acelerar nesse começo [de ciclo].

Na visão do Fomc [Comitê Federal de Mercado Aberto], eles estão antecipando a alta da inflação. Um aumento de 50 pontos-base para a gente não é nada de mais, mas desde 2000 o Fomc não fazia uma alta desse tamanho. É o tratamento adequado para esse tipo de momento, porque se você demorar, vai fazer junto com a reversão do ciclo econômico.

Ontem (4), Powell deu um sinal de que nesse momento 0,75 ponto está fora da mesa. Quando ele definiu o ritmo de 0,50 ponto, o mercado ficou aliviado porque estava muito pressionado, mas o movimento está voltando hoje.

Com esse ritmo de 0,50 ponto, se ele for assim até o final, a taxa básica de juros deve terminar o ano em entre 3,25% e 3,50%.

Não duvido que ele faça isso. Ele vai terminar o ano com a taxa básica em pelo menos 2,75%. Pode até ir um pouco mais.

Eles estão em uma posição muito confortável. A Europa em particular tem risco de ter uma atividade econômica mais fraca por conta da guerra na Ucrânia e a Inglaterra está numa situação, talvez, mais delicada, onde a atividade está mais fraca e a inflação mais forte. Com essas decisões que o Fomc tem tomado, o dólar deve ser a moeda forte o ano inteiro.

Na carta da Panamby de abril vocês veem baixo risco de recessão econômica. Esse risco aumentou?

Estagflação [inflação alta com recessão], por enquanto, não estamos vendo. Vemos inflação, mas a atividade no mundo não parece ainda estar tão frágil.

Estamos trabalhando com desaceleração na Europa, mas não tem recessão. E, se tiver, pode ser uma recessão técnica, de dois trimestres com o PIB negativo de 0,1%, 0,2%. Isso não é nada e às vezes acontece dentro de um ciclo positivo. Mas uma recessão mesmo, de queda da atividade forte na Europa, eu não acredito e não estamos trabalhando com esse cenário na Europa nem nos EUA, pelo menos por enquanto.

E qual o impacto dos lockdowns na China ?

China está difícil de ler. Confesso que não esperava que o lockdown lá agora fosse tão forte. Colocar uma política de Covid-19 zero no cenário atual é muito difícil porque a Ômicron é muito transmissível, mas eles estão insistindo nisso e isso causa um impacto na atividade mais forte do que se imaginava.

O lockdown traz mais dúvida, mas a desaceleração já vinha vindo desde o ano passado, com o mercado todo esperando o governo fazer mais incentivos, tanto fiscais quanto monetários. Mas ele está fazendo menos do que se esperava.

O crescimento econômico esperado na China era entre 5,25% e 5,5%. Hoje já se fala em 4,20% a 4,50%. E se o governo não der incentivo para o setor imobiliário vai ser muito difícil que a atividade lá realmente volte.

Quando a China dá sinais de fragilidade cai tudo, então minério de ferro caiu recentemente, várias commodities metálicas caíram – algumas porque tinham subido muito e estão tendo ajuste técnico, e outras porque tem essa dúvida de China. Se a China voltar a buscar crescimento conforme se esperava, a tendência de preços pode ser para cima de novo.

Os sinais hoje são de que a economia vai desacelerar um pouco e pode diminuir a pressão altista em commodities, mas não chamaria de pressão baixista, pode segurar um pouco os preços, mas a relação entre oferta e demanda de commodities ainda é muito apertada. A gente vê isso em petróleo, minério de ferro, celulose e agrícolas, então, os preços já estão historicamente muito altos.

As sanções de importação de petróleo da Rússia pela União Europeia devem impactar o preço da commodity? Isso pode pressionar ainda mais a inflação no Brasil?

O preço da gasolina no Brasil já está 20% defasado. A equação entre oferta e demanda está apertada. O preço do petróleo caiu para US$ 100 por barril, já está em US$ 110. A pressão é altista para petróleo. Algumas coisas podem acontecer para mudar isso – como o acordo com Irã, que travou também.

As pressões inflacionárias são para cima, petróleo para cima, gasolina para cima e câmbio para cima.

Qual o impacto da alta de juros nos EUA para o fluxo de investimentos para o Brasil?

É ruim. Os EUA são a grande locomotiva econômica e quando eles sobem os juros atraem capital do mundo inteiro. O Brasil no primeiro trimestre teve fluxo positivo porque é um mercado atrelado a commodities. Depois os fluxos dos BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] saíram da Rússia e vieram para cá, mas em abril já teve reversão.

Com os EUA atraindo capital, vai ter desvalorização de todas as moedas. Essa força está aumentando agora e traz pressão de desvalorização do real, apesar da taxa básica de juros ser proporcionalmente mais alta aqui que no resto do mundo. E vamos entrar em um período de atividade econômica fraca e eleição.

Como a eleição afeta os ativos no Brasil? Boa parte desse risco já está nos preços?

No primeiro trimestre, quando as bolsas no mundo caíam e a Bolsa aqui subia e a moeda se valorizava, as pessoas diziam: a eleição neste ano vai ser um não evento. Agora, já estão caindo na real.

A eleição assusta mais os investidores brasileiros que os estrangeiros. A gente sabe que vai ser muito polarizada. E isso vai respingar. São dois candidatos que já passaram pelo governo, mas a realidade é outra. A gente não sabe qual o programa. Não acho que vai ser um passeio no parque.

E como a gestora está se posicionando? Onde veem oportunidade de investimento?

A gente olha muito política monetária. A gente busca economias que têm a política monetária mais desequilibrada. Os EUA estavam com uma taxa de juros muito baixa e já subiu, tínhamos posição lá. Agora temos uma posição na Alemanha. A Alemanha tinha uma taxa de juros negativa e o ambiente de inflação muito alta e ainda há a questão do BCE [Banco Central Europeu].

A Europa tem tudo para ter processo inflacionário brutal porque estão insistindo em uma política de deixar para subir [os juros] no últimos trimestres do ano, apesar de tudo indicar que começa um pouco antes.

A Inglaterra teve uma reunião hoje, [o banco central do país elevou a taxa de juros para 1%] e eles foram super ‘dovish’ [menos inclinados ao aperto monetário], prevendo que a inflação vai atingir 10% no fim do ano, mas cair muito rápido. Nos juros no Brasil a gente faz posição de vez em quando, mas não é estrutural.

A gente fez muita posição em juros e agora estamos olhando um pouco para moedas, parece que algumas ficaram atrasadas. O euro e o iene desvalorizaram perto de 10% neste ano. A China começou a deixar a moeda desvalorizar e pode deixá-la a 10% de desvalorização.

No Brasil, acho que a moeda volta a desvalorizar, com atividade fraca. Quando o câmbio estava R$ 5,80, a conta corrente estava mais confortável, talvez tenha que voltar para lá. Não duvido termos um câmbio nos patamares do ano passado [o dólar terminou 2021 em R$ 5,58]. Desvalorizar a moeda é uma maneira de equilibrar as contas. Nos EUA, vemos um múltiplo mais alto nas bolsas, que precisa ajustar mais. Estamos com posição vendida [apostando na queda] em Bolsa americana.

E na Bolsa brasileira, como estão posicionados?

Também estamos vendidos, mas com posição mais próxima de neutra. E temos alguns papéis que gostamos mais. Temos posição em commodities. A Vale (VALe3) é um papel barato, celulose parece que está muito atrasado.

Temos posições long & short [que busca ganhar com a arbitragem entre os preços dos ativos] em papéis que achamos que podem ir melhor que o índice da Bolsa.

Único setor que a gente estava overweight [acima da média do mercado] era petróleo, porque achamos que já caiu muito e pode voltar a subir. A gente acompanha quatro a cinco empresas do setor, temos um pouco de todas.

Qual a vantagem da Petrobras? Ela vai pagar um dividendo muito grande e é um papel relativamente barato, mas o problema é que é uma empresa pública, pouco eficiente. As outras empresas são mais ligadas aos preços do petróleo e têm risco de execução.

Temos posição em celulose, estamos vendo um mercado muito apertado. Temos uma posição em TIM (TIMS3) também, que é um papel de telecomunicação, comprou a Oi (IIBR3), e agora tem a execução disso, que vai demorar mais seis meses a um ano. Pela nossa conta, a ação que está hoje em R$ 13 a R$ 14 pode ganhar mais uns R$ 3. É um papel que, apesar de o cenário ser ruim, a gente gosta de carregar.

Tem a GPS  (GGPS3, de prestação de serviços) que é um papel novo ainda, não é caro e presta um serviço mais resiliente. Temos uma posição em alumínio. No Brasil os múltiplos não são tão altos, mas com essa taxa de juros, a Bolsa vai acabar caindo, vai depender muito do preço de commodities, pode ser que fique meio parada.

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