Para chegar mais perto da meta de inflação de 2023, o Banco Central terá que manter a taxa básica de juros em um patamar mais alto, de no mínimo 13,25% ao ano, por mais tempo. Ou seja, a política monetária terá que ficar em território contracionista pelo menos até o fim de 2022, aponta Rodrigo Azevedo, ex-diretor do Banco Central e sócio da Ibiuna Investimentos.
Para Azevedo, que é co-gestor da estratégia macro da gestora, a inflação neste ano deve ficar em torno de 7%, bem acima do teto do intervalo da meta para este ano ( de 3,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo), o que dificulta a tarefa do BC de buscar o centro da meta de 3,25% no ano que vem. Esse ambiente de juros e inflação altos e crescimento baixo não é favorável às ações no Brasil, e ele não vê a Bolsa como um bom investimento no momento.
O fundo carro-chefe da casa, o multimercado Ibiuna Hedge STH, acumula retorno de 7,47% até 21 de março, depois de ter subido 10,23% em 2021. A gestora tem adotado um viés mais defensivo em relação à exposição a ativos no Brasil, e tem ganhado com posições apostando na alta das taxas de juros lá fora.
Para Azevedo, o impacto da guerra na Ucrânia sobre a inflação deve ser maior que o efeito sobre crescimento, o que deve levar o banco central americano, o Federal Reserve, a ter que acelerar o ritmo de alta de juros para 0,50 ponto percentual em maio ou junho.
Confira abaixo o vídeo com os principais trechos e a entrevista completa à Agência TradeMap, concedida em 18 de março.
O BC elevou a taxa básica de juros para 11,75% e sinalizou mais uma alta de 1 ponto percentual da Selic em maio, levantando a possibilidade de que poderia encerrar o ciclo de aperto monetário na próxima reunião se a inflação para 2023 continuar abaixo da meta. Acha que o BC pode encerrar o ciclo de alta com a Selic em 12,75%?
O BC vem subindo o juro desde o nível de 2%, que agora já está em 11,75%, e a taxa Selic já está em território contracionista. Portanto, devemos estar próximos do fim do ciclo de alta. O BC deu dois cenários no comunicado da última reunião: um cenário de referência e outro alternativo.
No segundo, ele subiria mais 100 pontos-base, ou seja, colocaria o juro em 12,75% e isso seria suficiente para a inflação convergir para meta em 2023 , que é o principal objetivo dele nesse momento. No outro, ele precisaria fazer mais do que isso, talvez alguma coisa como mais 50 [pontos-base ] ou 100 [pontos-base]. Ou seja, a taxa de juros caminharia para um intervalo entre 13,25% e 13,75%.
A grande dificuldade do BC de dar nesse momento uma indicação mais firme é que a gente está vivendo um momento de profunda incerteza de curto prazo. Isso porque estamos ainda tendo que lidar com as consequências da volta da Covid-19 em primeiro lugar, que já foi um evento sem paralelo na história recente dos bancos centrais. Para complicar as coisas, agora entrou toda a incerteza associada à Ucrânia e seu impacto em particular no preço de commodities.
Na prática, o que vai determinar as decisões na próxima reunião do Copom será muito mais os dados. Antes da guerra na Ucrânia e do impacto em commodities, a gente achava que o juro poderia se estabilizar próximo a 12,5%.
Hoje, a gente acha que ele terá que estabilizar em um patamar mais alto, entre 13% e 13,50%. Nosso cenário nesse momento trabalha com a ideia de que o Banco Central terá que subir além de 100 pontos-base, com, provavelmente, pelo menos mais uma alta de 50 pontos-base na reunião de junho. E esse nível mínimo de 13,25% permaneceria até o final do ano, ou seja, não haveria cortes de juros até pelo menos o final deste ano.
Acha que o BC consegue manter a inflação abaixo do teto da meta de 5% neste ano e alcançar o centro da meta de 3,25% em 2023?
Esse ano vai ter bem difícil. Para 2022, o BC conta com a mudança da bandeira tarifária, que deve vir de vermelha para verde [na conta de energia], o que deve dar uma ajuda no processo de desinflação. Apesar desse choque recente em petróleo e preços agrícolas, é esperado que ele não seja da mesma magnitude que do ano passado.
Então tudo isso contribui para que a inflação caia, mas ela vai cair, aos olhos de hoje, fim de março, bem menos do que parecia que ia cair no fim do ano passado. No fim do ano passado, nós achávamos que a inflação para 2022 ia se situar próxima a 5% . Nesse momento, nossa avaliação é que ela possa se situar próxima de 7%.
Ocorre que a inflação no Brasil tem se situado, num parâmetro de 12 meses correntes, acima de 10% . E o Brasil tem uma característica particular que é um amplo aparato formal e informal de indexação à inflação passada. E aí, se você tem muitos preços que estão subindo próximos a 10%, a inflação fica muito difícil de cair de maneira significativa para 3,25%, que é a meta para 2023.
E logicamente é muito mais fácil você caminhar para uma inflação de 3,25% se a inflação deste ano fosse de 5%, ou seja, uma parte grande da desinflação já teria ocorrido neste ano. De 7% para 3,25% ainda é uma desinflação bastante significativa. Então, para chegar mais perto da meta de inflação de 2023, o juro terá que ficar mais alto, parado por mais tempo nesse patamar. Ou seja, a política monetária terá que ficar em território contracionista durante um período mais longo. A consequência básica disso é que o crescimento nesse período também terá que ser revisado para baixo.
Vários países têm adotado medidas para conter o impacto do aumento do preço dos combustíveis na inflação. Qual seria a melhor abordagem para o tema no Brasil?
Há várias combinações possíveis de serem implementadas. Mas, nenhuma delas vai mitigar de maneira muito relevante o choque que estamos observando e nem é apropriado que isso aconteça. É doloroso para o orçamento das famílias e empresas, mas é a elevação do preço que reduz a demanda e reestabelece o equilíbrio no mercado, onde está com oferta muito escassa.
Mas, independentemente disso, uma questão importante do ponto de vista da política monetária é se esse subsídio ou qualquer gasto fiscal para reduzir o preço no curto prazo é permanente ou temporário. Se ele for temporário e o preço do petróleo não cair lá na frente, você pode até ter menos inflação agora. No entanto, na hora que esse subsídio acaba, o preço volta a subir, e você terá mais inflação no futuro.
Então, tenho dúvida, sob a ótica de política monetária, o quão útil é um mecanismo como esse. Logicamente, do ponto de vista de mitigar o impacto no orçamento das famílias ele pode ser relevante, mas existem questões de natureza distributiva. Sabemos bem que quem usa automóvel no Brasil é um pessoa de classe média e alta.
Então, você está usando um benefício fiscal que é coletado em toda a sociedade para benefício de uma parcela da sociedade que não tem tanta necessidade quanto a parcela mais baixa. Fora questões de natureza ambiental, estamos na verdade pensando em como fazer o subsídio a um combustível fóssil exatamente em um momento em que há uma tendência global de incentivar a mudança para uma matriz energética mais limpa.
Há várias combinações possíveis, mas tanto sob a ótica de política monetária, de equidade e ambiental não é óbvio que isso seja uma boa solução.
O Fed iniciou o ciclo de alta de juros nos EUA e os membros do banco central americano veem pelo menos mais sete altas neste ano. Qual a perspectiva para a política monetária americana?
Antes da guerra na Ucrânia, tinha um cenário onde o Federal Reserve já vinha explicitamente reconhecendo que ele estava atrás da curva. A crise na Ucrânia por um lado adiciona questões de inflação cheia, que não deveriam ser combatidas pelo banco central, mas tem impacto secundários sobre outros preços e aumenta a perspectiva de inflação à frente.
A contrapartida disso é que a guerra tem um efeito de redução de crescimento na média. Por isso, é importante pensar país a país qual efeito predomina, o efeito sobre a inflação e expectativas ou o efeito sobre crescimento.
Nossa avaliação é de que o Fed provavelmente vai estar mais preocupado com os impactos inflacionários do que com os impactos recessivos. Daí nossa avaliação é que há grande probabilidade de que ele tenha que antecipar o processo de redução do balanço, com tranches mais altas a cada mês do que vinha sendo precificado pelo mercado, e na elevação da taxa de juros provavelmente haverá uma ou duas altas de 0,50 ponto, possivelmente já em maio ou junho, nesse processo.
Apesar de a perspectiva de crescimento global ser menor, nos EUA esse cenário deve fazer com haja um aperto monetário mais intenso em um período mais curto do que se esperava antecipadamente. Então, se fizer uma alta de 0,50, significa que ele pode fazer um aperto mais significativo do que simplesmente dar sete altas de 25 pontos-base.
Há uma discussão sobre o risco de estagflação com o aumento da pressão inflacionária por causa das commodities e, de outro lado crescimento global menor com a guerra na Ucrânia. Como vê esse risco?
Há vários países onde há esse risco. No caso dos EUA, estamos falando de uma inflação alta com desaceleração do crescimento. Não estamos vendo uma recessão nos próximos seis a 12 meses . É possível que em 2024, bem mais à frente, a gente possa ter uma recessão modesta. Mas não uma recessão como resultado da crise na Ucrânia.
Nossa avaliação é que o impacto sobre o crescimento nos EUA é bem menor do que o impacto sobre a inflação. Outro fator importante é que a economia americana está crescendo acima de 4%, com um PIB [Produto Interno Bruto] potencial em torno de 1,5% , 1,8% e um mercado de trabalho que está extremamente apertado. Então, no nosso entender, há condições de se levar a taxa de juros para entre 2% e 2,5%, sem que haja necessariamente uma recessão nesse período.
E como vê o Brasil nesse cenário? A alta de juros nos EUA pode impactar o fluxo de recursos para o país?
Nossa avaliação é que o Brasil está muito mais resiliente sobre a ótica de fluxo nesse momento pelo nível da taxa de juros . Mesmo que o Fed suba a taxa de juros para 2%, 2,5%, estamos com uma taxa Selic que deve ficar em 13% a 13,5%. É importante lembrar que o balanço de pagamentos brasileiro é muito sólido. Somos credores líquidos em dólar, e além de tudo a conta comercial é beneficiada pelo alta de preços de commodities.
O calcanhar de Aquiles do Brasil é a parte fiscal. Houve uma quebra do arcabouço institucional, que era o teto de gastos, e claramente ele não funciona mais para ancorar as expectativas de inflação de médio prazo e não será colocado nada no lugar até que a eleição presidencial se defina. Portanto, a gente tem um período de seis a nove meses, até a posse do novo presidente, onde a política fiscal está à deriva.
Isso deixa o país mais vulnerável do que estaria se a parte fiscal estivesse bem ancorada, com arcabouço sólido. O que isso faz é que, apesar do real estar mais resiliente, a gente não está imune. Dependendo do choque de liquidez que o Fed promova, a gente pode estar mais ou menos afetado. Se o choque for de uma magnitude mediana, provavelmente o tamanho de Selic que a gente tem seja suficiente para passar por esse período sem um grande impacto no real.
Agora, se o aperto for muito mais significativo, por conta de uma inflação que não venha a desacelerar no segundo semestre nos EUA, vai ser o pior momento para o Brasil, porque a gente vai estar não só com baixa ancoragem fiscal como no pico do ruído da eleição. Essa combinação não é muito boa para ativos de risco, e o Brasil se encaixa nessa categoria.
Teremos eleições neste ano, que tradicionalmente trazem mais volatilidade. Isso já está no preço ou poderemos ver uma piora dos prêmios de risco no Brasil?
A eleição vai ser muito acirrada e não começou ainda. E uma coisa é se ambos os candidatos estivessem disputando o centro. Nossa avaliação é que nesse momento você tem dois polos, e para garantir que os dois polos vão para o segundo turno, eles provavelmente vão tentar reforçar suas posições, que são posições de direita e esquerda radicais.
A não ser que o Lula [ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva] tivesse perspectiva real de ganhar no primeiro turno, ele deveria ser mais moderado para conquistar já no primeiro turno todo o voto de centro. Mas essa possibilidade está ficando distante. Então, acho que só haverá moderação se houver uma disputa de segundo turno. O que indica que daqui até o primeiro turno o ruído só vai subir.
Então, essa ideia que já está tudo no preço é desafiadora. A gente não tem essa tranquilidade, pelo contrário. A gente está com uma postura no Brasil bastante defensiva. O que significa que temos muito cuidado em termos posições construtivas no Brasil neste momento.
A principal posição que a gente vem carregando no Brasil desde meados do ano passado é uma posição comprada em inflação implícita [diferença entre títulos do Tesouro atrelados à inflação para a taxa de juros prefixada]. É uma aposta basicamente por conta da política fiscal estar à deriva, a ancoragem das expectativas de médio prazo estar muito frágil e a tendência é ter uma disputa de quem vai gastar mais, de quem vai dar mais benefícios.
Isso em geral não se traduz em expectativas melhores para a inflação. Pelo contrário. Acho que a nossa intenção é atravessar esse ano inteiro com portfólio bastante defensivo no Brasil, concentrando a maior parte das oportunidades onde buscamos retorno fora do Brasil.
Onde vocês estão vendo oportunidade lá fora?
Essencialmente a gente tem operado muito esse tema de juros. Este ano, a nossa avaliação é que a maior parte da alta de juros no mundo emergente já havia sido precificada, e agora é a vez do G10 [grupo de países de economias desenvolvidas].
Então a gente fez uma mudança de risco do mundo emergente para o mundo desenvolvido e temos concentrado a busca de oportunidades na curva de juros americana, alemã, inglesa e canadense. Esses têm sido alguns dos temas que a gente tem explorado e onde a gente continua vendo a maior oportunidade de retorno ao longo de 2022.
Qual a sua visão para a Bolsa? Vocês aumentaram ou reduziram a posição em renda variável no Brasil?
No fundo macro a gente não compra empresas específicas. A gente explora ações como classe de ativos e opera mais através de índices futuros. Ano passado a gente estava bastante posicionado comprado [apostando na alta] na bolsa americana e na bolsa alemã. No final do ano, com essa avaliação de que esse ano o juro ia ter que subir no mundo desenvolvido, nós saímos dessa posição e nosso viés tem sido operar na ponta vendida [apostando na queda], mas essa posição tem sido mais tática [de curto prazo] que estrutural.
No Brasil, com esse viés defensivo, a gente não tem tido posições compradas no Ibovespa. Mais recentemente a gente está fazendo uma operação clássica no Brasil quando o juro é alto, que é de vender dólar e vender Bolsa. Por outro lado, você tem uma exposição ao Brasil através do real, mas se os fundamentos se deteriorarem você está protegido porque tem uma posição vendida em Bolsa.
A gente acha que no período à frente o crescimento vai continuar sendo muito baixo e o juro vai continuar sendo muito alto. Portanto, a Bolsa pode até performar bem, mas, sob uma ótica de retorno ajustado ao risco, não nos parece nesse momento um bom investimento. Por isso, a gente não tem tem nenhuma posição comprada em Ibovespa.