Ibovespa volta aos holofotes dois anos após maior queda do século; o que deve vir pela frente?

Tida como barata, Bolsa brasileira é vista como um dos mercados emergentes mais promissores

Foto: Shutterstock

Há dois anos, o pânico tomava conta das Bolsas de Valores mundo afora. Um dia após a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretar a Covid-19 como pandemia, os mercados desabaram com medo das consequências – muitas delas materializadas. O Ibovespa teve seu pior dia no século, com queda de 14,78%.

A volatilidade do principal índice do mercado acionário brasileiro já estava alta com a pandemia tomando conta de países na Europa, enquanto o carnaval acontecia normalmente por aqui no mês anterior. 

O primeiro caso de Covid oficialmente notificado no Brasil ocorreu em 26 de fevereiro de 2020. Até o dia 12 de março, fatídica quinta-feira marcada por dois circuit breakers, a Bolsa brasileira já havia caído 36%. 

Naquele momento, o Brasil registrava 77 casos do novo coronavírus e o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia que a crise da pandemia seria “passageira”, prevendo que o PIB (Produto Interno Bruto) ficaria estável.

Hoje, 730 dias depois, o Brasil já registrou 28,24 milhões de casos e 654 mil mortos pelo vírus, viu sua economia encolher 3,9% num ano e subir 4,6% no outro, enquanto o Ibovespa teve, em 2021, a primeira queda anual em seis anos e lidera o desempenho entre as Bolsas mundiais em 2022

Muito mudou. Há quem esteja saindo bem da crise e outros países e mercados que ainda procuram arduamente reviver algo parecido com 2019. 

As empresas “fênix”

Não há empresa que não tenha sido impactada pela pandemia. Quando a Covid-19 chegou ao Brasil, a aversão ao risco bateu nos mercados acionários como nunca – principalmente os emergentes. Afinal, o Ibovespa caiu quase 30% naquele mês de março, a maior queda mensal desde 1998.

O capital correu para as mãos dos grandes e seguros mercados, como das Treasuries americanas. O dólar disparou e a economia fechou. 

À época, a Bolsa brasileira parecia terra arrasada. Porém, a queda foi passageira para algumas companhias. 

Como a Fênix, pássaro lendário da mitologia grega, determinadas empresas renasceram das cinzas e hoje estão em um momento melhor do que em 2019, longínquo período quando o mundo parecia ser mais normal. 

De acordo com um levantamento do TradeMap, as dez empresas da Bolsa brasileira que tiveram melhor desempenho em 2021 em relação a 2019, com balanços anuais divulgados até o dia 10 de março, foram:

Algumas companhias mostram certa tendência do mercado. Syn Prop & Tech (SYNE3), antiga Cyrela Commercial Properties, Lavvi (LAVV3) e Enernit (ETER3) revelam a forte recuperação do mercado imobiliário. 

O processo pelo qual a política monetária brasileira passa neste momento, de Selic estabilizada nos dois dígitos, é o inverso daquele na chegada da pandemia. A taxa de juros de 2% fomentou os negócios imobiliários entre 2020 e 2021. 

O mercado também observou uma forte demanda por aço, processo que beneficiou Panatlântica (PATI4), processadora de aços planos, e as siderúrgicas Usiminas (USIM5) e Gerdau (GGBR4).

Em tempos de crise econômica, a liquidez é jorrante no mercado internacional. Investimentos governamentais em infraestrutura, com o objetivo de gerar empregos e manter a economia em funcionamento, é carta repetida em momentos de instabilidade. Siderúrgicas e mineradoras tendem a surfar esse cenário.

E a liquidez também foi para a mão da sociedade, via auxílios governamentais. O consumo foi estimulado e os varejistas, que recentemente voltaram suas atenções ao e-commerce, conseguiram capturar parte do aumento de renda artificial.

É o caso da Americanas (AMER3), empresa resultante da fusão entre Lojas Americanas e a antiga B2W. 

A empresa expandiu sua receita em 235%, entre 2019 e 2021. A temporada de balanços ainda não acabou, mas certamente a Americanas terá um dos melhores desempenhos entre as varejistas no que diz respeito ao quarto trimestre do ano passado.

Eram felizes e não sabiam

Que a pandemia transformou a perspectiva global dos negócios não é segredo para ninguém. Os diferentes modelos de trabalho, consumo e interação entre as pessoas mudou drasticamente, alterando a dinâmica de desempenho de algumas empresas na Bolsa. 

Em 2020, principal ano da epidemia, pouco se sabia sobre como lidar com um vírus altamente transmissível. As economias foram fechadas e grandes estímulos foram distribuídos à população.

E em 2021, quando se esperava uma volta à normalidade, a segunda onda da pandemia foi ainda mais forte que a primeira. O cenário piorou com a inadimplência da população crescendo; com a maior crise hídrica em 90 anos; com a inflação atingindo dois dígitos; e com a taxa de juros subindo pela primeira vez desde 2017. 

A conjuntura é tão difícil que algumas empresas até hoje não retornaram ao nível de 2019.

Confira quais são as dez companhias listadas na B3 que em 2021 tiveram uma receita inferior à registrada dois anos antes, com balanços divulgados até 10 março. 

A pandemia mudou a ordem dos negócios em todo o mundo. A cadeia de suprimentos foi afetada enquanto fretes logísticos tiveram a maior guinada de custos já vista na história. 

A falta de semicondutores para a fabricação de veículos novos deve impactar montadoras até ao menos 2023. A Tegma (TGMA3), empresa especializada no transporte de veículo zero no Brasil, com 22,4% do market share no país, inevitavelmente viu sua receita despencar entre 2019 e 2021.

Não foi diferente com a JSL (JSLG3). A companhia, integrante do guarda-chuva da Simpar (SIMH3), atua com diferentes facetas do ramo logístico e, mesmo tendo grandes empresas como clientes, ainda não conseguiu retomar o patamar de faturamento do pré-coronavírus.

A Multiplan (MULT3), controladora de shopping centers de alta renda, já observa alto fluxo de acessos e taxa de ocupação nos empreendimentos em que faz a gestão. 

Contudo, o fechamento completo da economia meses atrás, que forçou os clientes a experimentarem diferentes formas de consumo, ainda gera impactos à empresa, que não viu sua receita melhorar nesses dois anos.

O panorama é similar para São Carlos (SCAR3) e BR Properties (BRPR3). A primeira é uma das principais investidoras e administradoras de imóveis comerciais do Brasil, detentora de escritórios de alto padrão em São Paulo e Rio de Janeiro. 

A segunda é voltada para investimentos em imóveis comerciais de renda, com foco em aquisição, locação, administração, incorporação e venda de imóveis. Também atua com galpões industriais e para varejo. 

Ambas lutam contra o fantasma do home office e a alta oferta para ainda contida demanda, o que faz com que os preços sejam pressionados. 

Economia em baixa, Ibovespa em alta?

Enquanto o maior índice acionário brasileiro persegue sua máxima histórica novamente e as ações começam a recuperar o terreno perdido em 2021, a economia segue trazendo dúvidas.  

Embora o PIB do quarto trimestre do ano passado tenha ficado levemente acima das expectativas do mercado, a recessão parece o caminho mais provável.

Agentes do mercado, como economistas do Itaú (ITUB4) e do Credit Suisse, acreditam que a economia brasileira deve contrair em 0,5% neste ano.

A previsão mediana do Boletim Focus, relatório divulgado semanalmente pelo Banco Central, é menos pessimista. De acordo com os especialistas ouvidos pela autoridade monetária, o PIB brasileiro deve subir, na margem, 0,42% em 2022.

Caso a melhor das estimativas atuais se concretize, ainda representará muito pouco para a retomada brasileira no pós-pandemia, em um momento em que o fôlego econômico é tão necessário.

O Brasil acaba de encerrar um de seus piores períodos na história em termos econômicos. Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a década de 2010 trouxe mais prejuízos ao país do que a de 1980, conhecida como a década perdida.

Segundo a Confederação, o período aprofundou questões como recuperação lenta da economia, dificuldades com melhora no mercado de trabalho e concentração de renda. 

As previsões do mercado para a contração da economia brasileira se baseiam na piora das contas públicas, inflação galopante, alta da Selic e a volatilidade tradicional do período eleitoral.

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Porém, por que o Ibovespa, que em tese representa a média do mercado brasileiro, agora está subindo? Um dos maiores mantras do mercado acionário – e que se prova verdadeiro – é que a Bolsa não é o PIB.

Em 2016, quando a economia brasileira encolhia 3,6%, em sua pior recessão na história, o Ibovespa subia 38,9%. 

À época, a alta do Ibovespa respondeu a três anos consecutivos de queda, tornando o índice muito barato, cenário que se repetiu em 2021. 

Em dezembro, o Ibovespa negociava a seis vezes seus lucros, o menor patamar desde 2008. Nos Estados Unidos, os índices batiam máximas históricas e pouco precificavam uma alta da taxa de juros mais acentuada, como o Fed (Federal Reserve) tem proposto agora. 

Agora, a visão dos investidores, principalmente os globais, é que o Brasil passou a valer a pena nos últimos meses e se tornou um dos melhores mercados emergentes. 

Enquanto fundos de ações passam a inverter a onda de pedidos de resgate do fim do ano passado, aportes de institucionais estrangeiros têm elevado o preço das blue chips

O que esperar daqui para frente

Na melhor das hipóteses, a economia brasileira ficará no zero a zero em relação ao ano passado. As incertezas econômicas são muitas, entre elas o cenário eleitoral e os combustíveis pressionando a inflação. A montanha-russa é certa.

Para ter uma referência, confira o desempenho do Ibovespa seis meses antes e seis meses após o primeiro turno das últimas cinco eleições presidenciais:

RETORNO DO IBOVESPA ANTES E DEPOIS DAS ELEICOES

O principal índice acionário do Brasil reage aos maiores papéis da Bolsa, isto é, Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4) e os grandes bancos. Juntos, esses ativos equivalem a cerca de 41% do Ibovespa.

A expectativa do mercado é que, a despeito das incertezas econômicas, as commodities terão mais um forte ano, impulsionadas por restrições de oferta em função do conflito entre Rússia e Ucrânia e pelo processo inflacionário em todo o mundo. Esse contexto pode sustentar o índice em um patamar elevado. 

A Bolsa brasileira, contudo, não se restringe apenas aos ativos integrantes do maior índice acionário do mercado local. 

As small caps, por exemplo, devem encontrar dificuldades nos próximos trimestres em função do aumento do custo de capital e de uma economia menos pujante – o que as leva a preços atrativos

No aspecto macro, a Bolsa brasileira ainda está muito barata em relação ao seu histórico – principalmente por hoje ser enxergada como um dos mercados emergentes mais promissores. 

No stock picking, há setores mais baratos que outros. Enquanto as empresas da “economia real”, como de materiais básicos, elétricas, telecomunicações e construção civil, apresentam múltiplos majoritariamente baixos, companhias dos segmentos de saúde e tecnologia oferecem pouco prêmio de risco. 

Na média, o Ibovespa caminha para reverter as perdas de 2021 e ter um ano no azul, surfando o dólar acima das médias históricas e com um índice banhado em matérias-primas – assim como foi em 2020, curiosamente.

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