O mercado financeiro costuma antecipar as tendências, e, na opinião dos analistas e gestores, boa parte do risco eleitoral já está refletida nos preços dos ativos. Mas, diferentemente de eleições passadas, não é esperado aumento grande de aversão a risco por conta das eleições neste ano, ainda que o desempenho de alguns ativos na Bolsa possa mudar dependendo da eleição presidencial.
Segundo os especialistas, seja quem for o vencedor, o mercado não espera ruptura drástica da política econômica atual, o que explica a aparente calmaria vista no ambiente de investimentos doméstico. Para eles, a performance dos ativos brasileiros deve ser ditada muito mais por incertezas no cenário externo, relacionadas, por exemplo, ao aumento da taxa de juros nos EUA, à crise imobiliária na China e ao risco de recessão mundial, do que por fatores domésticos.
E ao contrário da anterior, ambos candidatos à frente da corrida para eleição presidencial deste ano, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já são conhecidos dos eleitores, com passagem pelo governo.
Para o diretor da Órama Singular, José Bechara, o mercado já reflete em grande parte o risco eleitoral e medidas anunciadas pelos dois principais candidatos a presidente como a extensão do Auxílio Brasil de R$ 600 para 2023. “Se não fosse isso, o juro real estaria bem menor e a Bolsa, mais valorizada”, diz.
Com isso, ele espera que, havendo uma redução das incertezas em relação à política fiscal no próximo governo após a eleição, existe a chance de o juro real, isto é, de a taxa prefixada paga pelo papel Tesouro IPCA+, hoje acima de 5,60% cair para 4% e o Ibovespa chegar a 130 mil pontos.
Nesse cenário, Bechara vê os títulos do Tesouro IPCA+ com vencimento a partir de 2030 como opção interessante.
Leia também:
Tesouro Direto: taxas sobem após queda do IPCA-15; é hora de vender títulos atrelados à inflação?
“Esse papel é o veículo no qual a gente prefere se posicionar, porque tem um componente de retorno prefixado, que pode se beneficiar da queda de juros, e, se tiver uma surpresa negativa, o investidor estará protegido de uma inflação maior”, diz o diretor da Órama. É bom lembrar, que quando a taxa de juros dos títulos cai, os preços dos papéis emitidos com taxas maiores sobem.
Para a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, o importante é que, seja qual for a âncora fiscal – dada pelo teto de gastos (que limita o aumento de despesas do governo à inflação do ano anterior) ou outra medida de controle -, o Orçamento deve ser cumprido respeitando o controle da dívida pública.
Nesse contexto, Pasianotto vê os papéis do Tesouro IPCA+ ainda como interessantes, porque protegem a renda do investidor contra o aumento da inflação.
Corte da Selic deve trazer oportunidade?
A economista da Reag também enxerga oportunidade nos papéis prefixados, com a aproximação do fim do ciclo de alta de juros e a expectativa de corte da taxa Selic em 2023.
A expectativa da Reag Investimentos é que a redução da Selic, hoje em 13,75%, ocorra a partir de setembro de 2023 e a taxa chegue aos 11% no fim do ano que vem.
A Persevera Asset Management já começou a se posicionar para o ciclo de corte de juros no ano que vem e montou uma posição, ainda pequena, em títulos do Tesouro prefixados, que se valorizam quando a taxa Selic cai.
A gestora está com posição marginalmente comprada em Bolsa brasileira e vendida (apostando na queda) no índice S&P 500 da bolsa americana. “A dúvida é quanto o país vai conseguir se descolar do resto do mundo”, afirma Fernando Fontoura, sócio e gestor de renda variável fundamentalista da Persevera Asset Management.
Para ele, o rali na Bolsa brasileira só deve começar, de fato, quando o ciclo de corte de juros no Brasil for iniciado, no ano que vem.
Já Pasianotto espera maior volatilidade no mercado em função das incertezas no cenário externo.
Cenário diverso para estatais
Já no caso da Bolsa, ainda que as políticas econômicas dos candidatos possam beneficiar mais um ou outro setor, o mercado vê cenários diferentes para as empresas estatais na Bolsa, principalmente Petrobras (PETR3) e Banco do Brasil (BBAS3).
Nesse contexto, Bechara tem preferido papéis de setores mais defensivos como bancos e utilities (serviços públicos), além de ver potencial de alta para algumas ações small caps.
No caso da vitória de Bolsonaro, o mercado espera que o governo possa avançar nos planos de privatização das empresas estatais.
Em 30 de maio, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, pediu formalmente ao Ministério da Economia a inclusão da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), estatal que gere a comercialização do petróleo extraído no pré-sal, em uma lista de estudos para possível privatização.
“O governo Bolsonaro deve colocar na rota de privatização a Petrobras e possivelmente o BB”, diz Fontoura, da Perservera.
Já com a vitória de Lula, a maior preocupação do mercado é com intervenção nas estatais, a exemploo do uso dos bancos públicos, como Caixa e Banco do Brasil, para ampliar a concessão de crédito.
“Houve uma série de melhora da governança, como a Lei das Estatais, que limitam uma intervenção maior do governo nas empresas públicas e exige que os administradores tenham experiência técnica”, destaca o gestor.
O candidato do PT se manifestou, na ACE (Associação dos Correspondentes Estrangeiros) em 22 de agosto, contrário à atual política de reajustes de preços da Petrobras, que segue a paridade do preço internacional do petróleo e disse que pretende voltar a usar os bancos públicos como BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Caixa e BB para “fazer investimentos”.
“Não tem grande espaço fiscal para fazer grandes estímulos através de crédito subsidiado a alguns setores”, afirma Luiz Felipe Teixeira do Amaral, fundador da Equitas Investimentos.
A gestora trocou parte da posição em papéis da Petrobras por opções de ações da empresa, que ajudam a limitar eventual perda com o ativo. “O desconto da Petrobras hoje (cujo papel é negociado ao menor múltiplo em 15 anos) é justamente pelo risco de o vencedor da eleição ser o Lula, mas isso não está integralmente precificado”, diz Amaral.
Para ele, apesar de todo o ruído envolvendo as pressões do governo Bolsonaro na Petrobras neste ano, a atual política de preços da empresa foi mantida, e o plano de venda de ativos privilegiando a exploração no pré-sal também, o permitiu à companhia se tornar a maior pagadora de dividendos do mundo.
A Equitas também tem posição pequena em Banco do Brasil. “Em um cenário de vitória do Bolsonaro vemos potencial de valorização expressiva do BB, que teve resultados espetaculares, mas negocia com desconto em relação aos bancos privados.”
Setores de educação e construção na Bolsa poderiam ser beneficiados com vitória de Lula
Embora o mercado veja um espaço fiscal mais apertado para a ampliação de gastos públicos, Fontoura afirma que eventual vitória de Lula poderia beneficiar as ações do setor de educação na Bolsa, com possível ampliação do programa do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil ), que tem como objetivo conceder financiamento a estudantes em cursos superiores não gratuitos. No governo do PT o programa foi expandido oferecendo taxas de juros subsidiadas.
⇨ Quer conferir quais são as recomendações de analistas para as empresas da Bolsa? Inscreva-se no TradeMap!
Da mesma forma, é esperado aumento dos gastos com o Programa Casa Verde Amarela, o que poderia dar um fôlego para as ações de construtoras que atuam no segmento de imóveis para média e baixa renda, como MRV (MRV3), Tenda (TEND3), Direcional (DIRR3) e Cury (CURY3).
“A nossa dúvida é qual a capacidade de acelerar de maneira expressiva esses programas dadas as restrições orçamentárias do governo”, diz Fontoura.
Alocação no exterior oferece hedge contra o risco-Brasil
A alocação em ativos no exterior é uma forma dos investidores brasileiros diversificarem o risco Brasil.
Apesar de ver uma perspectiva melhor para a Bolsa brasileira, Bechara, da Órama, vê oportunidade de investimento nas bolsas e títulos corporativos lá fora. “Olhando um horizonte de cinco anos, achamos que o índice S&P500 já oferece patamares interessantes de entrada e há no Brasil excelentes fundos de ações globais”, diz, recomendando exposição de pelo menos 10% da carteira a esses ativos.
Para Sigrid Guimarães, CEO da gestora de patrimônio Alocc, é importante o investidor manter uma carteira diversificada em outras moedas, por meio de fundos, para enfrentar qualquer cenário.
Da mesma forma, ela indica manter uma parte da carteira, equivalente a três a cinco anos de custo de vida, como colchão de liquidez em renda fixa pós-fixada, com baixo risco de crédito e liquidez imediata.