Calote de hipotecas cresce na China; saiba como isso afeta o Brasil

Crise no setor imobiliário e lockdowns devem reduzir crescimento da economia chinesa para 3,3% neste ano, abaixo da meta de 5,5%

Foto: Shutterstock

O calote da incorporadora imobiliária chinesa Evergrande, em dezembro de 2021, quando tinha US$ 300 bilhões em dívida, era só a ponta do iceberg do problema da bolha no setor imobiliário chinês.

A crise no setor imobiliário, junto com os constantes lockdowns no país em função da política de Covid zero do país e a recente tensão geopolítica com Taiwan, tem elevado a preocupação dos investidores em relação ao desempenho da economia chinesa e seu impacto para o PIB global.

Para o Brasil, as preocupações são ainda maiores: nossos principais parceiros comerciais, os chineses responderam por 28% das exportações brasileiras de janeiro a junho – ou seja, o crescimento da China afeta diretamente a economia nacional.

Em julho, mutuários de mais de 100 cidades se organizaram em protestos para deixar de pagar hipotecas diante do atraso na entrega dos imóveis. De acordo com estimativas do banco comercial Everbright Bank, as incorporadoras imobiliárias chinesas suspenderam a construção de cerca de 8 milhões de imóveis.

Para tentar evitar uma quebradeira das empresas do setor, o governo chinês anunciou a injeção de 320 bilhões de yuans (o equivalente a US$ 47 bilhões) de recursos públicos em bancos de pequeno e médio porte, em uma tentativa de ajudar os credores regionais que sofrem com a desaceleração econômica.

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“A gente acredita que o governo tem atuado para, pelo menos, estancar o problema, e não deixar o mercado colapsar”, disse Felipe Hirai, sócio e membro da equipe de gestão da Dahlia Capital durante a Expert XP.

O jornal “Financial Times” informou, no fim de julho, que o governo chinês está preparando um programa de 1 trilhão de yuans (cerca de US$ 148,2 bilhões) em empréstimos para socorrer as incorporadoras com obras paralisadas.

Setor imobiliário responde por um quarto do PIB chinês

Respondendo por 25% do PIB chinês, o mercado imobiliário na China tem sido uma das principais molas propulsoras do crescimento do país, recebendo pesados incentivos do governo.

Na reunião trimestral do Politburo da China, principal órgão de formulação de políticas do Partido Comunista que aconteceu no final de julho, o governo chinês evitou se comprometer com uma meta de crescimento, que a princípio seria de 5,5% para este ano.

A S&P Global Ratings estima crescimento de 3,3% para a economia chinesa em 2022, abaixo dessa meta oficial, após a economia asiática ter avançado 0,4% no segundo trimestre, em comparação com o ano anterior.

A agência de classificação de risco prevê uma queda de cerca de 30% nas vendas de imóveis neste ano, o que seria a pior que a queda desde 2008.

No começo deste mês, o Goldman Sachs cortou em relatório a previsão de crescimento para o PIB chinês de 4% para 3,3%, citando os “problemas não resolvidos com a Covid e o mercado imobiliário, bem como o aumento do risco na demanda global por produtos chineses”, apontou o banco.

gráfico PIB China

Além do problema no setor imobiliário, a política de zero casos de Covid-19 na segunda maior economia do mundo tem levado o país a decretar constantes lockdowns diante do ressurgimento de novos focos da doença, o que tem afetado o desempenho da economia chinesa neste ano.

Na carta de junho, os gestores da Dahlia Capital apontaram que a política de Covid zero deve ser mantida até que a maior parte da população esteja devidamente vacinada.

A Dahlia destaca preocupação com os preços ainda baixos do mercado imobiliário, já que os imóveis são uma das principais formas de poupança dos chineses. “Uma confiança mais baixa pode ter impacto negativo no consumo”, destacou a gestora na carta de junho.

O índice dos gerentes de compra da China caiu para 49 em junho, abaixo da marca de 50, o que indica contração da atividade econômica.

Apesar dos boicotes dos mutuários no pagamento das hipotecas, a S&P não espera uma crise financeira sistêmica, prevendo que a suspensão de pagamentos deve afetar 2,5% das hipotecas chinesas, ou 0,5% do total de empréstimos, como apontou a agência em relatório.

“Estamos hesitantemente positivos com China. Começamos a ver a cadeia de crédito se restabelecer e o segmento imobiliário chegou ao nível mais baixo, devendo começar a voltar e suportar o crescimento se os casos de Covid não voltarem”, disse Brian Doherty, diretor de gestão e investimentos da Wellington Management, na Expert XP.

Novos focos de crescimento

Uma das grandes incertezas é sobre quais serão os grandes vetores de crescimento da China no próximos anos. Ou seja, se o governo deve continuar provendo estímulos para o setor de infraestrutura ou se vai aumentar investimentos em novas indústrias, como do setor de tecnologia ou energia limpa, que demandam produção de produtos como painéis solares, turbinas eólicas, baterias de carros elétricos e semicondutores.

“Esse novo foco de crescimento chinês demanda outros tipos de commodities que não são as que o Brasil vende, como cobre e níquel. Essas são matérias-primas que outros países que fornecem à China, como Canadá, países africanos e Chile”, disse Fernando Fenolio, economista-chefe da WHG, à Agência TradeMap. “Então essa mudança de direcionamento do crescimento chinês não é tão positiva para o Brasil quanto foi entre 2000 e 2010”, diz a WHG.

Essas questões devem ficar mais claras após o congresso do Partido Comunista da China, previsto para o quarto trimestre, que deve reconduzir o atual presidente, Xi Jinping, ao terceiro mandato e definir as metas do país nos próximos cinco anos.

“Possivelmente devemos ver mais pacotes de estímulo para o crescimento”, afirma Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, que prevê crescimento entre 4% e 4,5% para o PIB chinês.

Como isso afeta o Brasil

O forte crescimento do mercado imobiliário da China ajudou a impulsionar a economia de países produtores de commodities como o Brasil. A China é hoje o maior importador de minério de ferro, e tem aumentado a participação como destino das exportações de carnes brasileiras, além de ser forte comprador de outras matérias-primas, como papel e celulose.

Com a desaceleração do setor imobiliário, que responde pela metade da demanda de aço da China, a importação de minério e outros metais industriais por parte das siderúrgicas chinesas tende a diminuir, o que levou o preço do minério de ferro com teor de pureza de 62% a acumular queda de 32% neste ano, de acordo com o índice Platts, da S&P Global Commodities Insights.

As importações da commodity metálica, até junho, caíram cerca de 4% em comparação com igual período do ano passado. O Goldman Sachs vê uma queda na demanda de 5% este ano.

O gestor da Dahlia acredita que o preço do minério pode cair nos próximos três ou seis meses, mas depois devem continuar em um patamar entre US$ 80 a US$ 100 por tonelada no médio prazo, porque o custo de produção também aumentou.

No caso das mineradoras brasileiras, Arbetman vê um impacto maior para a Vale (VALE3), dada a maior dependência da China, que respondeu por 60% das vendas de minério de ferro da mineradora no segundo trimestre.

A Vale, contudo, tem apostado na produção de minério de ferro do sistema Norte (PA), que possui alta concentração de ferro e baixo teor de escória, permitindo emissão menor de carbono ao ser processado pelas siderúrgicas, uma preocupação do governo da China.

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Além da Vale, a CSN Mineração (CMIN3) também pode ser impactada no caso de uma retração da demanda por minério de ferro, diz Arbetman.

Já se a crise no setor imobiliário se estender para uma redução do consumo e levar a uma contração maior da economia, outros setores da Bolsa brasileira poderiam ser afetados, como de carnes e papel e celulose, afirma Arbetman, da Ativa Investimentos.

“O setor de carnes já vem enfrentando uma pressão maior das margens com aumento dos preços dos grãos”, diz o analista da Ativa.

Nesse segmento, Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3) tinham maior exposição ao mercado chinês, que representava 68% e 40% da receita de exportação, respectivamente, dessas companhias no primeiro trimestre.

Já uma escalada na tensão geopolítica da China com os Estados Unidos envolvendo a questão de Taiwan poderia levar a um movimento global de aversão a ativos de risco, como verificado recentemente durante a visita da presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, à ilha, que levou o governo chinês a intensificar os exercícios militares na região.

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