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Seja Lula ou Bolsonaro, presidente vai se deparar com economia encurralada – entenda por quê

Cenário fiscal ruim, juros altos e desaceleração do mundo devem por freio na atividade no 1º ano do próximo governo

Foto: Shutterstock

O PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil deve crescer próximo de 3% em 2022, em um ambiente de forte recuperação do setor de serviços, aumento do Auxílio Brasil, queda do desemprego e deflação estimulada por medidas do governo.

Um cenário promissor? Mais ou menos.

O próximo presidente da República herdará em 2023 uma economia frágil em termos fiscais, com o risco de os juros terem que ficar elevados por muito tempo para pagar a conta de emendas parlamentares cada vez mais polpudas e da manutenção de benefícios sociais que foram ampliados durante a pandemia.

Seja o ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva (PT) ou o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) – que estão à frente nas pesquisas -, no ano que vem, o ocupante do Palácio do Planalto lidará ainda com a desaceleração da economia global, em meio à maior onda de aumento de juros no mundo desde 1990.

Por aqui, o aumento na taxa Selic, que subiu de 2% em março de 2021 para os atuais 13,75% ao ano, terminará de chegar à atividade, reduzindo o crédito.

É nesse contexto desafiador que a economia perderá fôlego, se expandindo 0,5% em 2023, segundo a projeção mais recente de analistas ouvidos semanalmente pelo Banco Central (BC) no Boletim Focus.

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O próprio BC estima uma expansão maior, de 1%, mas mesmo assim esse seria um crescimento bem abaixo dos 2,2% de alta da economia mundial, segundo estimativa da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Neste ano, a expansão da atividade global deverá ser de 3%, de acordo com a entidade.

Efeitos limitados

É inegável que a economia brasileira vem surpreendendo pela força nos últimos meses, puxada principalmente pelo setor de serviços, em forte recuperação após a reabertura proporcionada pela vacinação contra o coronavírus, e pela ampliação de benefícios sociais pelo governo.

O mercado de trabalho também vem mostrando um fôlego surpreendente, com a taxa de desemprego caindo para menos de 9% no trimestre finalizado em agosto, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (30) pelo IBGE.

Mas esses efeitos devem se esgotar. A combinação da Selic lá em cima, inflação alta, elevado endividamento e o esgotamento do efeito da volta sincronizada dos brasileiros à vida normal deve começar a colocar um freio na atividade, como já mostram alguns indicadores que antecipam o comportamento da atividade.

A inflação, que deve alcançar 5,88% em 2022, continuará a incomodar no ano que vem, avançando mais 5%, segundo analistas ouvidos pelo Boletim Focus.

Mesmo após as recentes deflações, o índice oficial de preços brasileiro, o IPCA, acumula alta de 8,7% em 12 meses encerrados em agosto, e chegou a alcançar mais de 12% em abril deste ano. Para se ter uma ideia do que isso significa, entre 2017 e o início de 2021 o indicador se manteve sempre abaixo de 5%.

Além da pandemia, a disparada nos preços neste ano foi impulsionada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, que fez a inflação disparar no mundo todo. Mas a decisão do governo de driblar o teto de gastos, elevando o valor do Auxílio Brasil e injetando estímulos na atividade em ano eleitoral, tornou mais difícil o trabalho do Banco Central.

Nesse cenário, a taxa Selic deve cair um pouco no ano que vem, mas não muito. A projeção de analistas ouvidos pelo Focus é que a taxa se reduza dos atuais 13,75% ao ano para 11,25% em dezembro de 2023.

“A inflação deve ceder, mas a questão é quanto”, aponta Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central. “O Banco Central subiu juros, mas não acredito que a inflação virá para a meta no ano que vem [o objetivo perseguido pelo BC para 2023 é uma alta de 3,25%]. A brincadeira de reduzir ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações ajudou um projeto político, mas não ajuda em nada a finança dos estados.”

Fiscal é a maior preocupação

Mas como trazer inflação e juros de volta a níveis civilizados? O desafio, na avaliação de economistas, é controlar as contas públicas, e o fato de o teto ter sido driblado pelo governo não ajuda em nada.

O mecanismo foi aprovado em 2016, durante o governo Michel Temer, pela votação de uma PEC, e foi a previsibilidade permitida por ele que abriu espaço para a taxa Selic cair ao menor patamar da história entre 2018 e o fim de 2021.

Isso porque, quando o risco de descontrole das contas públicas de um país se eleva, investidores passam a pedir taxas de juros maiores lá na frente para comprar seus títulos públicos – ou, de forma mais simples, para emprestar dinheiro ao governo.

“O problema do Brasil sempre é fiscal, de colocar uma nova regra que fique de pé e que diga: a dívida vai ser sustentável daqui para a frente”, diz o economista-chefe da Garde Asset Management, Daniel Weeks. “O Brasil até que se saiu bem durante a pandemia, mas já entramos nela com um ponto inicial de dívida elevado. Os desafios seguem grandes.”

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A partir de 2023, o país deve sepultar de vez o teto. Tanto Lula quanto Bolsonaro já anunciaram que vão manter o pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil no próximo ano e revogar a regra fiscal em caso de vitória nas eleições, ao mesmo tempo em que avaliam novas formas de garantir a sustentabilidade da dívida.

“O teto já está morto”, resume Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. “Mas o que você coloca no lugar? Provavelmente algo que vai convencer as pessoas que a trajetória da dívida não vai ser explosiva. Mas depois que você colocou o teto na Constituição e desrespeitou, por que se vai acreditar nisso?”, questiona.

Apesar de as contas públicas terem se comportado melhor que o esperado nos últimos anos, com o Tesouro estimando um superávit primário de mais de R$ 40 bilhões para 2022, especialistas lembram que uma parte relevante desse efeito é consequência de fatores pontuais, que perderão efeito nos próximos anos.

Mais inflação, mais arrecadação

Boa parte da melhora fiscal aconteceu por causa da disparada da inflação, impulsionada pelo aumento nos preços das commodities e insumos industriais diante da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Para entender a razão, imagine um produto que custa R$ 10 e tem alíquota de 2% em tributos, rendendo R$ 2 aos cofres públicos. Se ele aumenta de preço e passa a custar R$ 20, essa receita sobe para R$ 4.

O problema é que esse aumento na receita não é permanente, e portanto não deve ser usado como argumento para se elevar gastos de forma definitiva.

“Claro que a situação fiscal observada hoje é melhor do que a gente imaginava. As contas públicas melhoraram, mas trata-se de uma melhora sustentável? Minha visão é que há uma série de fatores que favorecem o desempenho fiscal e que não vão prevalecer quando se olha um horizonte não muito distante”, diz Schwartsman.

A bola de neve do orçamento secreto

Outro tema bastante delicado do ponto de vista fiscal, que terá que ser manejado pelo próximo mandatário, é a força que o Congresso ganhou na hora de decidir para onde vão os recursos do Orçamento, com o Poder Executivo cada vez mais vulnerável a pressões dos parlamentares.

No Orçamento de 2023 enviado ao Congresso, estão reservados R$ 38,4 bilhões para emendas parlamentares, o maior valor da história e um crescimento de 137% na comparação com a proposta orçamentária do ano passado.

Desse total, R$ 19,3 bilhões serão direcionados às emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto” pela baixa transparência de sua destinação. Por outro lado, a programação prevê somente R$ 22,4 bilhões destinados a investimentos do governo, o menor valor dos últimos 14 anos.

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