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Por que o risco fiscal mexe com o mercado, e o que a PEC dos Combustíveis tem a ver com isso

Aumento do Auxílio Brasil, auxílio a caminhoneiros e alta do vale gás custarão R$ 38 bilhões a mais aos cofres públicos

Foto: Shutterstock

Risco fiscal, teto de gastos, resultado primário. Esses são alguns dos termos repetidos à exaustão por economistas e que sempre estão na manchete dos principais jornais, mas que geralmente provocam um interesse inversamente proporcional à sua importância.

O assunto voltou a fazer preço nas últimas semanas, em meio à decisão do governo de, em um ano eleitoral, ampliar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, zerar a fila dos que aguardam o benefício, instituir um auxílio de R$ 1 mil a caminhoneiros e elevar o vale-gás.

O relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Combustíveis, Fernando Bezerra (MDB-PE), apresentou a proposta nesta quarta-feira (29), indicando que o custo total da proposta até o final deste ano, que vinha sendo apontado como de R$ 35 bilhões, aumentou para R$ 38 bilhões.

Como o valor ficará fora do teto de gastos, mecanismo que limita o aumento das despesas públicas à inflação do ano anterior, o Congresso decidiu decretar estado de emergência no texto.

Apesar da ampliação dos benefícios ser a princípio temporária, o temor é que o próximo presidente da República, seja ele qual for, tenha dificuldades para deixar de pagá-los a partir de 2023.

Leia mais:
Mais uma alta da Selic: incertezas com inflação e fiscal levam BC a sinalizar novo aumento em agosto

Mas afinal de contas, como funciona a política fiscal? E por ela tem tanto efeito sobre o mercado?

Receitas x despesas   

Em primeiro lugar, é importante aprender sobre como funciona o cálculo mais fundamental das contas públicas, o resultado primário, que é muito parecido com o que acontece nas finanças pessoais de cada um.

Se você ganha R$ 10 mil por mês, mas gasta R$ 15 mil, tem um problema. Ou precisa aumentar os seus ganhos (no caso do governo, a receita com impostos ou direitos), ou precisa cortar suas despesas.

Se nenhuma dessas possibilidades está na mesa, uma alternativa é pedir um empréstimo a um banco, que vai definir o pagamento de juros de acordo com o seu risco de calote.

Com o Brasil, é a mesma coisa. O resultado primário é calculado com base nas receitas menos despesas, excluindo-se dessa conta o pagamento de juros. Esse indicador é considerado a melhor medida da saúde financeira de um país, já que tem como objetivo medir o quanto o governo consegue economizar (ou não) para quitar os custos (ou juros) da sua dívida.

Quando essa conta é positiva, tem-se um superávit primário. Quando é negativa, um déficit primário. No ano passado, por exemplo, o Brasil encerrou dezembro com um rombo anual de R$ 35 bilhões, segundo dados do Banco Central.

Parece uma situação fiscal muito ruim? Pois esse foi o melhor resultado anual desde 2013 diante do forte aumento da arrecadação, que vem subindo com a inflação de commodities.  Nos 12 meses encerrados em abril, o Brasil teve um resultado positivo de R$ 137,4 bilhões – lembrando que 73% desse superávit veio dos estados.

Esse alívio no cenário fiscal permitiu uma certa melhoria da nossa dívida pública bruta, que é a soma de todas as obrigações financeiras do governo federal, estados e municípios. Em abril, último dado disponibilizado pelo BC, ela correspondia a 78,3% do nosso PIB (Produto Interno Bruto), abaixo dos 80% registrados em dezembro do ano passado.

Apesar desse cenário melhor, o país deve cerca de R$ 7 trilhões, cifra que ajuda a explicar porque os juros ainda são tão elevados no Brasil.

Além disso, ainda corremos o risco de voltar a ultrapassar o patamar de uma dívida equivalente a 80% do PIB – esse é o patamar que, na avaliação de agências de classificação de risco, começa a separar uma dívida manejável de uma considerada impagável (ou insustentável, na linguagem dos economistas).

Melhoria pontual na arrecadação

De qualquer forma, se a receita melhorou, é sinal de que o Brasil pode gastar mais?

Não é bem assim. Especialistas em contas públicas apontam um problema sério nesse salto recente da arrecadação de impostos: foi uma melhoria pontual, que tem a ver com o aumento nos preços das commodities e insumos industriais por causa da pandemia de coronavírus e guerra entre Rússia e Ucrânia.

Para entender esse raciocínio: se um produto custa R$ 10 e paga uma alíquota de 2% de tributos, rende R$ 2 aos cofres públicos. Se aumenta de preço e passar a custar R$ 20, essa receita aumenta para R$ 4.

Esse aumento na receita não deve se manter no médio e longo prazos, e por isso não deve ser usado como argumento para elevar gastos de forma definitiva, alertam economistas.

Isso seria contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que uma nova despesa só pode ser criada com a criação de uma receita permanente (a instituição de um novo tributo, por exemplo) ou corte de outra despesa.

Teto em risco (de novo)

A PEC dos Combustíveis pretende aumentar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, zerar a fila do programa (estimada em 2,8 milhões de pessoas), instituir um auxílio caminhoneiro de R$ 1.000 e elevar o valor do vale-gás pago a famílias carentes.

Tudo isso deve custar R$ 38 bilhões a mais aos cofres públicos. Apesar dos defensores da medida dizerem que o benefício é temporário, ou seja, que termina em dezembro, o mercado desconfia da chance de o próximo presidente da República, seja ele qual for, revogar de fato o aumento.

Além disso, essa alta aconteceria fora do teto de gastos, considerado a âncora fiscal do Brasil.

O teto é um mecanismo que foi aprovado em 2016, durante o governo Michel Temer, através da votação de uma PEC. Ele impede que as despesas públicas no Brasil subam mais do que a inflação do ano anterior, dando maior previsibilidade às contas públicas.

Economistas apontam que foi a previsibilidade permitida pelo teto que abriu espaço para a taxa básica de juros, a Selic, cair ao menor patamar da história entre 2018 e o final de 2021. No final do ano passado, o Congresso alterou a base de cálculo do teto, o que permitiu aumentar as despesas de forma significativa neste ano.

Saiba mais:
Texto da PEC dos precatórios muda teto e abre R$ 83 bi no Orçamento em ano eleitoral: entenda o efeito dessa mudança

Os efeitos sobre o mercado

Quando o risco de descontrole das contas públicas de um país se eleva, investidores passam a pedir taxas de juros maiores lá na frente para comprar seus títulos públicos – ou, de forma mais simples, para emprestar dinheiro ao governo.

Essa taxa maior é o preço cobrado pela incerteza que o investidor assumirá ao aplicar recursos em um título brasileiro, por exemplo.

Além disso, quanto mais um país gasta de forma não controlada, mais está estimulando a inflação. Por isso que se dizer que há duas formas de controle de preços: a política monetária, que sobe a taxa básica de juros para refrear o consumo, e a política fiscal responsável.

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