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Do rombo contábil à recuperação judicial: o que houve com a Americanas (AMER3) em 7 dias?

Em uma semana, a varejista perdeu quase R$ 10 bilhões em valor de mercado e viu dívida mais que dobrar

Foto: Shutterstock/ImagensstockBR

Passada uma semana de uma das maiores controvérsias da histórica do mercado de capitais no Brasil, ainda existem mais dúvidas do que respostas. Em apenas sete dias, a Americanas (AMER3) perdeu quase R$ 10 bilhões em valor de mercado, viu sua dívida dobrar e pediu recuperação judicial. 

O tal do risco sacado, termo que ficou na ponta da língua do mercado nos últimos dias, é uma operação em que um banco entra como intermediário entre a varejista e o fornecedor. Assim, a varejista passa a ter uma dívida bancária e não mais contas a pagar a fornecedores diretamente. A Americanas usava e abusava. 

A prática é conhecida no setor e pode alavancar os resultados de companhias que possuem margens comprimidas e ciclo de caixa mais devagar, como é o caso da Americanas.

Por si só, a ferramenta é legítima. Contudo, faltou parcimônia nessa alavancagem por parte da Americanas e, acima de tudo, transparência na contabilização das contas do balanço – como a Via faz, classificando a operação no lugar certo e até abrindo a taxa de juros praticada pelos bancos. 

O caso fica ainda mais esquisito quando se questiona a possibilidade de fraude e omissão por parte dos executivos ao longo dos últimos anos. 

Os formulários de referência da companhia apontam que, nos últimos dez anos, período próximo do especulado pelo ex-CEO Sérgio Rial na prática dessas inconsistências, os executivos da companhia receberam R$ 700 milhões em remuneração.

O montante considera além do salário, bônus e pagamento em opções de ações, alguns correlacionados com o desempenho operacional da companhia – que agora será totalmente revisto.

Comportamentos austeros das instituições financeiras levaram o caso à judicialização. O BTG Pactual, que possui R$ 1,2 bilhão em garantias da varejista, recebeu autorização para bloquear os recursos, assim como o Bradesco, com R$ 470 milhões. 

Na tarde desta quinta-feira (19), a Americanas protocolou oficialmente seu pedido de recuperação judicial (RJ), alegando R$ 43 bilhões em dívidas e 16,3 mil credores. Essa é a quarta maior RJ da história do país.

Confira a seguir as atualizações dos últimos sete dias em sete pontos sobre o que se sabe a respeito do caso da Americanas.

1 – A rainha das recuperações judiciais

A Americanas convidou Camille Faria, então CFO da TIM (TIMS3), para ser sua nova diretoria financeira, após a saída de André Covre da posição junto com Rial.

Camille aceitou o desafio e levará sua expertise em negociações no âmbito da recuperação judicial.

Entre outubro de 2019 e o fim de 2021, ela foi CFO da Oi (OIBR3), enquanto a companhia lutava para sair de seu processo de RJ, iniciado em 2016 quando acumulava R$ 60 bilhões em dívidas.

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A executiva também foi mananing director do Bradesco BBI, Bank of America e Morgan Stanley. 

No fim do ano passado, Faria fechou um acordo com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e pagou R$ 1,38 milhão em processos relacionados às suas gestões na Oi e na TIM, devido as empresas terem sido morosas em divulgar fatos relevantes ao mercado. 

2 – Americanas pede ajuda

Com a escalada das dívidas e a encruzilhada cada vez maior, os acionistas de referência da Americanas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira (3G Capital), acionaram a Rothschild & Co, banco de investimento francês, para liderar as negociações com os credores.

O assessor financeiro da varejista poderá representar a companhia em seus compromissos no Brasil e no exterior, procurando encontrar a melhor saída para o que se parece ser a recuperação judicial.  

Dessa forma, o ex-CEO Sérgio Rial deixou de ser um assessor financeiro da varejista, após revelar a inconsistência contábil que descobriu em apenas nove dias de mandato. 

A Rothschild & Co atua em mais de 40 países e teve uma receita de 1,37 bilhão de euros no primeiro semestre de 2022. A empresa terá trabalho para colocar as perspectivas (e as contas) entre a Americanas e seus credores em dia.

3 – Rebaixamento de crédito

No início da semana, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota de crédito da varejista de “Ba2” para “Caa3”, e disse que pode haver um rebaixamento adicional. A Standard & Poor’s e a Fitch também haviam seguido o mesmo caminho.  

No caso da S&P, a Americanas foi rebaixada em seis degraus, levando-a a um patamar de “não pagamento” — que é efetivamente o que se concretizou. Segundo a agência, esse tombo não tem precedentes no Brasil.

Para a Fitch, a estrutura de capital da Americanas é considerada insustentável com um acréscimo estimado de R$ 20 bilhões em novos passivos. Na prática, o pedido de RJ considerou dívidas ainda maiores, que totalizaram R$ 43 bilhões.

4 – Retaliação de fornecedores

Segundo informações reveladas pelo Estadão, fornecedores da Americanas têm pressionado a companhia para que uma capitalização aconteça, ou então que o trio acionista injete recursos no caixa da empresa. 

De acordo com o jornal, desde que o rombo bilionário da empresa foi revelado, algumas das empresas da indústria de bens duráveis teriam interrompido o faturamento à varejista, o que implica em um risco de segunda ordem.

Sem o giro do estoque por parte da Americanas, a criação de receita é impactada, o que acaba sendo reverberado em fornecedores menores, que tem grande parte de seus negócios ligados à Americanas. 

Se a varejista deixar de vender para seus mais de 50 milhões de clientes, essas empresas terceiras podem acabar quebrando.

Vale ressaltar que, além disso, muito do que se vende nos canais digitais vem do marketplace, fazendo com que vendedores diretos também sejam influenciados.

5 – Calote de dívidas

Amparada pela Justiça, que havia suspendido a exigência de pagamento a credores até meados de fevereiro, a Americanas deu calote em juros de dívida de investidores nesta semana.

A decisão da 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro autorizou que a companhia deixe de fazer pagamentos enquanto preparava um plano de recuperação judicial

A empresa não pagou a remuneração da 17ª emissão de debêntures, que levantou R$ 2 bilhões para a sustentação do caixa da empresa em 2022 e 2023. 

O vencimento dos papéis estava previsto para estes dois anos, com o último pagamento datado em 16 de janeiro de 2023, segundo a ata da reunião do conselho de administração de junho do ano passado.  

Os investidores agora se perguntam: para onde foi o dinheiro?

6 – Americanas perde 90,8% do caixa

Nesta quinta, a Americanas disse, por meio de fato relevante, que possuía apenas R$ 800 milhões em caixa para dar continuidade ao dia a dia do negócio.   

Pelo que consta no resultado do terceiro trimestre do ano passado (que será totalmente recalculado), as contas a receber de cartão de crédito eram na ordem de R$ 5,2 bilhões. O valor em disponibilidades efetivamente seria de R$ 8,7 bilhões. 

Portanto, do fim de setembro para cá, a empresa viu o montante líquido em mãos diminuir 90,8%.

A Americanas tem encontrado dificuldades em realizar a antecipação de recebíveis de cartão de crédito, já que os bancos se mostram reticentes em capitalizá-la, já que as próprias instituições financeiras são credoras da varejista e não têm boas perspectivas para receber os recursos.

Além disso, a companhia alega que parte de suas disponibilidades estão sendo bloqueadas pelos próprios bancos

7 – Ativos não prioritários

Tradicionalmente, como ocorre em recuperações judiciais, as empresas são forçadas a vender ativos que não fazem parte do core business

A Oi teve de se desfazer de sua operação móvel. A Novonor (ex-Odebrecht) luta para vender sua participação na Braskem. Na Americanas, alguns ativos podem fazer parte desse pacote também.

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Nesta semana, a companhia disse que está avaliando oportunidades para a venda de ativos, após o Valor Econômico revelar que existe a possibilidade de venda do Hortifruti Natural da Terra e de sua participação na Vem Conveniência.

A primeira empresa foi adquirida há cerca de um ano, e a segunda, numa joint venture com a Vibra (VBBR3), firmada em fevereiro de 2022.

O jornal disse que, com esses ativos, a companhia poderia levantar cerca de R$ 3 bilhões. Esse montante representa o dobro do que, realmente, a Americanas teria de Ebitda em 2023, segundo Rial, mas ainda assim menos de 10% do endividamento bruto. 

Ainda existem outras empresas, como Submarino, Shoptime e até a Ame, que devem entrar nas conversas sobre venda de ativos.

O fundo do poço para a Americanas?

Com o processo de RJ iniciado, a Americanas pode ter mais um forte impacto na Bolsa nos próximos dias.

A B3 deve tirar a varejista do índice Ibovespa, já que nenhuma empresa em tal condição pode fazer parte do indicador, segundo critérios objetivos.

Com isso, as ações AMER3 passariam por uma onda vendedora de fundos passivos que têm o desempenho de suas carteiras atrelados ao Ibovespa e que não contam com nenhum tipo de sistemática qualitativa. A maior parte das vendas que aconteceram até agora partiu de investidores institucionais ativos. 

Além disso, a empresa pode sair do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial). De acordo com a Bolsa brasileira, a varejista já foi notificada e uma decisão ocorrerá até o fim do mês – nada mais justo, tendo em vista ser um dos episódios mais obscuros do histórico corporativo do país.

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A Americanas, entretanto, poderá continuar no Novo Mercado, o mais alto nível de governança corporativa da B3.

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