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Selic a 10,75% deixa aposta contra o real cara e gestores aumentam posição vendida em dólar

Casas como AZ Quest, Legacy Capital e Norte Asset acreditam na valorização da moeda brasileira

Com o aumento da taxa básica de juros para 10,75% e do fluxo de investimentos estrangeiros para o Brasil no início do ano, apostar contra o real ficou caro e gestores aumentaram a posição vendida em dólar (apostando na queda) contra a moeda brasileira na B3.

Casas como AZ Quest, Legacy Capital e Norte Asset estão com posições compradas em real, de olho na valorização da divisa contra o dólar.

Apesar de verem um cenário positivo para o real no curto prazo, a questão para saber se esse movimento deve se sustentar por um período mais prolongado vai depender da condução da política monetária nos Estados Unidos e do cenário eleitoral no Brasil, avaliam os gestores que conversaram com a Agência TradeMap.

Desde o fim de dezembro, investidores institucionais aumentaram a posição vendida em dólar na B3 — em dólar futuro, minicontratos e cupom cambial — de US$ 50,4 bilhões para US$ 61,9 bilhões.

A AZ Quest foi umas das gestoras que montaram posição apostando na valorização da moeda brasileira contra o dólar e contra o euro. “Desde o fim do ano, estamos comprados em real”, diz Marco Mecchi, sócio e responsável pela área macro da gestora.

Entre os fatores que levaram a gestora a apostar na alta do real estão a alta taxa básica de juros no Brasil, que deve começar a atrair investidores estrangeiros dado o grande diferencial de juros para os mercados desenvolvidos, e o fluxo mais positivo para a Bolsa no país, que tem sido impulsionado pela realocação de recursos dos portfólios globais, diz Mecchi.

Em janeiro, o dólar Ptax recuou 4%, fechando a R$ 5,36. Desde então, o real continuou se apreciando frente ao dólar — a moeda americana chegou a recuar abaixo de R$ 5,30, o menor patamar desde 16 de setembro de 2021.

gráfico dólar versus real janeiro 2022

Alguns fatores têm contribuído para a valorização da moeda brasileira.

O primeiro deles é o fluxo positivo de recursos para Brasil neste início do ano. O saldo de entrada de investimentos estrangeiros para ativos financeiros estava positivo em US$ 4,9 bilhões em janeiro, até o dia 28, acima do aporte líquido de US$ 3,6 bilhões no mesmo período do ano passado, segundo dados do Banco Central.

Boa parte desse dinheiro foi para a Bolsa. O saldo de investimento estrangeiro em janeiro somou R$ 32,5 bilhões (US$ 6,1 bilhões). Importante destacar que esse dado inclui não só o fluxo novo de recursos no Brasil, mas também a realocação de dinheiro de investidores estrangeiros que já estava no país e foi direcionado para bolsa.

Com a expectativa de alta da taxa de juros nos Estados Unidos, investidores estrangeiros têm realocado suas posições, saindo de ações de empresas de crescimento, que estão com múltiplos altos, como as de tecnologia, para investir em mercados mais baratos, como a bolsa brasileira.

O mercado acionário local tem grande concentração em empresas de valor, em estágio mais maduro e de ciclo longo, como commodities e bancos, vistos como mais resilientes no momento.

“A Bolsa brasileira está muito barata, os 100 mil pontos de hoje equivalem aos 40 mil pontos de 2015, e o estrangeiro está aproveitando para comprar já que o processo de alta nos juros está no final”, diz Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor da Novus Capital.

A Novus estava com posição comprada em real, mas zerou na metade de janeiro, quando o Federal Reserve (Fed, banco central americano) começou a mostrar uma postura mais dura. “Prefiro focar na venda do euro contra o dólar”, afirma Portella, que vê oportunidade de voltar a apostar na alta do real se a moeda retomar o patamar de R$ 5,50.

Já a gestora Norte Asset está com posição comprada em real. “Não acho que o dólar é um bom hedge para a carteira”, afirmou Gustavo Salomão, sócio-fundador, durante evento do Credit Suisse na quarta-feira (2).

O gestor espera que o real se beneficie das medidas de estímulos adotadas pela China para impulsionar o setor imobiliário. “Deve ser positivo para commodities e favorece o balanço de pagamentos do Brasil”, diz.

Para Joaquim Sampaio, gestor de moedas e juros da RPS Capital, o fluxo para Brasil pode continuar positivo enquanto as perspectivas para crescimento global continuarem fortes, o que sustenta o preço das commodities.

O fato de o real ter se depreciado 6,8% em 2021 dá mais conforto para o estrangeiro investir no país, dado que o espaço para novas desvalorizações é mais limitado, avalia Sampaio.

O gestor da RPS acredita, no entanto, que, com o dólar cotado a R$ 5,30, o espaço para uma valorização adicional do real é mais limitado. “O real pode até se apreciar um pouco mais, mas não acho que esse movimento vai durar muito devido ao crescimento local muito ruim e ao Fed devendo ser mais agressivo.”

O sócio e gestor de multimercado da Neo, Mário Schalch, também não acredita que o cenário positivo deve durar muito tempo. “Olhando seis meses para frente, há várias coisas que podem acontecer, como eleições e um cenário externo mais desafiador, que podem fazer os ativos brasileiros performarem mal”, afirma.

Apesar de o real estar descontado em relação a seus pares e de o câmbio ainda estar acima da média de três décadas, de R$ 4, a Neo prefere não ter posição vendida ou comprada na moeda brasileira, uma vez que o patamar elevado da taxa de juros no Brasil pode limitar uma alta mais sustentada do dólar.

Selic alta deve atrair recursos externos

A alta da taxa básica de juros para 10,75% deve limitar uma valorização mais acentuada do dólar e pode até levar o real a se apreciar no curto prazo.

O Brasil paga hoje a maior taxa de juros real do mundo — descontada a inflação projetada de 12 meses — de 6,41%, o que torna o país atrativo para as chamadas operações de carry trade, que buscam ganhar com o diferencial de juros entre o Brasil e as baixas taxas dos mercados desenvolvidos.

“A taxa de juros no Brasil deve continuar alta nos próximos 15 meses. Com a inflação estabilizando, vamos ter uma taxa de juros real em torno de 7%, o que deve atrair os investidores estrangeiros para o mercado de juros local, o que tende a beneficiar o real”, diz Mecchi.

O cenário de juros em elevação no Brasil também fez que com a gestora Legacy Capital mantivesse uma posição vendida (apostando na queda) em dólar contra o real e em bolsa, apontou a gestora, em carta de janeiro.

Com a taxa básica de juros devendo alcançar um patamar perto de 12% fica mais caro apostar contra a moeda brasileira. “O BC pode manter o juro nesse patamar alto por muito tempo com a inflação mais persistente”, diz Sampaio, RPS Capital, que lembra que há dois anos a moeda brasileira tem oscilado entre R$ 5 e R$ 5,80. “Não vejo pressão relevante para o câmbio sair desse nível de equilíbrio”, diz.

Fed é risco para o real

Apesar de o fluxo positivo para Brasil ter sustentado a valorização do real no início deste ano, uma surpresa negativa com o banco central americano acelerando o ritmo de alta de juros pode impactar essas entradas de recursos, sendo o principal risco para a moeda brasileira. “Podemos ter um ou dois meses de fluxo estrangeiro positivo para emergentes, mas o Fed pode ficar mais agressivo e o cenário piorar”, diz Sampaio.

Os títulos americanos (Treasuries) já refletem de quatro a cinco altas da taxa básica de juros americana este ano. “Mas o Fed pode fazer até sete elevações se a inflação nos EUA for mais persistente que o esperado”, avalia o gestor da RPS.

Segundo Portella, da Novus, há uma dúvida no mercado de como será o ritmo de alta de juros nos EUA — se será de 0,25 ponto ou 0,50 ponto — e sobre como o Fed deve conduzir a redução do seu balanço de ativos. “O tamanho da alta da taxa de juros nos EUA para este ano já está bem precificado, o risco é mais para frente. Achamos que a taxa de juros deve ficar em um patamar mais alto que os 2% do último ciclo de aperto”, diz.

Para Sampaio, diferentemente do último ciclo de alta de juros, os mercados emergentes estão menos vulneráveis, com taxas de juros em patamares mais elevados e posições de reservas mais confortáveis. “Uma alta mais agressiva da taxa de juros nos EUA deve impactar mais mercados desenvolvidos como Europa e Japão, que vão ficar para trás no movimento de aperto monetário”, analisa.

Por isso, a RPS está com posição comprada em moedas do Leste Europeu contra o euro, com os bancos centrais desses países subindo mais os juros que o Banco Central Europeu (BCE), e em dólar contra o euro e o iene, com o Fed devendo ser mais agressivo.

A grande questão, segundo o gestor da RPS, é se o ciclo de alta de juros nos EUA e a redução de liquidez começarem a impactar o crescimento global, o que afetaria os preços das commodities e, consequentemente, o real. “Enquanto tiver crescimento global positivo, que é o caso deste ano, os emergentes ficam mais protegidos”, diz Sampaio.

Eleições traz volatilidade, mas assusta pouco estrangeiro

As eleições no Brasil devem aumentar a volatilidade nos mercados, muito mais em função da piora da percepção dos investidores locais em relação às sinalizações do próximo governo do que a dos estrangeiros. “O estrangeiro não se assusta com o Lula, porque já sabe como será um eventual governo dele e não tem medo”, diz Sampaio.

Para o gestor da RPS, hoje o estrangeiro vê um eventual governo do PT até com melhores olhos que um governo do presidente Jair Bolsonaro mais intervencionista.

Portella afirma que o mercado tem olhado para a sinalização mais para o centro do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas e buscado aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o que tem sustentado um cenário mais positivo.

Para Mecchi, o contexto de uma eleição polarizada entre os dois candidatos já está, em boa parte, refletido nos preços dos ativos brasileiros. “Qualquer que seja o candidato [Lula ou Bolsonaro], já convivemos com eles”, diz.  O gestor, no entanto, alerta para o aumento da volatilidade nos mercados quando a agenda econômica de ambos candidatos começar a ser discutida.

“O câmbio está muito longe de onde deveria estar, que seria perto de R$ 4,50. Acho que o dólar pode até bater R$ 5,  mas não acho que vamos para o patamar justo por causa da eleição”, diz Mecchi.

Além das eleições, Portella destaca que a volta do Congresso pode gerar ruídos negativos para os mercados no curto prazo, com a pressão dos servidores públicos por reajustes e a discussão sobre corte de impostos, medidas que têm impacto fiscal.

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