O discurso mais duro do presidente do banco central americano (Federal Reserve, o Fed), Jerome Powell, que não descartou a possibilidade de fazer um aperto de juros maior e em um ritmo mais rápido que o esperado pelo mercado, surpreendeu investidores e aumentou a aversão a ativos de maior risco, levando as principais bolsas nos EUA a reverterem o movimento de alta.
No mercado local, o Ibovespa reduziu os ganhos e fechou com avanço de 1,24%, a 111.573,60 pontos, abaixo dos 112.695 pontos alcançados na máxima do dia. O dólar ganhou força frente ao real no fim do pregão, acompanhando o movimento no exterior, e encerrou em alta de 0,14% a R$ 5,4421.
Após o comunicado da reunião do Fed não trazer muitas novidades em relação à ata da última reunião de dezembro, Powell surpreendeu os investidores na coletiva de imprensa ao afirmar que “não descarta promover altas em todas as reuniões do ano e disse que havia “algum espaço para promover o aperto sem prejudicar o mercado de trabalho”. Ele afirmou ainda que o ritmo de redução do balanço patrimonial pode ser mais intenso do que no último ciclo.
“O Fed deixou bastante em aberto o ritmo de alta de juros. No último ciclo, ele fez uma alta por trimestre e agora deixou em aberto a possibilidade de subir a taxa de juros na sequência”, disse Ivo Chermont, sócio e economista-chefe da gestora Quantitas, em mensagem para investidores.
Para Chermont, o ritmo de elevação de juros vai ser ditado pelos dados, em especial pela inflação. No comunicado da reunião, o Fed destacou que a inflação está bastante elevada e que vê um mercado de trabalho “forte”.
O Fed confirmou o cenário esperado pelo mercado de que a autoridade monetária está próxima de começar a subir a taxa básica de juros e só deve começar a redução do balanço da sua carteira de ativos após iniciar o ciclo de aperto monetário.
“No comunicado, o Fed deu a entender que a primeira alta deve vir na reunião de março, como já esperado pelo mercado”, diz João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos. A gestora prevê quatro altas da taxa de juros americana neste ano, terminando 2022 m 1%.
As taxas dos títulos do Tesouro americano (Treasuries) já refletem quatro elevações neste ano, começando em março, segundo Leal.
A taxa do título de dez anos subiu para 1,875%, de 1,776% no pregão anterior. O mercado deve continuar monitorando o risco de elevações de juros antes do esperado e isso deve manter a pressão na curva de juro real, disse a equipe de Macro & Estratégia do BTG Digital, em nota.
Um dos pontos determinantes para o patamar da taxa de juros de dez anos e o impacto na liquidez global diz respeito a como o Fed vai conduzir a redução de sua carteira de ativos. Em comunicado divulgado à parte, o Fed destacou a necessidade de redução de seu balanço, indicando que isso será feito após o início de alta de juros, principalmente via o não reinvestimento, ou seja, não repondo os papéis que estão vencendo na carteira.
“Ficou uma dúvida sobre o que o Fed realmente fará”, disse Leal. A Rio Bravo espera que o Fed inicie a redução do balanço em julho.
Na coletiva de imprensa, Powell sinalizou que o ritmo de redução do balanço pode ser maior que o realizado no último ciclo, em 2017 e 2018, em que reduziu a carteira de ativos em US$ 50 bilhões por mês, segundo Chermont. “Existe chance de o Fed fazer a redução entre US$ 80 bilhões e US$ 100 bilhões por mês”, afirmou. Outro risco a ser monitorado é uma antecipação dessa redução do balanço.
Emergentes mais bem preparados para alta de juros nos EUA
Diferentemente do último processo de redução do balanço patrimonial do Fed, os mercados emergentes estão agora mais bem preparados para enfrentar o ciclo de aperto monetário nos EUA e par uma redução da liquidez sem grandes impactos, afirma Leal.
“A situação é diferente do ciclo passado. O mercado de commodities está aquecido e as bolsas emergentes estão bem baratas em relação ao resto do mundo”, diz.
O economista da Rio Bravo destaca que o fluxo para bolsas de mercados emergentes, incluindo Brasil e outros países da América Latina com grande peso de empresas cíclicas e de commodities, tem crescido. “Devemos ver a continuidade desse fluxo se não tivermos nenhum choque intenso na política monetária dos EUA.”
Já o real pode se beneficiar desse aumento de recursos estrangeiros para o Brasil e até se apreciar no curto prazo. “A tendência para o real vai depender do cenário doméstico, principalmente eleitoral, que deve se intensificar até o fim do ano”, afirma Leal.