Como a nova gestão do BNDES pode afetar bancos como Itaú (ITUB4) e BTG (BPAC11)

O mercado teme que o BNDES, sob o governo de Lula, volte a ser o que era em gestões petistas passadas

Foto: Shutterstock/Photocarioca

Desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito para retornar à Presidência da República, analistas e gestores do mercado financeiro têm lido com atenção qualquer notícia que saia sobre o BNDES, o banco de fomento do governo federal.

O receio desses profissionais é que o BNDES volte a ser o que foi nas gestões petistas passadas, o que poderia afetar diretamente dois dos maiores bancos privados com ação negociada na Bolsa: o BTG Pactual (BPAC11) e o Itaú Unibanco (ITUB4).

À época, em especial no governo de Dilma Rousseff, o BNDES adotou a chamada política de campeões nacionais, que basicamente consistia em conceder crédito a juros baixos, bancados em parte pelo Tesouro Nacional, para grandes empresas selecionadas.

Com esse incentivo, as companhias escolhidas se tornariam grandes nomes no mercado internacional, verdadeiras multinacionais, e dariam o impulso necessário para o desenvolvimento da economia brasileira.

A JBS (JBSS3) foi um desses casos. A companhia recebeu cerca de R$ 10 bilhões em empréstimos subsidiados e, de fato, virou um dos maiores processadores de alimentos do mundo, com presença em mais de 20 países.

O problema é que políticas como essa do BNDES geraram distorções na economia brasileira, segundo especialistas do mercado.

Um dos exemplos mais lembrados é o estímulo feito ao mercado de caminhões, por meio do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), também do BNDES.

Com esse apoio, o mercado de caminhões atingiu um nível de venda recorde em 2011, com 172,6 mil unidades comercializados, maior patamar anual até hoje.

Como a oferta de caminhões cresceu rapidamente no Brasil, o valor do frete para transporte caiu, ao mesmo tempo em que o custo do combustível subia.

A vida financeira do caminhoneiro autônomo, portanto, foi se tornando mais apertada. “O resultado disso foi a greve dos caminhoneiros em 2017”, ressaltou o analista Carlos Eduardo Daltozo, chefe do time de análise de renda variável da Eleven Financial, em entrevista à Agência TradeMap.

Após o fim da gestão petista, com o impeachment de Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer decidiu mudar a política do BNDES.

O crédito subsidiado perdeu espaço, as participações do banco em empresas foram sendo vendidas aos poucos e a instituição passou a focar em projetos de infraestrutura.

Bom para os bancos privados

Quem se beneficiou disso foram os bancos privados, que começaram a ocupar o espaço do BNDES no financiamento de empresas, mas com juros de mercado, e não subsidiados pelo governo.

De 2016 a 2022, o volume captado pelas empresas brasileiras no mercado de capitais saltou de R$ 178,5 bilhões para R$ 544 bilhões, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), um avanço surfado pelos bancos privados e marcado pelo aumento de companhias com ação negociada na Bolsa.

No BTG, a receita da área de banco de investimento foi multiplicada por cinco entre 2016 e 2022, para R$ 1,8 bilhão, e a participação na receita total da instituição saltou de 4% para 11%.

A área de empréstimos corporativos, por sua vez, cresceu 246% e viu a sua participação na receita total subir de 10% para 18%.

No Itaú, o negócio de atacado, que inclui o Itaú BBA, representou 55% do lucro líquido recorrente do banco como um todo no quarto trimestre, praticamente o dobro dos 23% anotados no quarto trimestre de seis anos antes.

“Uma mudança no BNDES, com um retorno ao que era o BNDES na época dos campeões nacionais, pode alterar drasticamente o mercado de capitais como se conhece hoje”, disse Daltozo.

Uma notícia que deixou o mercado ainda mais preocupado com o banco de fomento foi a nomeação do economista Aloízio Mercadante para comandar a instituição.

Mercadante é um político histórico do PT e costuma ser associado à gestão de Dilma Rousseff, marcada pelo maior intervencionismo na economia. O ex-senador chegou a ser ministro de três pastas no governo Dilma, da Casa Civil, da Educação e da Ciência e Tecnologia.

Em razão disso, a escolha dele por Lula foi vista como um sinal de que as políticas do passado poderiam ser repetidas agora.

O discurso do BNDES até o momento

No entanto, a nova gestão do BNDES tem dito que dessa vez será diferente. Já foi afirmado, por exemplo, que não haverá operações de crédito com subsídio de recursos do Tesouro Nacional, como ocorreu no passado.

No fim de janeiro, o novo CFO do BNDES, Alexandre Abreu, disse também que o que banco pretende fazer é, com pequenas participações em projetos, de um quinto ou um sexto do negócio, mostrar a investidores, nacionais ou estrangeiros, que o governo tem interesse naquela iniciativa.

Além disso, afirmou, como o banco tem uma das melhores equipes de análise de projetos do país, a entrada do BNDES em algum projeto indica a outros potenciais investidores que aquela iniciativa tem viabilidade.

“A nossa missão é tornar o dinheiro à disposição do BNDES cada vez mais eficiente, para reduzir o preço final ao tomador, mas nunca onerando o Tesouro Nacional”, disse o executivo, em um evento do Credit Suisse.

De acordo com ele, para fazer isso, o BNDES pode ter um mix de captações de recursos internacionais e nacionais para fazer a taxa de juros ficar mais barata, além de usar recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para operações com empresa, “para a TLP (Taxa de Longo Prazo, utilizada pelo BNDES) ficar mais próxima da Selic, porque a TLP ficou muito longe”.

Abreu ressaltou ainda que, nos anos 1990, os desembolsos anuais do banco chegavam a algo em torno de 2% do PIB, proporção que subiu para 4% entre 2005 e 2010. Hoje, está em 0,7%. Para ele, voltar aos 4% seria um exagero, mas retomar os 2% pode ser um “bom indicador, ainda a ser referendado pelo planejamento que está sendo construído.”

No evento, o executivo listou ainda quais serão as quatro prioridades do banco: fomentar a transição energética para uma economia mais verde; privilegiar micro, pequenas e médias empresas; incentivar a reindustrialização do país e atuar em projetos de infraestrutura.

Segundo ele, o BNDES não vai atuar em áreas onde o mercado de capitais “se resolve sozinho”. “Não vamos competir com o mercado, mas sim cooperar”, disse.

“Se de fato o BNDES ficar nas pequenas médias empresas, isso vai atrapalhar pouco os bancos privados”, disse o sócio, CFO e analista de setor financeiro da Meraki Capital, Stefan Darakdjian.

Ele lembrou que a TLP, do BNDES, por ser mais cara que os juros praticados no mercado, acaba colocando o banco de fomento em posição de desvantagem em uma concorrência com as instituições privadas. “Se não tiver mudança na taxa, acho difícil concorrer.”

Dinheiro não falta

Por outro lado, o BNDES pode ser mais agressivo no mercado ao queimar o robusto capital que tem disponível.

Ao final do primeiro semestre do ano passado, o índice de Basileia, que mede a saúde financeira dos bancos, ficou em 33,4% para o BNDES, três vezes acima do mínimo exigido pelo Banco Central, de 10,5%, indicando conforto para conceder crédito.

O índice de Basileia, vale lembrar, calcula o quanto um banco tem de dinheiro próprio em comparação ao que tem de terceiros. Quanto maior o resultado, mais espaço a instituição tem para emprestar mais recursos no mercado.

Em um relatório publicado no início de novembro, o próprio Itaú BBA destacou que a saúde financeira dos principais bancos estatais (BNDES, Caixa e Banco do Brasil) é forte em diversas métricas. Eles estimaram mais de R$ 2 trilhões em capacidade de concessão de crédito, se todos os seus índices de Basileia excedentes fossem usados.

“Seria improvável que isso acontecesse de uma só vez, e ainda seriam necessários recursos para expandir o balanço, mas esse é um número significativo dentro do sistema de crédito total de R$ 5 trilhões do Brasil”, disse o BBA à época.

Para o gestor da Meraki, dos bancos listados na Bolsa, o Itaú seria o mais exposto a uma postura mais agressiva do BNDES, em razão do Itaú BBA. “O resultado do BBA é bem relevante dentro do Itaú, então acho que eles seriam mais prejudicados”, disse.

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