Envolvidos na crise da Americanas (AMER3) por estarem entre as instituições financeiras que mais têm dinheiro a receber da varejista, os três maiores bancos privados do país — Itaú Unibanco (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Santander (SANB11) — foram rápidos em mostrar aos acionistas que estavam dispostos a compensar um eventual calote.
Embora o rombo da varejista tenha sido revelado no início de janeiro, os três bancos fizeram questão de exibir já nos balanços do quarto trimestre do ano passado que bilhões de reais foram separados para cobrir eventuais perdas com a Americanas, também em um esforço para que os resultados de 2023 não fossem contaminados pela crise da companhia.
Para ser mais exato, os três bancões separaram cerca de R$ 7,2 bilhões para esse fim, com destaque para o Bradesco, que reservou o maior valor, de R$ 4,8 bilhões, enquanto Itaú e Santander destinaram R$ 1,3 bilhão e R$ 1,1 bilhão, respectivamente.
Esses montantes “reservados” são o que o setor bancário chama de provisões para devedores duvidosos, ou PDDs, a sigla que aparece nos balanços.
Trata-se de uma prática corriqueira sempre que uma instituição empresta dinheiro a uma pessoa ou a uma empresa. Na hora que o crédito é concedido, o banco tenta calcular, com base nos dados do cliente, qual é a chance de não ser pago, preparando-se para o pior.
As provisões, ou PDDs, são um dinheiro que o banco guarda, tirando do seu caixa do dia a dia, para compensar possíveis inadimplências. Assim, se o cliente não pagar, o banco recorre a esse dinheiro e o devolve ao seu caixa, como se estivesse pagando a si mesmo.
Portanto, não é que o banco deixa de ter a perda. Significa apenas que ele se preparou para aquela perda.
Caso algum fato novo surja ao longo do empréstimo e aquele cliente mostre que sua capacidade de pagamento piorou, o banco pode separar um valor adicional em provisões para compensar o risco maior.
Por ser um dinheiro que está reservado para uma finalidade específica e que não se sabe se vai acontecer ou não, as provisões entram no balanço como uma despesa e acabam diminuindo o resultado do lucro líquido dos bancos.
Foi o que aconteceu com Bradesco, Itaú e Santander. Como o rombo da Americanas mostrou que a varejista estava em situação pior do se sabia, os três tiveram que agir em cima da hora para elevar as provisões relacionadas à empresa.
Não por acaso, todos os três registraram lucros no quarto trimestre que ficaram abaixo da expectativa do mercado, porque os analistas que fizeram as previsões não sabiam se os bancos fariam provisões adicionais e, se fizessem, de quanto seria.
O Bradesco, que foi o que fez a maior provisão adicional, foi também o que mais viu o lucro líquido cair, com uma queda de 75,9% no quarto trimestre em relação a igual período do ano anterior, para R$ 1,6 billhão.
Leia mais:
O Santander, por sua vez, teve recuo de 56%, para R$ 1,7 bilhão, enquanto o Itaú, que é o que tem menos tem dinheiro a receber da Americanas, foi o menos afetado, conseguindo até compensar a provisão adicional com outras receitas e elevar o lucro em 7,1%, para R$ 7,6 bilhões.
Bradesco e Itaú foram os mais cautelosos e resolveram fazer uma provisão adicional exatamente igual ao valor total da dívida da Americanas com as duas instituições.
No caso do Itaú, há um asterisco nessa conta. A Americanas tem uma dívida de cerca de R$ 3 bilhões com o banco. O banco, em vez de adicionar mais R$ 3 bilhões em provisões, usou R$ 1,7 bilhão que já estavam provisionados para outros fins e adicionou mais R$ 1,3 bilhão.
Para o gestor de ações Conrado Rocha, sócio da Polo Capital, é positiva a iniciativa de Itaú e Bradesco de já provisionar 100% das dívidas no quarto trimestre. “Isso é bom porque já limpa o balanço para 2023”, disse o gestor à Agência TradeMap, na quarta-feira (8).
Pode ser mais?
O valor total provisionado pelos três bancos, no entanto, pode ser mais que R$ 7,2 bilhões, porque o Santander não provisionou 100% da dívida da Americanas com a instituição, de R$ 3,6 bilhões.
O banco, aliás, foi o único que não disse qual foi o valor total destinado para compensar um eventual calote da Americanas, mas estimativas de analistas do mercado, com base em números apresentados no balanço, apontam para algo em torno de 30% da dívida, ou R$ 1,1 bilhão.
Em coletiva de imprensa para comentar os números do balanço, o CEO do Santander, Mário Leão, não descartou a possibilidade de a provisão para esse caso aumentar, porque não se sabe como vai evoluir a negociação com a companhia, ou se novos fatos serão conhecidos ou não. A empresa, vale lembrar, entrou em processo de recuperação judicial.
Nenhum dos três bancos, é bom dizer, citaram nominalmente a Americanas em seus balanços nem em suas teleconferências com analistas e jornalistas.
Limitaram-se a afirmar que os bilhões adicionados em provisões no quarto trimestre se deviam a um “evento subsequente” (ocorrido depois do fim do período ao qual o balanço se refere) com um grande cliente do segmento de “atacado”, como é chamado pelos bancos o crédito para empresas. Mas todo o mercado entendeu o recado.
Outros bancos relevantes que também têm dinheiro a receber da Americanas ainda não divulgaram balanços para o quarto trimestre e devem seguir o exemplo dos três bancões. É o caso de BTG Pactual (BPAC11) e Banco do Brasil (BBAS3), por exemplo, que têm crédito de R$ 3,5 bilhões e R$ 1,36 bilhão com a varejista, respectivamente. A dívida total da Americanas é de cerca de R$ 47,9 bilhões.
⇨ Acompanhe as notícias de mais de 30 sites jornalísticos de graça! Inscreva-se no TradeMap!
O fantasma do crédito
A grande dúvida de investidores e analistas do setor é se o caso da Americanas será isolado ou se representa um sinal de que o mercado de crédito como um todo está pior, com maior risco de inadimplência por parte das empresas.
Alguns outros episódios recentes têm deixado o mercado com a pulga atrás da orelha, como o da Oi (OIBR3), que neste ano voltou a falar em uma nova recuperação judicial; a Light (LIGT3), que voltou ao noticiário em 2023 com mais problemas financeiros; e a Lojas Marisa (AMAR3), que nesta semana trocou de presidente e anunciou a intenção de renegociar cerca de R$ 600 milhões em dívidas.
No discurso, pelo menos por enquanto, os bancos têm dito que a Americanas parece um caso isolado, mas prometem que têm monitorado para ver como o cenário evolui.
O que agrava o problema é a Selic, taxa básica de juros, que está em 13,75% ao ano, no maior nível de 2017. O mercado acreditava que o BC (Banco Central) poderia começar a reduzir a taxa em 2023, mas, como as expectativas para a inflação estão piores e o risco fiscal não sai do radar, já se fala na possibilidade de a Selic terminar o ano como está.
“Quanto mais tempo o juro fica alto, pior para as empresas”, disse o CEO do Santander na coletiva de imprensa da semana passada. “Vai ter risco de deterioração se a Selic continuar alta”.