O redirecionamento de gastos por empresas durante a pandemia de coronavírus e as reformas realizadas nos últimos seis anos, como mudanças em regras previdenciárias e trabalhistas, podem ter voltado a elevar o potencial do Brasil de crescer sem gerar alta de preços.
Essa é a avaliação de parte dos economistas de grandes bancos e corretoras. Eles apontam alguns sinais desse movimento: a forte alta dos investimentos privados, em especial em tecnologia, a queda acentuada na taxa de desemprego e a atividade crescendo em um ritmo acima do esperado em 2022.
Já outros especialistas ponderam que a pandemia de Covid-19 pode ter bagunçado a dinâmica da economia de tal forma que é difícil saber ao certo se a capacidade de produção brasileira realmente está maior de forma estrutural, e apontam que essa folga não necessariamente se manterá daqui para a frente.
Leia mais:
PIB forte do 2º trimestre deixa mercado mais otimista com resultado da economia em 2022
O PIB potencial é um conceito bastante usado por economistas para avaliar cenários de taxas de juros, já que representa o quanto uma economia pode crescer sem gerar pressões inflacionárias. Ou seja, é o ritmo máximo de crescimento de uma economia sem produzir inflação.
Entre 2011 e 2020, o Brasil piorou nesse aspecto. No período, segundo cálculo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o país teve condições de crescer 1,4% ao ano, em média, de forma equilibrada, uma queda em relação aos 3,3% registrados na década anterior.
TI e construção puxam investimentos
Após três anos de pandemia, há alguns sinais de que o PIB potencial pode ter voltado a uma faixa em torno de 2% de expansão, ou até mais que isso.
Um deles é o investimento brasileiro. Desde 2011, a taxa de investimentos, que estava em cerca de 15% do PIB em 2019, subiu para um patamar acima de 18% a partir de 2021. No segundo trimestre deste ano, esse peso foi de 18,7%, de acordo com o dado mais recente divulgado pelo IBGE.
O crescimento foi estimulado principalmente pelo setor privado, com aumento dos investimentos de atividades ligadas à construção, informação e comunicação, com destaque para TI (tecnologia da informação).
Fabio Astrauskas, economista, professor do Insper e CEO da Siegen Consultoria, avalia que ao longo da pandemia muitas empresas acabaram elevando investimentos para funcionar de forma mais eficiente durante a crise.
“Ficamos um período prolongado em pandemia, e a matriz de produção se alterou, foi se acomodando em relação às novas tecnologias”, aponta o especialista. “O aumento do PIB potencial explicaria o crescimento vindo sempre renovado, para cima. Aparentemente temos um espaço para crescimento, uma capacidade ociosa que ainda não conseguimos preencher.”
O especialista do Insper não acredita que esse potencial maior de crescimento tenha necessariamente a ver com reformas, mas com o fato de as empresas terem aproveitado o período de paralisia durante a pandemia para realizar algumas melhorias.
Além disso, muitas foram forçadas a adaptar suas linhas de produção a um cenário de escassez de matéria-prima e insumos industriais.
“Acredito que mesmo durante a pandemia, quando houve retração da atividade, investimentos em manutenção e redução de custos foram feitos”, diz. “Imagina uma máquina que produz cem peças por hora. A empresa tem dificuldades com a pandemia, interrompe a produção durante um tempo, mexe, arruma e passa a produzir 105 peças. Não precisam ser grandes investimentos, às vezes são pequenas mudanças que permitem aumentar a produção.”
Desemprego em queda, PIB em alta
Outro sintoma de uma economia com maior potencial de crescimento, na visão de parte dos economistas, é a taxa de desemprego, que no final de 2019 estava em 11,1% e, neste ano, foi caindo até atingir 8,9% em agosto.
Além disso, a avaliação dos mais otimistas é que o próprio ritmo da atividade nos últimos meses também pode ser um sinal desse movimento. Se analistas ouvidos pelo Boletim Focus acreditavam, há apenas três meses, que o PIB cresceria 1,5% neste ano, a projeção atual já está em 2,7%, após dados de atividade mostrarem uma força maior do que o imaginado.
Leia também:
Queda na taxa de desemprego é sinal de juros altos por mais tempo – entenda
É claro que a volta sincronizada ao consumo no pós-pandemia, com o avanço da vacinação, pode explicar boa parte dessa surpresa. Mas alguns especialistas, como Marcelo Toledo, economista-chefe da Bradesco Asset Management, acreditam que pode haver algo mais aí.
Na avaliação dele sobre o tema realizada durante live na manhã da terça-feira (4), a partir de 2024 a economia tem condições de passar a avançar 2,5% ao ano.
“Em 2023 a economia vai desacelerar (no Focus, a projeção é de uma alta de 0,53% para o PIB do ano que vem). Mas depois disso, acredito que um patamar de crescimento de 2,5% não seja tão ambicioso”, afirmou, durante conversa com o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato.
Para ele, parte do motivo dessa mudança pode ser um ambiente de negócios melhor após as reformas feitas nos últimos seis anos, como a alteração nas regras da Previdência, a reforma trabalhista e a queda de juros proporcionada pelo teto de gastos entre 2016 e 2021.
Toledo ressalta que, apesar disso, a produtividade está em queda. “No cenário atual a produtividade deveria estar subindo, mas está caindo. Então é um debate preliminar, mas temos trabalhado com um PIB potencial de 2,5%.”
Cálculo preliminar da XP Investimentos avalia que o PIB potencial pode ter se elevado de uma faixa entre 1% a 1,5% para 1,5% a 2%. Na avaliação da corretora, o hiato do produto (que é a diferença entre o PIB potencial e o efetivo) ficou negativo em 1,3 ponto percentual no início deste ano (uma situação que estimula a inflação), mas que essa situação mudou ao longo do primeiro semestre.
Na avaliação da corretora, o hiato do produto (que é a diferença entre o PIB potencial e o efetivo) ficou negativo em 1,3 ponto percentual no início deste ano (uma situação que estimula a inflação), mas que essa situação mudou ao longo do primeiro semestre.
Até o final do ano, segundo a XP, o hiato deve voltar a ser positivo, mostrando alguma folga.
Honorato, economista-chefe do Bradesco, acredita que a melhoria no mercado de trabalho pode ter a ver com uma “troca” que vem sendo realizada por empresários: em vez da tomada de crédito para ampliar a produção em um momento de Selic elevada, entra a contratação de mão de obra a salários mais baixos.
“A produtividade do trabalho está caindo, mas o emprego vem crescendo. O custo unitário do trabalho (ou seja, o salário médio pago pela indústria em relação à produtividade da mão de obra) caiu. Acho que os empresários estão vendo a Selic alta e decidem contratar mão de obra (em vez de tomar crédito para ampliar a produção).”
Juros altos podem reverter tendência
Astrauskas, do Insper, acredita que essa tendência vai mudar a partir do ano que vem.
“Ainda que haja um PIB potencial a ser explorado, pode não ser atingido por conta de uma política monetária de juros bastante altos, que deve ser mais sentida em 2023”, aponta.
Saiba mais:
De “dovish” a “hiato do produto”: comece a falar a língua do Banco Central