Quando o assunto é política monetária, as palavras importam, e muito. Você já deve ter lido sobre economistas quebrando a cabeça para adivinhar o significado de uma simples mudança de termo na ata do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central, na busca de indicativos de preocupações maiores ou menores com a inflação, ou juros mais ou menos altos à frente.
Toda essa interpretação pode se refletir nas expectativas do mercado financeiro para taxas, preços, para a cotação do dólar e para o desempenho da atividade econômica. E essas sinalizações captadas pelos economistas são importantes por um motivo simples: elas dão previsibilidade para cidadãos, empresas e o sistema financeiro conseguirem se programar para o futuro, tomando decisões de consumo ou investimento.
“Quanto será cobrado pelo aluguel em sua renovação? Nos próximos meses, o preço dos alimentos cairá ou não? A mensalidade da escola particular será reajustada? O custo dos financiamentos irá diminuir ou aumentar? Para responder a essas dúvidas, é importante que a sociedade tenha conhecimento do que se espera na economia”, explica o Banco Central, em seu site.
É por isso que grandes agentes de mercado, como bancos, consultorias e corretoras, possuem áreas inteiras dedicadas à pesquisa macroeconômica, elaborando projeções para o futuro.
Essas estimativas do que vai acontecer com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o principal referencial de inflação do país), com os juros, o câmbio e o PIB (Produto Interno Bruto) chegam ao Banco Central por meio do Boletim Focus, uma pesquisa semanal com 140 instituições cadastradas.
As expectativas ajudam os diretores e o presidente do Banco Central a definirem, a cada 45 dias, a nova taxa de juros básica da economia, a Selic, que serve como referência para o custo das operações de empréstimo entre os bancos e, consequentemente, para o crédito a pessoas físicas e jurídicas.
Os encontros do Copom são divididos em dois dias, sempre às terças e quartas, e têm como objetivo definir os juros adequados para que o BC consiga entregar a inflação oficial (IPCA) na meta definida pelo CMN. O Conselho Monetário Nacional é um órgão formado por representantes do próprio BC, do Ministério da Fazenda e Secretaria Especial do Tesouro Nacional.
Para 2023, por exemplo, o objetivo é uma alta de preços de 3,25%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo (ou seja, ao mesmo tempo em que o colegiado quer conter a inflação, também não pode exagerar na dose dos juros, o que tem efeito negativo sobre a atividade econômica).
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A decisão sobre juros sempre é divulgada acompanhada de um comunicado após o fechamento do mercado, a partir das 18h30, no segundo dia de reuniões. Na terça-feira da semana seguinte, sai a ata do Copom, detalhando o cenário traçado pelo Banco Central.
Como o Copom se comunica
O comunicado, a ata do Copom e até discursos dos diretores e do presidente do BC, Roberto Campos Neto, podem parecer complicados de entender para aqueles que não estão familiarizados com os termos que costumam ser usados pelos membros do comitê.
A linguagem usada precisa ser formal, e não pode ser direta a ponto de o colegiado se “amarrar” a algum compromisso que não poderá ser cumprido no encontro seguinte – afinal de contas, as condições da economia brasileira e internacional mudam a todo momento.
Ao mesmo tempo, o comitê costuma sinalizar os próximos passos com base no cenário presente nos últimos parágrafos do comunicado. Na ata, essa sinalização costuma entrar no item D (Decisão de Política Monetária).
Confira a seguir os principais termos utilizados pelo BC nos documentos, e o que eles querem dizer:
- Horizonte relevante
É o período de tempo que o Banco Central está mirando ao aumentar, elevar ou manter a Selic. Atualmente, o horizonte relevante já é 2023, ano para o qual a meta de inflação é de 3,25%.
Para entender esse conceito, é importante saber que o aumento ou a queda na taxa básica de juros leva meses tempo até chegar totalmente na ponta, a consumidores e empresas. É o que se chama de defasagem da política monetária.
O diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, afirmou nesta quinta-feira (24) que essa demora leva até cinco trimestres, ou seja, pouco mais de um ano.
- Cenário de referência
O Banco Central sempre menciona em seus comunicados e na ata o chamado cenário de referência, que é a estimativa para juros, inflação e câmbio que o Copom mais analisa na hora de tomar suas decisões.
Esse cenário é formado pelas expectativas para a taxa básica de juros, a Selic, que constam da pesquisa Focus para o horizonte relevante, que hoje é 2023. No caso do câmbio, o BC adota projeções para a paridade de poder de compra, que mostra o quanto a moeda brasileira compra de produtos e serviços em outros países.
- Balanço de riscos
Para tomar a melhor decisão de política monetária, o Banco Central possui modelos matemáticos para quantificar os riscos para a inflação, tanto na economista doméstica como na internacional.
Nessa conta, costumam entrar informações como a cotação projetada para commodities, a política de juros nas principais economias do mundo, o comportamento da atividade econômica no Brasil e no mundo e a taxa de câmbio, entre outros fatores.
O risco fiscal, que é a chance de aprovação de medidas que façam o país gastar além do adequado para financiar a dívida pública, também sempre é considerado pelo BC.
- Forward guidance
É um instrumento de política monetária usado pelos bancos centrais do mundo para influenciar as projeções do mercado ao indicar o que pretende fazer no futuro.
Um exemplo desse mecanismo aconteceu em agosto de 2020, quando em meio à pandemia de coronavírus o Banco Central sinalizou que manteria os juros baixos caso as expectativas de inflação não subissem excessivamente.
Nesse caso, o foward guidance não deu certo, já que a pandemia desorganizou as cadeias de fornecimento de produtos globais e as projeções para o aumento de preços dispararam, obrigando o BC a subir os juros.
- Hiato do produto
O hiato do produto é a diferença da soma de todos os bens e serviços de uma economia, no momento atual, e a estimativa do quanto o país teria potencial de produzir.
Dessa forma, se o PIB (Produto Interno Bruto) está acima do seu potencial, o hiato é positivo. Nesse contexto, a tendência é de aumento de inflação e menos desemprego.
Por outro lado, se o hiato for negativo, significa dizer que o PIB está abaixo do seu potencial, cenário que tende a reduzir pressões inflacionárias e aumentar o desemprego.
- Taxa neutra, contracionista e expansionista
A taxa de juros neutra é aquela que não acelera nem desacelera a inflação, ao mesmo tempo em que mantém o hiato do produto descrito acima zerado (ou seja, sem estimular nem desestimular o mercado de trabalho).
Essa taxa é calculada para que o BC avalie os melhores passos para a política monetária, e nesta quinta (23) foi elevada de 3,5% para 4%. Atualmente, os juros estão em 13,25% ao ano, ou seja, muito acima da taxa neutra.
Em suas atas, o BC vem indicando que, em meio à disparada da inflação, o momento pede uma taxa significativamente contracionista (ou seja, juros tão altos que reduzam o poder de compra das famílias e empresas a ponto de desacelerar a inflação).
O oposto seria uma taxa de juros tão baixa que seria expansionista, estimulando a atividade e pressionando os preços para cima.
- Ancoragem de expectativas e convergência
Como explicado no início do texto, o Banco Central depende das expectativas de analistas e economistas para juros, inflação, atividade e câmbio (colhidas no Boletim Focus) para definir quais decisões de política monetária irá tomar.
A ancoragem de expectativas é quando, por meio de decisões de juros ou indicações feitas nos comunicados, o Copom consegue trazer as projeções para a meta definida pelo CMN para o período.
Para 2023, por exemplo, os economistas ouvidos pelo Focus já esperam um IPCA de 4,70%. Como a meta de inflação para o ano que vem é de 3,25%, com um teto de 4,75%, é possível dizer que as expectativas estão cada vez mais desancoradas, ou seja, fora do objetivo do BC.
Da mesma forma, o BC fala em convergência para a meta, que é quando a inflação reage à política monetária e começa a se aproximar do objetivo.
- Dovish e hawkish
Esses não são termos usados na comunicação do BC, mas são apelidos que o mercado financeiro deu para classificar os comunicados ou discursos das autoridades monetárias do mundo todo.
Eles têm origem em duas aves. Hawkish, ou falcão, é o termo usado para representar posturas mais agressivas contra a inflação, indicando altas maiores de juros. Dovish, ou pomba, é quando os bancos centrais parecem menos preocupados com a alta de preços, indicando juros menores.