Com o fim da temporada de balanços dos grandes bancos brasileiros, o mercado avalia como os números das instituições financeiras refletem a economia. Um dos principais desdobramentos diz respeito ao crédito imobiliário.
O financiamento ao consumo de pessoas físicas e, em menor medida, liberação de recursos com esta finalidade para pessoas jurídicas, é um dos grandes motores da atividade econômica. Quanto maior o crédito imobiliário, mais aquecido é um dos segmentos que mais gera empregos no Brasil.
Segundo uma estimativa da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), o PIB da construção civil cresceu cerca de 6% no ano passado, após expansão de 9,7% em 2021.
O desempenho é um alento à indústria, que recuou mais de 20% entre 2014 e 2020, acometida pela maior recessão econômica da história do país, pela aceleração do desemprego e pela guinada da taxa de juros na década passada.
Hoje, mesmo com os juros de volta aos dois dígitos, espera-se que o PIB da construção civil volte a apresentar um resultado positivo neste ano, a despeito da baixa originação de crédito no ano passado – que deve ser carregada a 2023.
Segundo um levantamento do UBS BB, divulgado no início deste mês, a originação de crédito imobiliário somou R$ 180 bilhões em 2022, baixa de 13% em comparação ao ano anterior.
A queda é explicada sobretudo pelo aumento das taxas de juros, deixando o crédito mais custoso, e pelo apetite por crédito abalado por parte dos grandes bancos privados no Brasil.
Segundo o UBS BB, a Caixa elevou em 10% a concessão de crédito entre 2021 e 2022, enquanto o montante atribuído a Itaú, Santander e Bradesco caiu 35% no período.
Consequentemente, os players privados perderam participação de mercado, com a Caixa agora abocanhando 51% de market share. O que levou os grandes bancos a desacelerar essa modalidade de empréstimos?
Inadimplência reduz apetite por risco
Mesmo sendo um produto com garantia – afinal de contas o imóvel é usado como colateral -, os bancões brasileiros perderam o apetite pela concessão de crédito imobiliário no final do ano passado.
Na carteira de crédito total do Itaú (ITUB4), a fatia dos empréstimos imobiliários representa 9,2%, somando R$ 106 bilhões. No quarto trimestre de 2021, a participação era de 8,3%.
Mesmo que na comparação ano contra ano a fatia tenha ganhado representatividade, a desaceleração nos meses finais de 2022, demonstrando o pé no freio da instituição, é clara.
A carteira de crédito imobiliário do banco apresentou crescimento de 5,2% no quarto trimestre em relação ao terceiro, taxa menor que a reportada nos trimestres anteriores.
A desaceleração ocorreu, segundo o banco, em função do aumento da taxa básica de juros. Com isso, as contratações caíram 9,1% em comparação ao quarto trimestre de 2021, atingindo R$ 12,3 bilhões.
Isto é, com o preço do dinheiro mais alto, há duas consequências imediatas: demanda reduzida por este tipo de produto com base na pouca renda disponível e a menor disposição dos bancos em emprestar, já que o risco de calote é maior.
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O interesse reduzido do Itaú pelo crédito imobiliário ocorre a despeito de o loan-to-value (relação entre o valor do financiamento e a garantia subjacente) ter atingido 47,2%.
O índice significa que o banco financia menos da metade do valor garantido pelo imóvel – o que é positivo e em tese daria espaço para maior concessão de recursos, mas não foi o que aconteceu.
No caso do Bradesco (BBDC4), o crédito imobiliário no mix de produtos para pessoas físicas perdeu representatividade, saindo de 24,2% para 23,5% no que se refere à carteira de crédito expandida.
Na variação trimestral, entre o terceiro e o quarto trimestre de 2022, o crescimento desta linha de crédito foi de apenas 2,3%, indicando uma forte desaceleração no segundo semestre.
Essa dinâmica coloca o banco em um dilema para os próximos trimestres. De acordo com dados do Banco Central, o Bradesco é a instituição financeira de grande porte que pratica a taxa de juros mais agressiva na concessão de crédito imobiliário, a 7,8% ao ano, até dezembro do ano passado. Essa taxa é um ponto percentual abaixo de qualquer outra taxa dentre os pares.
O comportamento de procurar atingir a maior fatia de sua clientela – baixa, média-baixa e média renda – com uma taxa de juros convidativa está em desencontro com a estratégia que o banco buscará nos próximos meses, que é pela maior rentabilidade com a alta renda.
Os próximos balanços do Bradesco, em função disso, podem ser voláteis até que a operação se ajuste. Isso porque o crescimento do crédito está 40% calcado nas pessoas físicas, enquanto a prestação de serviços para os endinheirados é altamente concorrida, com Itaú, Safra e BTG Pactual.
Menos crédito imobiliário e mais outras garantias
Com menores valores absolutos, o Santander (SANB11) apresentou um crescimento ainda mais tímido no quarto trimestre do ano passado. A medida ajudou o banco a controlar sua inadimplência ligada às pessoas físicas, mas manteve praticamente imóvel seu crédito imobiliário.
Na relação trimestral, o portfólio de empréstimos para este fim cresceu 1,5%. Em 12 meses, a alta foi de apenas 6,2%, chegando a R$ 56,26 bilhões.
Em uma tacada acertada, o banco espanhol tem preferido alocar mais recursos em crédito consignado e crédito pessoal, que avançaram 11,9% e 11,6% em 12 meses, respectivamente.
Por mais que o crédito imobiliário seja uma dívida com certa garantia, os bancos têm preferido não acelerar a relação de longuíssimo prazo com os clientes num momento de contração monetária.
Até no caso do Banco do Brasil (BBAS3), que não é citado pelo UBS, a carteira de financiamento imobiliário encerrou dezembro de 2022 em R$ 46,2 bilhões (-0,2% em 12 meses). O loan-to-value ficou em 61,7%, mais arriscado do que no caso do Itaú, por exemplo.
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Embora aparentemente a taxa Selic já tenha atingido seu teto neste ciclo, a perspectiva de corte da taxa de juros pelo BC se tornou mais distante nos últimos meses, o que deve colocar um alerta no crédito imobiliário dos maiores emprestadores do mercado.
Com isso, espera-se que boa parte do crescimento do setor neste ano seja pautado pelo investimento governamental com taxas de juros subsidiadas – inclusive por meio da Caixa Econômica.
Ainda assim, nesse sentido, o mercado aguarda a retomada das obras em 130,5 mil moradias que estão paralisadas ou atrasadas do Minha Casa, Minha Vida, o que atrapalha novas investidas. Por isso, o crédito imobiliário em 2023 pode ter mais um ano de desafios.