Apesar da alta da taxa básica de juros nos Estados Unidos e da sinalização do banco central americano de pelo menos mais sete elevações neste ano, o fluxo de investimentos estrangeiros para o Brasil deve continuar desde que não haja um cenário de recessão global, afirma Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e estrategista-chefe da Wealth High Governance (WHG).
A autoridade monetária americana elevou nesta quarta-feira a taxa básica de juros em 0,25 ponto, a primeira alta desde 2018. Oito integrantes do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) votaram a favor da elevação, com apenas uma dissidência, a de James Bullard, do Fed de St. Louis, que votou por uma alta de 0,5 ponto percentual.
A maioria dos membros do Fomc vê pelo menos sete altas das taxa básica de juros neste ano, para 1,9% no fim 2022, e mais três em 2023, prevendo uma inflação mais elevada de 4,1% para este ano, ante 2,1% da previsão anterior, em função do choques inflacionários com a guerra na Ucrânia.
Apesar das sinalização mais ‘hawkish’ do banco central americano, as bolsas americanas e brasileira subiram e o dólar fechou em queda frente às principais moedas diante da expectativa de um acordo de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia.
O dólar comercial encerrou em queda de 1,28% a R$ 5,0925 , enquanto o Ibovespa avançou 1,98% para 111.112 pontos.
Para Volpon, havia prêmio de risco elevado na curva de juros, com os investidores esperando que o Fed poderia ser mais ‘hawkish‘ , em razão da aceleração da inflação. Agora, com a autoridade monetária apresentando o plano de voo, esses prêmios diminuíram.
Segundo o CME Group, dados do Fed Funds apontam a chance de 67,4% para que, em dezembro, as altas de juros atinjam a faixa de 2%-2,25% ou mais, acima do 1,9% apontado pela maioria dos membros do Fomc.
Apesar da projeção da mediana para a taxa de juros nos EUA ter subido de 1,6% para 2,8% no fim de 2023, acima da taxa neutra de juros, Volpon acredita que a autoridade monetária não vai seguir seu plano de voo, dado o risco de recessão para a economia.
“Guerras são eventos que diminuem o crescimento, que deve ter efeito mais forte na Europa, mas isso chega em um momento que o Fed está mais hawkish quando os fundamentos estão indo na direção contrária. Tenho dúvidas se vão entregar tudo isso [de alta de juros] , especialmente se a taxa desemprego começar a subir”, diz Volpon, lembrando que a previsão do Fed para a taxa de desemprego permaneceu inalterada em 3,5%.
“O Fed tem um plano tão irrealista quanto o anterior, em que acreditava que a inflação ia cair sem fazer nada”, diz Volpon.
O banco central americano reduziu a previsão de crescimento de 4% para 2,8% em 2022.
Risco de estagflação aumentou
Na visão de Volpon, o risco de estagflação (inflação alta com recessão) da economia americana aumentou, mas ainda não é o cenário base. “Há seis meses esse risco era zero, agora os modelos apontam para um risco de recessão no curto prazo ao redor de 20% a 25%, mas isso não é meu cenário ainda, porque ainda vejo a economia americana extremamente forte”, diz Volpon.
Segundo Volpon, o risco de a Europa entrar em recessão é maior com a guerra na Ucrânia, e a China tem chance de ter um impacto no crescimento com a nova onda da Covid-19.
Cenário é favorável para fluxo de recursos para o Brasil
Apesar da sinalização do presidente do Fed, Jerome Powell, de que a autoridade monetária americana pode iniciar a redução do balanço de ativos, que hoje está ao redor de US$ 9 trilhões, já na reunião de maio, Volpon vê pouco impacto dessa medida no curto prazo para o fluxo para mercados emergentes.
O tamanho do impacto, contudo, vai depender de como se dará essa redução. “Se tiver um aumento dos juros na parte longa da curva, isso pode levar os investidores a comprarem mais títulos do Tesouro americano. Por outro lado, o sistema está extremamente líquido, e se esse processo for gradual e o Fed apenas deixar os títulos vencerem como fez em 2018, o sistema vai continuar líquido por muito tempo”, diz.
O mercado, segundo Volpon, espera que a autoridade monetária anuncie seu plano para a redução do balanço de ativos em maio e comece a implementá-lo em junho.
Nesse cenário, a migração dos investimentos de ações de crescimento para papéis de empresas de valor (que estão com valuation mais barato, como as de commodities), que tem beneficiado o Brasil, deve continuar. “Acho que esse processo ainda não se encerrou, mas ele só funciona enquanto não tivermos uma recessão em curso”, diz Volpon.
Para Volpon, a Bolsa brasileira ainda está barata para os estrangeiros, mesmo com a valorização do real frente ao dólar, negociando com valuation abaixo da média histórica.
O estrategista-chefe da WHG também vê um cenário ainda positivo para commodities, principalmente petróleo, cujo preços devem permanecer em patamar elevado em função do problema estrutural de oferta e demanda, com a redução dos investimentos em aumento de produção. “Tudo isso funciona se tem economia global em crescimento, se entramos em um cenário recessivo, a demanda por commodity vai cair e os preços despencam”, diz.
Eventual calote da Rússia não parece ser novo ‘Lehman Brothers”
Para o ex-diretor do BC, um eventual calote no pagamento de juros da dívida externa da Rússia, cujo vencimento de US$ 117 milhões em juros é devido nesta quarta-feira (16), não parece ser um novo evento “Lehman Brothers”, em referência à quebra do banco americano, com a crise do subprime nos EUA, que gerou uma crise financeira em 2007 e 2008. “É uma situação a ser monitorada, mas, em uma primeira aproximação, não parece causar dano ao sistema financeiro”, diz.
Segundo Volpon, a Rússia faz parte do grupo de emergentes chamado de Emea (Europa, Oriente Médio e África) e, em um primeiro momento, a migração de investimentos que eram destinados ao mercado russo pode beneficiar os países dessas regiões. “Mas pode sobrar um dinheiro que vem para o Brasil”, diz.