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Investidor estrangeiro não dará benefício da dúvida e quer postura pragmática de Lula, diz Ashmore

Governo precisa dar sinalização de uma política fiscal de médio prazo que seja compatível com queda da dívida/PIB, diz gestora que administra US$ 56 bilhões

Foto: Shutterstock/Pincasso

Com uma Bolsa barata, estabilidade geopolítica e um cenário ainda positivo para commodities, o Brasil tem grande potencial para liderar o fluxo de capital para mercados emergentes quando o Fed, o banco central americano, começar a cortar a taxa de juros, afirma Gustavo Medeiros, chefe de pesquisa global da gestora inglesa Ashmore.

Para isso, o próximo governo do PT terá que fazer sua lição de casa e sinalizar uma política de responsabilidade fiscal, que aponte para uma trajetória de queda da dívida pública em relação ao PIB e que seja conduzida por uma equipe econômica com credibilidade, diz Medeiros. A Ashmore tem US$ 56 bilhões de ativos sob gestão e é uma das grandes investidoras em mercados emergentes.

Veja a seguir os principais trechos de entrevista de Medeiros, que fica baseado em Londres, concedida à Agência TradeMap na manhã desta quinta-feira (10).

Após a eleição, qual a principal preocupação do mercado em relação ao governo Lula?

O mais importante é uma sinalização de uma política fiscal de médio prazo que seja compatível com um superávit primário, que possibilitaria reduzir a [relação] dívida/PIB. Para 2023, não tem muito o que fazer e será muito ruim do ponto de vista fiscal, porque as políticas sociais que Bolsonaro colocou são muito expansionistas e vai ser difícil Lula revertê-las.

Acho que o teto de gastos [medida que limita a alta das despesas do governo à inflação] atingiu os objetivos de forçar o Bolsonaro a fazer uma reforma da Previdência, e uma política favorável seria colocar agora uma nova meta, que forçaria o governo Lula a fazer uma reforma tributária e outras que levariam à diminuição do tamanho do governo e da dívida/PIB no médio prazo.

E para isso, o mais importante é a credibilidade do ministro da Fazenda. Os números de 2023 especificamente, se serão com um “waiver” de R$ 50 bilhões ou R$ 150 bilhões, são menos problemáticos do que a sinalização de como esse problema fiscal vai ser ajustado de 2024 em diante.

Qual a principal preocupação em relação à equipe econômica de Lula?

Acho que um ministro pragmático com uma equipe econômica liderada pelo pessoal do Persio Arida, do André Lara Resende [pais do Plano Real e que fazem parte da equipe de transição de governo], e não pelo Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda de Dilma], seria positivo.

A preocupação é se você tem alguém com perfil político e uma ideologia muito mais parecida com a extrema esquerda do PT e assessorado por alguém da turma do Guilherme Mello [professor da Unicamp e parte da equipe de transição] e do Nelson Barbosa, ou o Fernando Haddad [ex-prefeito de São Paulo], que tende a trazer mais uma turma ligada ao PT que não performou bem durante a gestão da Dilma, ao levar a um excesso de dívida/PIB.

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A Inglaterra mostrou que o cenário fiscal é importante, e para países que buscam fazer estímulos fiscais e têm dívida/PIB alta, o mercado não vai dar o benefício da dúvida. O Lula entende essa situação e acho que ele não vai trocar os pés pelas mãos e começar o governo em crise.

Se olharmos o número de Congressistas que o PT elegeu, ele tem uma base mais fraca do que a Dilma no segundo mandato. O político pragmático, entendendo essa situação, vai tomar a decisão certa de colocar um cara mais ortodoxo e começar o governo com uma política mais ortodoxa.

A Bolsa brasileira está com múltiplo abaixo da média histórica e é uma das mais baratas do mundo. O que falta para o fluxo de investimentos externos aumentar?

O investidor estrangeiro, na média, já está um pouco overweight, com uma posição em Brasil acima da participação nos índices. O grande aumento de fluxo de capital no país virá nos próximos anos, à medida que o dólar começar a se desvalorizar em relação a outras moedas e os investidores estrangeiros começarem sair de ativos em dólar para ativos em outras geografias.

Quando você tem um alinhamento do dólar se depreciando e o Brasil com fundamentos melhores e com uma situação geopolítica mais estável, pode ser um grande momento de aumento de fluxo de capital para o Brasil. Mas a gente precisa passar o último obstáculo, que é parte fiscal e ver como vai ser o time econômico do Lula – se vai ter uma postura tão pragmática como demonstrou no primeiro mandato ou se vai ser mais parecido com a do governo Dilma.

Quando que esse momento de reversão do dólar forte e a volta do fluxo para mercados emergentes vai acontecer?

O mais importante para o dólar se depreciar é a taxa de juros nos EUA começar a cair novamente. A sinalização da redução do aperto de juros nos EUA deve vir com a inflação em uma tendência de queda. Ano que vem será difícil não vermos uma recessão nos EUA, dado o aumento de juros que já aconteceu . E essa recessão vai ser o principal catalisador da mudança da política monetária pelo Fed de cortar a taxa de juros.

E o segundo fator é que os EUA são o único país exportador de alimento e energia entre as grandes potências [Europa, Japão e China]. E como os preços de alimentos e energia subiram com a guerra na Ucrânia, isso favoreceu a balança comercial dos EUA e ajudou a fortalecer o dólar. Mas vai ser difícil esse vetor permanecer nessa direção.

Houve uma migração neste ano de recursos de ações de empresas de crescimento para empresas de valor, como do setor de commodities, o que beneficiou o Brasil. Esse movimento tende a continuar?

Pessoalmente, acho que não mudou. O setor de commodities ainda está muito barato quando olhamos para os múltiplos e ainda tem muito potencial, tanto em energia como em materiais básicos [como industriais] .

No curto prazo, dado o cenário de que a economia mundial está indo para uma recessão, o investidor deveria evitar os setores de metais industriais, como cobre e minério de ferro, porque sofrem mais, mas, a médio e longo prazo, eles devem se beneficiar da transição energética [de fontes poluentes para a energia limpa]. E, obviamente, isso deve favorecer o Brasil.

Para o Brasil especificamente, tem a questão de como o Lula vai tratar as empresas estatais como Petrobras (PETR4), que é um grande player nesse setor. E a política social mais forte de Lula tende a beneficiar os setores de varejo e outras indústrias

Como a política econômica da China pode afetar o Brasil?

Nosso cenário-base é que a China vai sair dessa política de zero casos de Covid-19 ao longo de 2023. São dois fatores que explicam isso: o primeiro indica que a China vai conseguir desenvolver vacinas locais que vão ser mais efetivas contra as novas variantes. E o segundo, que a população chinesa não aguenta mais essa política restritiva de lockdowns e a liderança estava esperando a 20ª Conferência do Partido Comunista antes de mudar essa política.

Então achamos que, até o fim do segundo trimestre de 2023, vamos ter uma política mais clara de que a economia chinesa está reabrindo e o mercado de commodities deve se beneficiar, favorecendo os parceiros comerciais da China, incluindo o Brasil.

A visão mais favorável de Lula para a questão de sustentabilidade pode atrair recursos para o Brasil?

O mundo inteiro está tentando fazer uma transição da matriz energética de combustíveis fósseis para energia renovável. O Brasil já tem uma matriz energética na maior parte de fontes renováveis e com grande potencial para energia solar e eólica. E na questão do desmatamento, com o Lula, há expectativa de reforço das agências de fiscalização ambiental com maiores incentivos para preservação  ambiental.

O Brasil tem tudo para atrair os investidores que estão querendo investir em países com políticas ambientais positivas e em energia renovável.

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