Após uma vitória apertada, e enquanto mantém em segredo o nome do próximo ministro da Fazenda, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva negocia recursos para o seu plano de governo, com o objetivo de manter promessas de campanha como a manutenção dos R$ 600 de Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, aumento real do salário mínimo e investimentos em infraestrutura.
As despesas acima do teto de gastos podem ficar entre R$ 100 bilhões e R$ 250 bilhões em 2023, dependendo da velocidade com que o novo governo decida implementar as medidas e também das negociações com o Congresso.
O teto de gastos é um mecanismo que limita o crescimento das despesas públicas à inflação.
O mais provável é que essas despesas extra-teto sejam negociadas por meio da aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) ainda neste ano, e há uma chance menor de os gastos fora do teto serem introduzidos via MP (Medida Provisória) no início do ano que vem.
A primeira alternativa é considerada de longe a mais provável, até pelas dificuldades jurídicas que uma MP enfrentaria a despeito de um eventual respaldo do TCU (Tribunal de Contas da União) – o tribunal afirmou que daria aval a uma decisão nesse sentido.
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No final de semana, o Estado de S. Paulo informou que Lula convidou André Lara Resende e Persio Arida, pais do Plano Real, para compor a equipe de transição. Apesar de essa ser uma boa notícia do ponto de vista do mercado, foi ofuscada pela informação de que Lula está sendo pressionado dentro do PT a escolher o ex-prefeito Fernando Haddad para o ministério da Fazenda, nome que desagrada os investidores.
Waiver é essencial para plano de governo de Lula
Após alguns dias de descanso na Bahia, Lula avalia nesta segunda (7) o texto da PEC da Transição, que será apresentado ao Congresso nos próximos dias. O presidente eleito se reúne amanhã com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e também com a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber
O plano de governo do petista a partir de 2023 depende dessas conversas, já que a ideia é que o texto preveja uma espécie de waiver (licença para gastar) fora do teto para despesas que não estão previstas no Orçamento de 2023.
Entre esses pontos, estão a manutenção dos R$ 600 do Auxílio Brasil e recursos para programas que sofreram uma forte tesourada na proposta enviada pelo atual governo, como o Farmácia Popular e a merenda escolar.
Apesar do valor maior para o benefício ter sido uma bandeira da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), o Orçamento do ano que vem não prevê o valor ampliado para o benefício social, que custaria R$ 52 bilhões a mais em 2023, segundo estimativa da XP Investimentos.
As despesas com a concessão de R$ 150 adicionais para famílias com crianças menores de seis anos, bandeira de Lula durante a campanha, representariam R$ 16,2 bilhões adicionais, enquanto que a elevação do salário mínimo acima da inflação teria um custo de cerca de R$ 10 bilhões.
Outro ponto essencial para o plano de governo de Lula são os investimentos em infraestrutura. A XP avalia que investimentos em um eventual PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) poderiam custar cerca de R$ 50 bilhões (gasto médio dos anos em que o programa foi implementado).
A correção da tabela do Imposto de Renda com isenção para a faixa de até R$ 5 mil, que também foi bandeira dos dois candidatos durante a campanha, custaria outros R$ 122 bilhões.
Tudo isso representaria despesas R$ 250 bilhões maiores no ano que vem.
Na avaliação da XP, contudo, o mais provável é um waiver menor, de R$ 140 bilhões, com a priorização dos pontos considerados mais essenciais pelo plano de governo de Lula e a implementação de outras medidas ao longo do mandato.
“Seja pela necessidade de alterações legislativas, pelo elevado impacto de algumas propostas ou pela dificuldade inerente à execução orçamentária de investimentos, acreditamos que os efeitos, em um primeiro momento, devem ser menores que os apontados”, avaliou a corretora em relatório.
Para a equipe comandada pela economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi, as despesas fora do teto de gastos somarão no mínimo R$ 100 bilhões no ano que vem.
“Os mercados financeiros agora aguardam os sinais do próximo governo, principalmente no que se refere aos nomes envolvidos e a direção da política econômica. As equipes de transição de ambos os lados ainda estão se formando, com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin liderando a transição pelo lado da nova administração”, lembrou o banco em relatório.
E por que isso importa?
Quando o risco de descontrole das contas públicas de um país se eleva, investidores passam a pedir taxas de juros maiores lá na frente para comprar seus títulos públicos – ou, de forma mais simples, para emprestar dinheiro ao governo.
Isso tende a reduzir o valor das ações de empresas negociadas em Bolsa e a desvalorizar o real.
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Por isso, economistas alertam que o novo governo precisará desenhar uma nova âncora fiscal, com o objetivo de substituir o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação, para dar previsibilidade às despesas.
O mecanismo, em vigor desde 2016, foi driblado no atual governo através da aprovação de emendas à Constituição pelo Congresso, que autorizou a ampliação do Auxílio Brasil, entre outros benefícios.