A exposição de investidores pessoas físicas a títulos de dívida (debêntures) da Light (LIGT3) é maior que no caso da Americanas (AMER3). A Light tinha, em setembro, R$ 7,8 bilhões em debêntures. Desse total, cerca de R$ 4 bilhões devem estar com investidores pessoas físicas, estima uma fonte com conhecimento do assunto.
No caso da Americanas, da soma de R$ 4,99 bilhões de dívida referente a emissões de debêntures, cerca de R$ 4 bilhões estão com fundos de investimento e o restante, com investidores pessoa física e bancos.
A Light emitiu, desde 2017, R$ 3,4 bilhões de debêntures incentivadas, que oferecem isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos para investidores pessoas físicas.
Papéis negociados com desconto
Desde a contratação da assessoria financeira da Laplace, que trabalhou na recuperação judicial da Oi, para reestruturar a dívida da companhia, as debêntures da Light vêm sendo negociadas com desconto no mercado secundário, que, nesta segunda-feira (13), variava de 38% a 47% em relação ao valor de face.
O papel com o maior desconto era o da 22ª emissão, de debêntures incentivadas, com vencimento em abril de 2031, que está sendo negociado a 53% do valor de face, de acordo com a Anbima (Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
Alguns fundos já haviam vendido as debêntures da Light. “Vendemos o papel quando o CEO da empresa Raimundo Nonato de Castro deixou a companhia [em junho de 2022] e veio um presidente [Octavio Pereira Lopes] conhecido pela reestruturação financeira de empresas de energia”, diz um gestor de fundo de crédito.
Vencimentos
Do total da dívida consolidada de R$ 13 bilhões da Light, R$ 2,4 bilhões vencem no curto prazo. Entre esses investimentos está uma emissão de debêntures que vence em maio de 2023 e que somava, em fevereiro, um valor de mercado de R$ 262,980 milhões.
A empresa ainda tem um pagamento de juros a ser feito em 18 de junho, referente aos eurobônus com vencimento em 2026, que totalizavam R$ 3,523 bilhões (US$ 600 milhões).
O risco é a geração menor de caixa levar a Light a descumprir alguns covenants (limites de alavancagem financeira presentes em algumas emissões de dívida da empresa). Em setembro do ano passado, a companhia tinha uma relação entre dívida líquida e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) para fins de covenant de 3 vezes.
Com um caixa de apenas R$ 4 bilhões e expectativa de fluxo de caixa negativo, a agência de classificação de risco Fitch Ratings, esperava que a Light levantasse até R$ 1,8 bilhão em 2023, por meio da securitização de recebíveis, para atender às necessidades de financiamento de curto prazo, o que se tornou mais difícil no ambiente de crédito restritivo e após a contratação da Laplace para reestruturar os passivos.
Renegociação da concessão
A Light informou à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) , em 10 de fevereiro, que diante de uma situação financeira delicada, agravada por furtos de energia e aumento na inadimplência dos clientes, a empresa tem apresentado geração de caixa insuficiente para tocar a concessão até 2026.
Segundo a Fitch, na ausência de financiamento adicional, a empresa precisará de alguma combinação de venda de ativos, uma oferta subsequente de ações ou mais clareza sobre a renovação da concessão da distribuidora de energia Light Sesa, principal subsidiária da empresa, cuja concessão expira em junho de 2026.
O prazo para a empresa se manifestar sobre a renovação ou não o contrato de concessão por mais 30 anos termina em maio.
Em caso de não renovação da concessão da Light Sesa, a empresa deveria receber uma indenização por dívidas não amortizadas igual à sua base de ativos, atualmente avaliada em R$ 10,1 bilhões, aponta a Fitch.
No entanto, o pagamento dessa indenização não costuma ser imediato e pode levar anos para a empresa receber, afirma o gestor de fundos de crédito. “A Cesp [hoje Auren AURE3) demorou dez anos para receber a indenização pela não renovação da concessão da usina hidrelétrica Três Irmãos e o valor [de R$ 1,7 bilhão] será pago em diversas parcelas”, diz.
Em 8 de fevereiro, a Light negou os rumores de que a empresa planejava pedir recuperação judicial, após a contratação da assessoria financeira da Laplace.
Pela legislação (artigo 18 da Lei 12.767, de 2012), as concessionários de energia não podem pedir recuperação judicial ou extrajudicial, mas a holding da empresa poderia. Neste caso, provavelmente a Light perderia a concessão, diz a primeira fonte.
Americanas pode ter acelerado dificuldade financeira da Light
O pedido de recuperação judicial da Americanas pode ter acelerado a dificuldade financeira da Light, afirma primeira fonte com conhecimento do assunto.
Isso porque, um dos três principais acionistas da Americanas, Carlos Alberto Sicupira, detém cerca de 10% do capital da Light.
“Os bancos devem estar travando o financiamento para a Light como uma forma de forçar Sicupira a fazer uma injeção de capital maior na Americanas”, afirma a fonte.
A Americanas conseguiu a aprovação da Justiça para uma injeção de capital de até R$ 2 bilhões por meio de uma operação chamada “financiamento DIP (debtor-in-possession, na sigla em inglês), que será feita a partir da emissão de debêntures.
Os acionistas de referência da companhia – Carlos Alberto Sicupira, Jorge Lemann e Marcel Telles – se comprometeram a comprar até R$ 1 bilhão desses papéis e tentar captar o restante com outros credores.
“Acho muito pouco provável que os bancos ou os debenturistas queiram colocar mais dinheiro na empresa”, analisa a primeira fonte.
Assembleia de debenturistas
Nesta segunda, os acionistas da 5ª e 16ª emissões de debêntures da Americanas, se reuniram em assembleia e decidiram pela contratação do Felsberg Advogados para representá-los na negociação com a companhia.
Gestores representando cerca de R$ 2 bilhões em debêntures da Americanas contrataram o escritório E. Munhoz Advogados para representá-los nas negociações com a empresa e avaliam agora a contratação de uma assessor financeiro, informa a primeira fonte.
Com o pedido de recuperação judicial da Americanas, no dia 19 de janeiro, houve o vencimento antecipado automático das debêntures emitidas pela empresa.