Apesar de negociarem com múltiplos ainda descontados na Bolsa mesmo após as fortes altas registradas neste ano, as ações de empresas estatais – principalmente as que têm o governo federal como controlador, como Petrobras (PETR3) e Banco do Brasil (BBAS3) –, podem sofrer correções para baixo dependendo do resultado das eleições. Por isso, analistas e gestores têm reduzido ou zerado as posições nessas empresas até haver maior clareza sobre a política econômica do próximo governo.
O desempenho das estatais pode variar dependendo do resultado eleitoral. O mercado vê potencial de alta para as ações da Petrobras e Banco do Brasil em um cenário de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). Nele, seria mais provável a manutenção da política menos intervencionista nessas companhias e a continuidade das vendas de ativos.
Já em possível vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os analistas veem chance maior de uma queda desses papéis, diante do risco do uso dessas empresas para a implementação de políticas públicas, como ocorreu nos governos do PT no passado, e também pela posição contrária desse governo à privatização de ativos.
“Achamos que tem risco para as ações de estatais caso o Lula vença a eleição e elas deveriam ser evitadas”, diz Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
Nesse cenário binário, a Guide Investimentos aponta que a forte performance das ações estatais nos últimos meses indica pouco potencial de alta em caso de um cenário positivo pós-eleições, mas bastante espaço para quedas em ambiente mais negativo após a votação.
Em relatório, a corretora afirma que faz mais sentido esperar um momento melhor para aumentar posições em empresas estatais. “Já antecipando este risco, deixamos Banco do Brasil (BBAS3) de fora de nossa Carteira Valor em setembro, apesar de ver o banco estatal como tendo os melhores resultados e valuation ainda descontado”.
Para o sócio e gestor da Skopos Investimentos e sócio da casa de análise Inv, Pedro Cerize, o mercado está muito posicionado em ações da Petrobras e do Banco do Brasil, apostando numa eventual reeleição de de Bolsonaro. “Muitas pessoas que estão compradas em Petrobras e BB vão vender esses papéis em uma eventual vitória de Lula”, disse durante o Inv Talks 2022.
Nesse cenário, ele vê as ações da Sabesp (SBSP3) como mais interessantes para se posicionar, já que a eleição ao governo do Estado de São Paulo está mais indefinida e ele vê maior chance de a concessão da Sabesp sair em caso de vitória do candidato Tarcísio Freitas (Republicanos), ex-ministro de Infraestrutura de Bolsonaro.
Gestores reduzem posição em estatais
Diante do risco de uma pressão de venda das ações de empresas estatais federais, os gestores reduziram a posição nesses papéis.
A gestora AF Invest, que tem R$ 2,8 bilhões sob gestão, reduziu a posição em ações da Petrobras e zerou a alocação em BB.
“A gente chegou a ter posição maior em estatais e, como o Lula continua na frente nas pesquisas eleitorais, a gente diminuiu um pouco”, diz Leandro Saliba, sócio e gestor da AF Invest.
A gestora 3R Investimentos também reduziu a posição em Petrobras na carteira.
“O grande temor dos investidores é o da repetição de investimentos pouco rentáveis e que geraram prejuízo para a estatal durante o governo do PT”, Rodrigo Boselli, gestor e sócio da 3R.
O gestor da AF , contudo, vê pouca margem para uma queda dos papéis das estatais dados os múltiplos muito descontados das empresas. “Se os preços dessas ações caírem a gente pretende aumentar”, diz Saliba.
Risco de maior intervenção
O que preocupa o mercado em caso de vitória do ex-presidente Lula é o risco de maior intervenção nas estatais.
O candidato do PT têm se manifestado contra a política atualmente adotada pela Petrobras, de equiparar os preços de combustíveis vendidos no Brasil aos praticados no mercado internacional, e também é contrário à privatização da empresa.
Já o governo do presidente Bolsonaro chegou a incluir a Petrobras em uma lista de estudos para possível privatização.
O ex-presidente Lula também disse, em entrevista à CNN em 12 de setembro que pretende usar os bancos públicos para ampliar o crédito.
“… vamos ter que fazer muito crédito, o BNDES vai voltar a ser um banco de investimento, o Banco do Brasil vai voltar a cuidar não só da agricultura, mas do micro e pequeno empreendedor, a Caixa Econômica vai voltar a financiar habitação e saneamento básico nesse país e nós vamos fazer a economia voltar a crescer”, declarou Lula.
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Para o gestor da AF, o risco de intervenção do governo nessas empresas é menor por causa de dispositivos legais que foram adotados para mitigar esta possibilidade.
“A Lei das Estatais [Lei 13.303/2016] estabelece que os executivos nomeados respondem na pessoa física pelos seus atos e podem ser processados”, diz Saliba.
No caso da Petrobras, o estatuto da empresa ainda estabelece que o governo tem que indenizar a estatal por eventuais prejuízos que ela venha a ter por conta da mudança na política de preços.
“O Lula pode até chamar assembleia para mudar a política de preços da Petrobras, já que o governo tem a maioria do conselho, mas vai ter fuga de capital do Brasil, o dólar vai disparar e isso gera inflação e piora a governabilidade, então, não sei se ele vai fazer isso”, diz Saliba.
Além disso, o gestor da AF acha que alterar a política de preços de combustíveis pode provocar desabastecimento de diesel, já que parte do que o Brasil consome é importado. “Se os preços no mercado interno estiverem menores que no mercado internacional, ninguém vai querer importar”, diz.
Para Cruz, se Lula vencer há outros setores na Bolsa que devem se beneficiar, como as ações de empresas de construção voltadas para a baixa renda, que podem ser impulsionadas com ampliação do Programa Casa Verde Amarela; setor de educação, que pode andar com a expansão do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil ); e de varejo voltado para classes mais baixas, que podem ser impulsionadas com os programas de aumento de crédito e transferência de renda.
No caso das seguradoras ligadas a bancos públicos, BB Seguridade (BBSE3) e Caixa Seguridade (CXSE3), Saliba vê risco menor de intervenção do governo nesse setor.
Bolsa pode andar após eleição
Os analistas não veem forte pressão de baixa para o Ibovespa após a eleição, como aconteceu em 2014, quando o principal índice da Bolsa encerrou o ano em queda de 2,91%. Naquela época, a ação da Petrobras (PETR4) acumulou perda de 41,33%.
“Acho que depois da eleição a Bolsa pode ter um respiro”, diz Cruz.
Vale lembrar que em 2014 a expectativa do mercado era de vitória de Aécio Neves (PSDB), que acabou derrotado pela ex-presidente Dilma Rousseff no segundo turno.
Neste ano, tudo vai depender da política econômica a ser adotada no próximo governo, principalmente em relação à política fiscal.
“Alguns nomes que estão sendo cogitados para ministro da Fazenda de Lula, como Henrique Meirelles [ex-presidente do BC no governo Lula] e Pérsio Arida [ex-presidente do BC e um dos economistas do Plano Real] são vistos com bons olhos pelo mercado, já nomes como Aloizio Mercadante [ex-ministro do governo Dilma Rousseff] e Fernando Haddad [candidato ao governo de São Paulo pelo PT e ex-ministro da Educação de Lula] não agradam o mercado”, diz Cruz.
Nesse cenário, a RB Investimentos reduziu a recomendação de exposição em renda variável, que passou de 45% em março, para 30% em setembro, sendo 20% no mercado local e 10% no exterior, na carteira arrojada, para investidores com perfil mais tolerante a risco.
Para o gestor da AF, o desempenho da Bolsa brasileira vai depender mais do exterior. “O cenário internacional preocupa mais que o interno. Os juros nos EUA vão ter que subir mais do que o mercado precifica e o preço da energia na Europa explodiu, e os bancos centrais terão problema para jogar a inflação para baixo”, diz Saliba.