Logo-Agência-TradeMap
Logo-Agência-TradeMap

Categorias:

Selic a 14%? PEC da Transição abre chance de alta da taxa básica de juros em 2023

Economistas avaliam proposta, que abre R$ 200 bilhões em espaço no Orçamento, como desastrosa

Foto: Shutterstock/Monster Ztudio

Em vez de queda dos juros em 2023, aumento da taxa básica. Passada uma fase breve de lua de mel com o governo eleito, o mercado inverteu o sinal e passou a precificar na manhã de hoje uma Selic de 14% no início de 2024, com os contratos DI subindo 100 pontos-base em relação a uma semana atrás e o dólar avançando acima de 5% na mesma comparação. É um cenário que de fato passou a estar na mesa, segundo economistas, embora ainda seja cedo para dizer.

O discurso duro do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 10, defendendo ampliação de gastos e sinalizando despreocupação com regras fiscais, já havia abalado o mercado. O cenário mais temido se concretizou na forma da PEC da Transição entregue ontem ao Congresso.

O texto pode abrir espaço para até R$ 200 bilhões em despesas fora do teto no Orçamento de 2023. Entram nesta conta benefícios sociais (Bolsa Família em R$ 600 e adicional de R$ 150 a famílias com crianças) e utilização de receitas extraordinárias para investimentos.

Apesar do fato de a proposta de emenda à Constituição ainda ter que ser negociada com os parlamentares, foi um início de conversa considerado ruim por especialistas em macroeconomia. Em especial por não haver prazo para o fim desse waiver (licença para gastar) – o mais provável é uma negociação para fixar um prazo de quatro anos.

“Pode ser que não passe [a exclusão permanente de benefícios do teto]. Mas de qualquer forma você tem R$ 200 bilhões de gastos a mais. Mesmo que seja só por um ano, depois disso se negocia de novo. É só questão de saber se você vai pagar tudo à vista ou se vai ficar negociando isso todos os anos”, avalia o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, da Schwartsman & Schwartsman Associados.

Leia mais:
Os 5 pontos do discurso de Lula que azedaram o humor do mercado

O fato de o vice-presidente Geraldo Alckmin ter indicado que uma âncora fiscal para substituir o teto só será discutida no ano que vem, ao lado de novas declarações de Lula contrárias ao compromisso com a sustentabilidade fiscal, só piora as expectativas.

Nesta quinta, o presidente eleito afirmou que “paciência” se a Bolsa cair e o dólar subir em reação às falas sobre responsabilidade social caminhando ao lado da fiscal. “Porque o dólar não aumenta e a bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas é por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”, declarou.

O economista-chefe da gestora Quantitas, Ivo Chermont,, considera que a sinalização dada pela PEC é “um desastre, porque você está prejudicando quem pretende proteger”.

“Desde que o Lula ganhou, o dólar, que chegou a cair para perto de R$ 5,10, já está se aproximando de R$ 5,50. Na prática, as coisas estão 7% mais caras, é só olhar a alimentação, que em parte acaba sofrendo influência do dólar”, acrescentou.

De acordo com o economista, não faz sentido ignorar o custo da moeda sobre bens e serviços. “Essa é a definição de populismo. Você dá com uma mão e tira com a outra, fingindo que está dando um benefício.”

Mais inflação, Selic maior, menos crescimento

Schwartsman, que foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central entre 2003 e 2006, classifica a PEC como “uma sinalização muito ruim”. Ele explica que um cenário de descontrole fiscal alimentaria a inflação em duas frentes: pelo lado do estímulo à demanda e pela alta do dólar, cenário que pede aumento da taxa básica e economia crescendo menos.

“[A aprovação da PEC como foi apresentada] abre a possibilidade de a Selic subir em 2023, por dois canais. Um deles é que ela joga pelo menos mais 1,5 ponto percentual do PIB em gasto público na economia em comparação ao que seria razoável se esperar. As pessoas vão receber esse dinheiro e gastar, ao mesmo tempo em que o Banco Central, ao subir os juros, tinha como objetivo que as pessoas gastassem menos.”

O outro canal de pressão nos preços é o aumento da moeda americana. “O dólar já foi buscar os R$ 5,40 com a percepção de piora do risco fiscal. Tudo aquilo que é transacionado com o exterior fica mais caro, e isso é inflação.”

Saiba mais:
Ibovespa cai no mercado futuro e juros e dólar disparam por receio com aumento de gasto público

Ele lembra que há duas forças que se complementam no controle da inflação (que é fundamental para uma economia pelo impacto danoso da alta de preços no poder de compra da população).

São elas a política monetária, que pode estimular ou refrear a demanda através da Selic, e a política fiscal, que determina, através de suas ações, o quanto de juros os investidores pedirão para financiar o governo.

“O Banco Central tinha pisado no freio, e depois que acertou a pressão, vem a autoridade fiscal e pisa mais fundo no acelerador. Ou ele reage bem a isso, e tem que subir um pouco mais os juros para tentar conter o impacto, ou vai ter que conviver uma inflação mais alta do que a projetada”, explica.

“Queimar pneu” antes da corrida

Chermont, da Quantitas, classifica a chance de alta de juros no ano que vem como “muito provável” se a PEC fosse aprovada nos moldes em que foi apresentada – lideranças do Senado vem sinalizando que isso não acontecerá. “Ainda é cedo para antecipar o que o BC vai fazer. Se for aprovada assim, é muito provável que o BC suba juros. Se não for, o fato é que o Banco Central vai ficar com um pé atrás gigantesco.”

Para o especialista, mesmo se a negociação com o Congresso se traduzir em uma PEC mais amena do ponto de vista fiscal, a apresentação de um texto agressivo é uma sinalização de descompromisso que ficará na memória dos investidores.

Leia também:
Tesouro Direto: taxas sobem e juro de prefixado para 2025 bate recorde, a 13,73% ao ano

“São sinais muito ruins, principalmente pelo fato de isso estar sendo feito antes do jogo começar. Em uma analogia com a Fórmula 1, estão queimando pneu no treino, antes da corrida.”

Compartilhe:

Leia também:

Mais lidas da semana

Uma newsletter quinzenal e gratuita que te atualiza em 5 minutos sobre as principais notícias do mercado financeiro.