A consolidação do mercado de serviços financeiros tem escalado de formas distintas. Enquanto grandes corretoras e bancos de investimentos compram concorrentes menores e escritórios para aumentar a carteira de clientes, o Itaú (ITUB4) seguiu por um outro caminho.
O maior banco do Hemisfério Sul buscou no cerne da tecnologia brasileira potenciais clientes a um preço que pode ficar cada vez mais barato ao longo dos próximos anos. Na noite de ontem, o Itaú fechou um acordo com a Totvs (TOTS3) para a criação da joint venture Techfin.
Com o objetivo de aproveitar a ampla plataforma de distribuição e inteligência de dados da Totvs e oferecer produtos customizados para clientes corporativos o Itaú pagará, ao todo, pouco mais de R$ 1 bilhão.
No fechamento da transação, o banco pagará R$ 410 milhões à Totvs e fará um aporte de R$ 200 milhões na Techfin. Ainda está previsto um earnout de R$ 450 milhões a ser desembolsado pela instituição daqui a cinco anos, a depender do cumprimento de metas.
Ambas as empresas dividirão o controle da Techfin – idealizada em 2019, com 50% cada. Com base no investimento total do Itaú, de R$ 1,06 bilhão, o post-money valuation da Techfin fica em torno de R$ 2,12 bilhões.
O montante é equivalente a pouco menos de 10% do valor de mercado da Totvs no fechamento de ontem – ainda acima do que a fintech tem trazido de resultados. A tendência é que essa fatia aumente e a capitalização de mercado acompanhe.
Por volta das 12h55 (de Brasília), as ações da Totvs subiam 4,11%, para R$ 37,26, enquanto os papéis preferenciais do Itaú tinham queda de 0,27%, a R$ 26,02.
O que é a Techfin
O lançamento da estratégia da Techfin nasceu em 2019. Ali, o objetivo era integrar a tecnologia da empresa com o mercado potencial financeiro.
O grande passo da Totvs no segmento de serviços financeiros foi em outubro daquele ano, quando a empresa comprou a Supplier, fintech de crédito B2B (business to business), por R$ 455 milhões, financiados por um follow-on.
O CEO Dennis Herszkowicz, ex-executivo da Linx, enxergou na empresa a oportunidade de trazer expertise tecnológica para mais de 100 mil empresas que faziam parte da Supplier.
Com a aquisição, a Totvs deu um passo à frente de toda a indústria, uma vez que a forte presença em PMEs (pequenas e médias empresas) diminui o custo de aquisição de clientes, tradicionalmente alto no segmento.
Desde então, a Techfin lançou seu portfólio com soluções integradas e utilização da máquina de vendas, cresceu a base e volume transacionado e chegou a quase 1 mil clientes aptos a produzir crédito.
O balanço da Totvs destaca que a receita líquida de funding, incorporada ao conceito de Receita de Techfin líquida do custo de funding na consolidação das receitas da empresa, foi de R$ 3,2 bilhões em 2021.
Crescimento da receita líquida da Totvs na última década

Isto é, a contribuição efetiva da Techfin para a receita líquida da companhia foi de 6% em 2021, na ordem de R$ 191,40 milhões. De forma segregada, apenas no quarto trimestre, a operação foi responsável por 7% da receita.
A produção de crédito da frente de negócio teve avanço de 48% na mesma base de comparação, para R$ 9,77 bilhões.
Talvez esse seja o número mais relevante a ser observado neste momento, mostrando a capacidade de gerar crédito e ampliar a conexão com os clientes dentro do ecossistema proposto. Isso porque, as ambições da “nova” Techfin, com o Itaú por trás, são grandes.
A fintech quer passar a oferecer cartão de crédito e possibilitar todos os tipos de transferência possíveis, além de uma conta digital garantida e aplicação na gestão de caixa.
O que o Itaú busca
O sucesso do negócio chamou a atenção do Itaú, que entrará com uma ampla rede presencial e digital em todo o Brasil e, sobretudo, expertise em oferecer serviços financeiros.
O banco busca surfar a extensa base de dados transacionais da Totvs para comercializar produtos financeiros em um ecossistema diferente do seu e que parece ter melhor qualidade de crédito.
A carteira de crédito da Supplier encerrou o ano passado em R$ 1,54 bilhão, ao passo que o Itaú tem uma carteira voltada a micro, pequenas e médias empresas de R$ 157,5 bilhões.
Embora esteja em um patamar completamente distinto, a Techfin chama atenção pelo índice de inadimplência acima de 90 dias de apenas 0,8%, enquanto a média do mercado é de 2,6%, segundo dados do Banco Central. No segmento, a inadimplência do Itaú é de 2,3%.
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O negócio é mais uma tentativa do Itaú de se diferenciar dos pares, sejam os grandes bancos propriamente ditos, ou ofensores com modelos de negócio como XP (XPBR31) e BTG Pactual (BPAC11).
Em janeiro deste ano, o banco demonstrou estar ativo no mercado de domínio dos grandes bancos de investimento, com a compra da corretora Ideal. Agora, o Itaú aposta num tema que entende melhor e que, de quebra, é banhado por tecnologia e gestão de dados como poucos players no Brasil.
O negócio com a Techfin também tem alto potencial do ponto de vista de rentabilidade e não se trata apenas de diversificação das plataformas de distribuição.
Diferentemente do Itaú, que possui uma estrutura robusta construída ao longo de mais de 70 anos (quase um século, se considerado o Unibanco), a Techfin tem potencial de gerar alto ROE (Retorno sobre Patrimônio Líquido) com uma base asset light, ou seja, com poucos ativos.
O bolso cheio do Itaú para novos negócios é um dos pontos que fundamenta a boa avaliação de analistas do mercado para suas ações.
De acordo com dados apresentados pela Refinitiv na plataforma do TradeMap, 14 especialistas acompanham o Itaú. Desses, 10 recomendam compra e quatro a manutenção das ações em carteira.
Na visão dos analistas, o preço-alvo mediano do Itaú é de R$ 31, upside de pouco menos de 20%. O múltiplo preço/lucro atual do banco está 50% menor do que a média dos últimos 36 meses.
Vale ressaltar que o investimento do Itaú na fintech da Totvs está pendente de aprovação pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o Banco Central.