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Eletrobras (ELET3) deixa amarras estatais para trás em maior oferta de ações em 12 anos

Empresa deixa fins políticos para buscar eficiência e geração de valor aos acionistas

Leandro Tavares

Leandro Tavares

Foto: Shutterstock

Demorou, mas aconteceu. Ontem, a Eletrobras (ELET3; ELET6) foi privatizada ao vender 802 milhões de ações em seu follow-on, ao preço de R$ 42. Considerando o lote suplementar, a operação pode atingir R$ 33,68 bilhões, sendo a maior oferta de ações no Brasil desde 2010, quando a Petrobras (PETR4) levantou R$ 120 bilhões em um follow-on.

A oferta da Eletrobras contou com a participação de 12 bancos coordenadores, que viram a demanda pela operação chegar próxima a R$ 70 bilhões. 

Conforme reportado pela Agência TradeMap, cerca de 370 mil pessoas investiram na empresa através dos recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), por meio de fundos mútuos.

A desestatização da Eletrobras é um trunfo para o governo de Jair Bolsonaro, que deixa sua marca no panteão das grandes privatizações do Brasil. 

Com uma pauta liberal, mas que efetivamente trouxe poucos resultados do ponto de vista de arrecadação de recursos por meio de venda de estatais, o governo consegue emplacar a maior desestatização desde a Vale (VALE3) em termos de relevância da companhia.

Em 1997, a mineradora foi privatizada por R$ 3,3 bilhões (a preços de hoje, corrigidos pelo IPCA, algo em torno de R$ 15,06 bilhões). 

À época, a Vale já era uma das maiores empresas ligadas à extração de minério de ferro do planeta. Hoje, a Eletrobras se livra (parcialmente) das correntes estatais no papel de maior empresa de energia renovável da América Latina. 

Após as confirmações do boato, os papéis da Eletrobras recuam com o fato. Por volta de 16h desta sexta-feira (10), as ações ordinárias tinham queda de 4,62% na B3, para R$ 41,05, em dia de aversão a risco global.

Desempenho das ações da Eletrobras na última década

Fonte: TradeMap
Fonte: TradeMap

O que muda no comando da Eletrobras

A privatização da Eletrobras, na verdade, configurou-se como uma diluição do Estado no controle da empresa.

A venda das novas ações, junto à alienação da fatia do BNDES na Eletrobras, reduz a participação do governo na companhia de 69% para aproximadamente de 40%, nas ações votantes. No capital total, cairá de 58,7% para 37%.

Para afastar a percepção de que o governo ainda ficará no controle da empresa, dado que possui a maior participação dentre todos os acionistas, o estatuto da Eletrobras agora prevê que o limite de poder de voto será de 10% para qualquer acionista. 

Na prática, a empresa se torna uma corporation, ou seja, nas mãos da livre iniciativa e sem controlador definido. 

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Entretanto, a União ainda permanecerá com poder de veto sobre algumas decisões. Isso se traduz na golden share. Como o próprio nome diz, uma “ação de ouro” que ficará na mão do governo.

Essa ação dá poder de veto ao governo em algumas questões consideradas estratégicas, inclusive podendo alterar a determinação da limitação de 10% a qualquer investidor, impedindo que um agente privado tome conta por completo da empresa.

O governo também tem essa ferramenta em Vale, Embraer (EMBR3) e IRB Brasil (IRBR3). O governo pode acionar esse direito caso entenda precisar defender o papel da Eletrobras para o país, além de denominações sociais, por exemplo.

A governança pela mão invisível

Efetivamente se tornando uma corporação, os investidores esperam que a Eletrobras finalmente entre na linha das empresas de mercado. Isto é, deixar de ser uma ferramenta de fins políticos para buscar eficiência e geração de valor aos acionistas exclusivamente por meio de sua operação. 

A mão invisível, criada pelo outrora economista britânico Adam Smith, traz o conceito de autorregulação do mercado e pode se aplicar ao processo de “limpeza” que é esperado pela Eletrobras a partir de agora. 

Sem um dono específico, a empresa terá de se autorregular, ajustando incentivos em remuneração dos executivos, deixando para trás negócios pouco lucrativos e tendo flexibilidade para melhorar ainda mais sua estrutura de capital.

Atual alavancagem financeira da Eletrobras está abaixo de sua média

Fonte: TradeMap
Fonte: TradeMap

Caso contrário, ficará aquém do esperado pelos investidores — que agora terão voz na empresa.

Nesse sentido, a Eletrobras já tem procurado se mexer nos últimos anos. Sob o comando de Wilson Ferreira Júnior, que deixou a empresa para comandar a Vibra (VBBR3), antiga BR Distribuidora, a empresa vendeu todas as fatias que tinha em distribuidoras estaduais.

Negócios como transmissão de energia devem estar no alvo da nova gestão para cortes em busca de eficiência. Ao mesmo tempo, a companhia deve ganhar agilidade para participar de novos leilões e ampliar investimentos.

Outra frente que deverá ser muito impactada é a comercialização de energia elétrica, no qual a nova Eletrobras possa estruturar uma nova área para melhor gerenciar a venda de sua produção.

Iniciativas como essas, porém, devem levar algum tempo até que a nova empresa possa apresentar ganhos de eficiência e mais competitividade no setor elétrico.

No fim das contas, é esperado que a governança corporativa seja ajustada pela mão invisível da percepção de que, se a empresa não entregar resultados satisfatórios, a resposta será imediata – e não haverá o amparo estatal. Quem sabe até uma migração para o Novo Mercado, nível mais alto de governança corporativa da B3. 

Governo comemora

Embora fale-se muito sobre os quase R$ 35 bilhões que o governo pode embolsar com a privatização, a oferta de ações será muito maior que isso. Nas contas da União, a iniciativa pode render até R$ 67 bilhões, que seriam divididos da seguinte forma:

Cerca de R$ 32 bilhões para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), com o objetivo de aliviar a pressão nos preços da energia nos próximos anos e incentivar políticas setoriais, enquanto R$ 25,3 bilhões para a União, indo para o caixa do Tesouro Nacional, e R$ 9,7 bilhões em investimentos na recuperação de bacias hidrográficas.

Contribuição da Eletrobras para a energia brasileira

A Eletrobras atua em geração, transmissão e comercialização de energia elétrica no país. Dados mais recentes da companhia, datado de dezembro de 2019, mostram que o Brasil tinha uma capacidade instalada de energia de 170 GW (gigawatts), dos quais a empresa contribuía com 30%, ou seja, 51 GW.

Do total, 23,6% equivalem à sua participação proporcional em projetos realizados por meio de SPEs (Sociedades de Propósito Específico) e 15,5% de empreendimentos compartilhados, incluindo a metade da capacidade de Itaipu Binacional, de 7.000 MW (megawatts).

No quesito transmissão, a empresa tinha em dezembro de 2019 cerca de 71 mil quilômetros em linhas, sendo que 64,1 mil quilômetros de linhas corporativas do sistema Eletrobras e 7 mil quilômetros de participação nas SPEs.

Considerando apenas a rede básica do SIN, ou seja, as tensões de 800 kV (quilovolt), 750 kV, 600 kV, 525/500 kV, 345 kV e 230 kV, a Eletrobras é responsável por 64,8 mil quilômetros de linhas de transmissão, o que representa cerca de 45,25% do total de linhas do Brasil nas referidas tensões.

Além disso, a companhia é responsável pela administração de programas governamentais como o Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), o Luz para Todos (Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica) e o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica).

Duro Golpe

Usada em governos passados como cabide de emprego para garantir a governabilidade do país, exemplo disso, inclusive, é o imbróglio recente entre Furnas, subsidiária da companhia, e os sócios na usina hidrelétrica de Santo Antônio, que quase melou a privatização da companhia.

Como no passado o Brasil era visto como arriscado para investimento de infraestrutura de longo prazo, muitos investidores procuravam a companhia para fazer parceria em determinados projetos, principalmente aqueles estruturantes de grandes usinas hidrelétricas, como forma de conseguir financiamento via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

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Diante dessa situação, a empresa se viu muito alavancada e sua capacidade de investimento e de pagamento de dívida chegou quase a zero.

Em condições normais de temperatura e pressão, a empresa teria entrado em recuperação judicial ou com pedido de falência.

O pé da cal, no entanto, veio no governo da presidente Dilma Rousseff. A MP (medida provisória) 579, que tinha como objetivo baratear o custo da energia, foi a última vela que faltava para a Eletrobras ir para a vala, já que as receitas caíram drasticamente.

Para tentar amenizar os impactos e conseguir um pouco de dinheiro, a Eletrobras vendeu todo o seu braço deficitário de distribuição de energia e algumas participações em SPEs. A iniciativa, porém, não foi suficiente. Com isso, a única saída para a empresa foi a privatização.

Um pouco de história

A Eletrobras foi aventada no governo de Getúlio Vargas, em 1954, mas só saiu do papel em 1961, já com Jânio Quadros na presidência, que autorizou a União a constituir a estatal, embora a sua instalação fora acontecer em 1962, na gestão de João Goulart.

Com o Brasil passando por grande desenvolvimento econômico na década de 1960, o objetivo da criação da estatal era garantir investimento do estado para reduzir os déficits de energia à época.

Mas, sessenta anos depois, esse cenário melhorou, mas ainda há necessidade de grandes investimentos para acompanhar a demanda incessante por energia no Brasil e no mundo.

Diferentemente do passado, quando não havia SIN (Sistema Interligado Nacional) no setor elétrico brasileiro, que tem como função gerenciar a energia nos estados brasileiros, alguns gargalos de energia ainda permanecem, mas, desta vez, muito mais relacionados ao avançar da tecnologia para a entrega de energia do que propriamente a escassez de sistemas e de geração de energia.

O SIN, coordenado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), vinculado ao MME (Ministério de Minas e Energia), tem como objetivo fazer a gerência do sistema para não faltar energia. O SIN é formado pelos sistemas Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte, que congrega o sistema de produção e transmissão de energia do Brasil.

Retrospecto da privatização

Inicialmente, a intenção era que a privatização da Eletrobras acontecesse em fevereiro deste ano, mas diante de atrasos que o processo sofreu no final do ano passado, principalmente no TCU (Tribunal de Contas da União), tanto o governo quanto a empresa acharam por bem prorrogar o prazo.

Foi estipulada então a data de 13 de maio, data-limite para utilizar o balanço do quarto trimestre de 2021 como referência para a operação de venda das ações da companhia, o que também não aconteceu.

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A privatização da companhia não é um assunto novo. Críticos da permanência da empresa sob o controle estatal apontam que a empresa foi usada anteriormente para simular concorrência em leilões de energia e para garantir apoio político no Congresso.

Os defensores de uma Eletrobras estatal, porém, afirmam que a empresa possui ativos estratégicos e é uma fonte de investimento público e, por isso, deveria continuar nas mãos da União.

A privatização da Eletrobras foi uma das propostas apresentadas na campanha na eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018.

A pauta, contudo, é discutida desde o governo de Michel Temer, que chegou a apresentar uma proposta de desestatização, mas enfrentou forte resistência no Congresso.

Jabutis pelo caminho

Aprovado em meados do ano passado pela Câmara dos Deputados, embora repleto de “jabutis” – como são chamadas no Congresso emendas estranhas à proposta original –, o plano de privatização da Eletrobras havia sido enviado pelo governo no começo de 2021.

Na ocasião da aprovação, o então ministro Bento Albuquerque disse que o governo avaliava o texto final da proposta como positivo.

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Sobre os jabutis – que criaram, por exemplo, a obrigação da contratação de 8 mil MW de termelétricas a gás -, o ministro contemporizou e afirmou que já estavam previstas no planejamento do setor elétrico, ainda que não houvesse definição do preço e nem dos locais em que elas serão construídas.

Para o governo, a privatização da empresa vai permitir a injeção de recursos para a “modicidade tarifária”, o que levará à redução de tarifas para o consumidor de energia elétrica.

Especialistas do setor, porém, argumentam o contrário, que o negócio pode gerar um aumento no custo para o consumidor.

A MP da Eletrobras foi a primeira proposta de privatização aprovada pelo Congresso durante a gestão de Bolsonaro.

Até o momento, o governo não havia conseguido vender nenhuma estatal de controle direto da União. Pelo contrário, criou uma nova, a NAV, responsável pela navegação aérea.

Para analistas ouvidos pela Refinitiv, as ações da Eletrobras são alvo de compra. Com base no modelo ainda pré-privatização, os quatro especialistas que acompanham a empresa e que têm dados compilados na plataforma do TradeMap recomendam a aquisição das ações neste patamar.

O preço-alvo mediano para as ações ordinárias da companhia é de R$ 48. No sell side brasileiro, há quem acredite que a Eletrobras vale R$ 70 após o follow-on, como enxerga o UBS BB.

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