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Americanas (AMER3) levantará bilhões de reais para pagar por anos de baixa transparência

Varejista terá de levantar capital para voltar aos trilhos

Foto: Shutterstock/thiago bacelar

A Americanas (AMER3) resolveu iniciar o ano agitando o mercado de capitais brasileiro e, especificamente, o setor de varejo. Na noite desta quarta-feira (11), a empresa anunciou que encontrou valores não contabilizados como dívida bancária. O erro de contabilização é equivalente ao valor de mercado do Magazine Luiza (MGLU3).

O fato relevante da empresa faz alusão a cerca de R$ 20 bilhões que eram passíveis de interpretações diferentes. A confusão da Americanas nos últimos anos tem relação com a forma de financiamento dos fornecedores junto a instituições bancárias.

Os bancos parceiros da Americanas passaram a financiar, com deságio, os fornecedores da varejista, que, por sua vez, arcava com os custos da transação junto às instituições. Essas contas de R$ 20 bilhões (o custo total da operação) são, portanto, um passivo e deveriam ser contabilizadas nas dívidas bancárias da empresa, e não na conta de fornecedores.

Dessa forma, o endividamento real da Americanas é substancialmente maior do que o reportado nas linhas dos últimos balanços. Com isso, o agora ex-CEO da Americanas, Sergio Rial, disse que a companhia terá de levantar capital para se manter solvente – e não será pouco.

A explicação recai sobre a alavancagem financeira, dada pela relação entre dívida líquida e Ebitda, que era de 1,7 vez ao fim do terceiro trimestre. Com a revelação do rombo contábil, esse montante é muito maior do que o reportado.

Tendo em vista apenas o que há em caixa (desconsiderando os recebíveis), a empresa tem uma dívida líquida de R$ 10,5 bilhões – quase igual a seu valor de mercado até ontem.

Vale ressaltar que o Ebitda de 12 meses até setembro, que era de R$ 2,1 bilhões, foi inflado pela má contabilização de recebíveis. Portanto, de um lado, a dívida é maior e, de outro, o Ebitda é menor, o que explica a chamada de capital defendida por Rial.

Americanas vai pedir voto de confiança

De acordo com afirmação do executivo em entrevista organizada pelo BTG acompanhada pela Agência TradeMap, nos últimos anos o crescimento da empresa foi potencializado pelo financiamento aos fornecedores, que abasteciam o estoque da varejista. 

A medida por si só não é errada, mas não foi informada de maneira transparente, ao não constar no risco sacado, que é uma forma de antecipação de recebíveis, segundo a CVM.

A companhia compradora, que no caso é a Americanas, não reconhece um passivo que tem com o banco e apenas registra o valor na linha de fornecedores. 

Ao não contabilizar o passivo oneroso, a Americanas deixou de reconhecer as despesas financeiras referentes ao que, na prática, foi uma dívida bancária. Para recalibrar as contas e entrar no eixo novamente, a empresa vai precisar de capital.

Rial disse na coletiva que a empresa chamará uma captação de recursos junto ao mercado e não será na casa de milhões, mas sim de bilhões de reais. Vale lembrar que, em 2020, a empresa captou R$ 7,87 bilhões em um follow-on, numa oferta em que a demanda foi de R$ 20 bilhões. 

Agora, os acionistas de referência, o trio 3G, possivelmente terão de ancorar a oferta, dada a desconfiança dos investidores. É possível que o montante seja da mesma magnitude. 

Rombo na conta da auditoria?

Rial afirmou que a classificação inadequada ocorre há anos e não foi identificada pela contabilidade da empresa e por auditorias (a atual é a PwC), porque é observada de formas distintas, não sendo, portanto, passível de ser caracterizada como fraude.

Rial, que inclusive renunciou ao cargo após ficar menos de duas semanas no posto, afirmou que determinar se houve erro no reporte dos números não é seu papel. 

Um comitê externo avaliará se isso aconteceu. O ex-CEO do Santander, entretanto, afirmou que a “transparência e a vontade de falar dos problemas não era fluida” na empresa. 

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No dia 30 de setembro, o patrimônio líquido da empresa era de cerca de R$ 14,7 bilhões. Com o rombo encontrado, de cerca de R$ 20 bilhões, isso significa que a empresa operava com um passivo a descoberto de R$ 6 bilhões? Segundo Rial, não. 

O valor encontrado pelo CEO e pelo CFO, André Covre, nos últimos dias (que não foi auditado) passou pelo balanço e não deve impactar o caixa no curto prazo.

Na coletiva desta manhã, o executivo disse que o montante teve seus devidos impostos pagos, mas foi contabilizado nas contas erradas.

Naturalmente, serão reanalisadas as despesas financeiras sobre a efetiva dívida bancária. Na prática, a empresa pagou menos despesas financeiras do que deveria, o que não é uma boa notícia com a Selic em 13,75% ao ano.

Esse fato certamente afetará o lucro dos últimos anos – ou décadas –, impactando sensivelmente o que se entende do que foi a geração de valor aos investidores nos últimos anos. 

O mercado precifica um novo preço justo para a empresa, e no leilão despenca 83,3%, para R$ 2,00, por volta das 13h30.  

Até o fechamento do pregão da terça-feira (10), a taxa de remuneração do aluguel de ações das ações AMER3 era de 18,59% ao ano, segundo informações disponibilizadas pela B3. Na abertura de hoje, a taxa disparou para incríveis 498,50%.

Segundo Rial, a prática não diz respeito somente à Americanas, que foi onde a bomba estourou, mas sobre o segmento como um todo – o que justifica a queda em bloco do setor no pregão de hoje.

O que fazer

O momento é de conter a sangria. A empresa deve diminuir seu Capex para algo em torno de R$ 800 milhões e R$ 900 milhões neste ano, segundo Rial, ante a previsão de gastar cerca de R$ 1,8 bilhão em 2023. Nos primeiros nove meses de 2022, o investimento foi de R$ 1,52 bilhão.

Por mais que deixe de estar à frente da companhia, Rial entende que os estoques da Americanas também devem diminuir. Atualmente, estão em 106 dias e podem cair para 76 dias, deixando a empresa mais líquida em termos monetários.

O risco de solvência da companhia navega pelo mercado no pregão de hoje. Segundo Rial, a maior parte da dívida da empresa vence a partir de 2025 e 92% dos compromissos estão livres de covenants — cláusulas que em geral servem para proteger os credores –, o que pode impedir a execução da dívida se os índices de cobertura forem desrespeitados. 

O executivo aponta, porém, que caso os bancos queiram acelerar o recebimento dos recursos, as dívidas podem ser judicializadas. Hoje não há visibilidade sobre a possibilidade da recuperação judicial da Americanas. Os bancos devem cobrar garantias para manter o fluxo de capital de giro à varejista. 

Nos últimos anos, a B2W, que se juntou à Americanas, teve constantes trocas de CFOs. As empresas passaram por aumentos de capital, operações de aquisições, além da fusão propriamente dita. 

O comportamento da contabilização das dívidas pode ter sido orquestrado por anos, mas ainda não é passível de ser classificado como fraude.

Todavia, já que trata-se essencialmente de capital de giro, linha essencial do dia a dia de uma varejista deste porte, é pouquíssimo provável que os últimos diretores financeiros e executivos não tenham percebido.

A Americanas agora terá de pagar por décadas de omissão (ou ao menos falta de transparência), o que implica em perda permanente de capital para muitos investidores.

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