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Por que a Copa do Mundo pode mais atrapalhar do que ajudar o varejo

Uma estimativa feita pelo PagSeguro indica que a Copa deve gerar um impacto negativo de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões no volume de transações

Foto: Shutterstock/Rawpixel.com

A cada quatro anos o roteiro se repete: sempre que o início da Copa do Mundo se aproxima, as lojas de rua se enchem de verde e amarelo, as bandeirinhas do Brasil se proliferam por todos os lados e quem liga a TV certamente se depara com insistentes anúncios para a venda de enormes aparelhos de televisão que prometem imagens em alta definição para os jogos.

Parece um ótimo momento para o varejo, certo? Não é bem assim.

Embora seja uma boa época para lojas que vendem aparelhos de TV ou camisas de futebol, outros segmentos do varejo acabam se prejudicando com o evento esportivo, como por exemplo os restaurantes que perdem clientes que aderem ao home office nos dias de jogos do Brasil e deixam de almoçar na rua.

Uma estimativa feita pelo PagSeguro, uma das principais empresas de maquininhas do Brasil, indica que a Copa deve gerar um impacto negativo de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões no volume de transações feitas por estabelecimentos no quarto trimestre do ano.

O valor representa algo entre 3,3% e 4,4% dos pagamentos processados pela companhia no terceiro trimestre.

O grosso dos estabelecimentos comerciais que usa as maquininhas da PagSeguro, vale lembrar, é formado por pequenos negócios e até mesmo microempreendedores individuais, como prestadores de serviços e vendedores ambulantes.

Isso significa que o impacto negativo na PagSeguro pode ser maior que na Cielo, por exemplo, que tem uma atuação mais forte em grandes negócios, como redes de supermercados.

No terceiro trimestre, enquanto a PagSeguro transacionou R$ 90,3 bilhões em 7,3 milhões de estabelecimentos, uma média de R$ 4,1 mil por mês em cada comércio, a Cielo processou R$ 221,3 bilhões em pagamentos em 1 milhão de negócios, ou R$ 67,4 mil por mês em cada estabelecimento.

E o pior é que o consumo que deixa de ser feito durante o jogo não necessariamente será compensado em outro momento.

“O consumidor que viu o jogo em casa e não almoçou no restaurante ao qual ele normalmente vai quando está no escritório não vai fazer esse consumo depois do jogo”, disse à Agência TradeMap o consultor Edson Santos, especialista no setor de pagamentos e sócio-fundador da Co.link Business Consulting. “E o prestador de serviço que atende de porta em porta não será recebido na hora do jogo.”

Em dias de jogos do Brasil, o impacto é ainda maior.

Ex-CFO da Redecard, Santos lembra que, na Copa de 2006, na Alemanha, os jogos aconteceram em horários comerciais, assim como em 2022. Naquela época, o gráfico em tempo real das transações processadas nas maquininhas da Rede mostrava que havia uma queda brusca quando a seleção brasileira entrava em campo.

“Teve um dia que teve jogo de Portugal [contra Inglaterra, nas quartas-de-final] perto de meio-dia e depois tinha um jogo do Brasil [contra a França, na mesma fase, às 16h]. No jogo de Portugal, teve uma queda pequena. Mas no do Brasil as transações foram quase a zero”, disse o consultor.

Os shoppings também sentem o impacto. Os analistas Danniela Eiger, Ygor Altero, Gustavo Senday e Thiago Suedt, da XP, visitaram 40 lojas em dois shoppings de São Paulo na semana passada e contaram, em relatório distribuído a clientes da corretora nesta semana, que viram um fluxo menor de pessoas, em razão da Copa e dos jogos da seleção brasileira, além de uma Black Friday mais fraca.

Os analistas concluíram que a Copa tem sido um ponto negativo para o fluxo de clientes, mesmo com um aumento na demanda por TVs e itens relacionados ao futebol.

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De acordo com eles, a Fast, especializada em venda de eletrônicos, foi uma das que estavam otimistas, destacando uma forte demanda incremental por TVs, à medida que a seleção brasileira avança de fase na competição, enquanto a Americanas (AMER3) teve uma postura mais negativa.

Antes de a Copa começar, algumas empresas demonstraram uma expectativa positiva para o evento esportivo, porém ligadas ao varejo que em geral se beneficia do evento: lojas que vendem TVs e que comercializam materiais esportivos.

O Magazine Luiza, por exemplo, depois de ter anotado um prejuízo de R$ 146 milhões no terceiro trimestre e uma tímida alta de 3% na receita em relação a igual período do ano passado, apontou a Copa como um dos motivos pelos quais estava confiante em números melhores no quarto trimestre, ao lado do Natal e da Black Friday.

“Todo o ecossistema do Magalu se preparou para oferecer a seus clientes tudo o que eles precisam para acompanhar os jogos, torcer e comemorar. Desde uma Smart TV nova para assistir aos jogos, às camisetas da seleção brasileira e à comida entregue na hora do jogo”, disse a empresa, no relatório do balanço do terceiro trimestre.

O Grupo SBF, dono da Centauro, notou que as vendas impulsionadas pela Copa já vinham dando frutos antes de a competição começar e ajudaram a amenizar os efeitos negativos que apareceram no terceiro trimestre, como o inverno mais rigoroso no período.

“Contudo, no decorrer dos meses do [terceiro] trimestre, conseguimos recuperar o ritmo de vendas com destaque para o evento de dia dos pais [em agosto] e para as vendas de produtos de Copa do Mundo”, disse a companhia à época.

Por outro lado, apesar dos estímulos que a Copa, a Black Friday e o Natal podem dar ao consumidor, o momento macroeconômico do Brasil não é fácil.

Com a taxa básica de juros a 13,75% ao ano, no maior nível desde 2017, o nível de endividamento do brasileiro segue elevado, o que faz a população priorizar o pagamento das dívidas, em vez de consumir mais.

Segundo dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio), o percentual de famílias endividadas no Brasil atingiu 78,9% em novembro, alta de 3,3 pontos percentuais ante novembro de 2021.

Além disso, a pesquisa apontou também que houve um aumento do grau de cautela, com 17,5% das famílias afirmando que se consideram “muito endividadas”, alta de 0,2 p.p. contra outubro e de 2,7 p.p. em relação a novembro de 2021.

Outro ponto que chama atenção é o aumento no volume de consumidores com mais da metade da renda comprometida com o pagamento de dívidas. “Em média, o brasileiro precisou gastar 30,4% de toda a sua renda apenas para pagar dívidas em novembro, isso sem contar as contas de consumo”, disse a CNC no relatório da pesquisa.

De qualquer forma, ainda que a Copa possa atrapalhar uma parte do varejo, o consultor André Pimentel, sócio da Performa Partners, afirma que há poucas informações sobre os reais efeitos do evento no setor.

Há algumas conclusões mais intuitivas, como o aumento da venda de televisões e a queda em restaurantes em dias de jogos. No entanto, há um elemento novo nesta Copa que pode embaralhar ainda mais o cenário: o fato de que a competição está ocorrendo no fim do ano, junto com Black Friday e perto do Natal, o que pode afetar negativamente até a venda de aparelhos de TV.

“Antes, com a Copa em junho, você tinha um pico de venda de televisão entre o fim do primeiro trimestre do ano e o início do segundo trimestre. Agora, com a Black Friday junto, pode ter havido um impacto”, disse.

Seja como for, será preciso esperar os balanços das empresas do varejo para o quarto trimestre para ter uma ideia mais clara dos reais efeitos de uma Copa no fim do ano. O que é certo é que a seleção brasileira enfrenta a Croácia pelas quartas-de-final daqui a pouco, às 12h, e as ruas estarão vazias.

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