Uma grande empresa que precisa de dinheiro costuma recorrer a dois caminhos básicos: ou emite ações na Bolsa, para captar recursos de investidores, ou pede emprestado.
O pedido de empréstimo não necessariamente tem de ser feito a um banco, mas pode ocorrer também na própria Bolsa, com os mesmos investidores que poderiam comprar suas ações.
Em resumo, a empresa anuncia que está disposta a assumir uma dívida e o investidor avalia se topa entrar ou não. Se topar, empresta seu dinheiro a juros previamente combinados.
Ao longo dos últimos 12 meses, esse tipo de captação foi mais procurado pelas empresas.
Até a segunda-feira passada, dia 26 de setembro, o total das dívidas corporativas na praça somava R$ 1,22 trilhão, 32% a mais que exatamente um ano atrás, segundo dados da B3.
A maior parte desse montante – ou cerca de 80% – se refere à chamada “debênture”, esse palavrão que provavelmente você já leu em alguma reportagem de economia e finanças.
Mas também há outros dois tipos menos populares, que também aparecem aqui e ali: os CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) e os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), que, como os próprios nomes indicam, são voltados a setores específicos, enquanto as debêntures são dívidas que servem para qualquer empresa.
Mas por que as companhias têm tomado mais dívidas?
A razão principal está no momento desfavorável que vive o mercado de ações.
Como os juros estão mais altos (a Selic está em 13,75% ao ano, o maior patamar desde 2017), o investidor está menos propenso a investir em empresas, dando preferência à renda fixa.
O resultado disso é que os IPOs praticamente desapareceram da Bolsa. Em 2022, não houve nenhum. Sem falar nas desistências, que somam 25.
As emissões de ações só têm ocorrido por meio do chamado “follow on”, que é quando uma empresa que já está na Bolsa decide colocar mais ações em circulação no mercado.
E olhe lá. Há duas semanas, circulou no mercado um boato de que a Localiza, que tem ações na Bolsa desde 2005, estava pensando em fazer um follow on, para financiar uma expansão da empresa, mas uma reportagem do Brazil Journal mostrou que, na verdade, a companhia tem preferência por – adivinhe só – se financiar com dívida.
Na Fortezza Partners, uma empresa que presta assessoria para companhias que buscam captar recursos, a percepção é de que casos como o da Localiza estão mais frequentes, com os negócios precisando de mais dinheiro para investir na ampliação da operação.
“Os economistas começam a apontar uma série de segmentos que estão chegando ao limite da capacidade produtiva”, disse à Agência TradeMap o sócio-diretor da Fortezza, Denis Morante.
As companhias, no entanto, também têm demandado recursos para tocar o dia a dia, como a Cielo, que há um mês anunciou a emissão de R$ 3 bilhões em debêntures, para capital de giro, e a Natura, que anunciou R$ 1 bilhão em debêntures para pagamento de aluguéis.
Além disso, é comum que as companhias tomem novas dívidas simplesmente para substituir dívidas antigas que já estão vencendo.
Para o consultor Marcos André Almeida, sócio-líder de Deal Advisory da KPMG, as trocas de dívidas estão mais frequentes porque muitas empresas emitiram debêntures para tentar aproveitar a queda dos juros durante a pandemia, com a Selic caindo ao patamar de 2% ao ano em 2020, no menor nível da história.
“Os juros estavam muito baratos e estava fácil captar. As condições pioraram e, conforme a dívida vai vencendo, precisa renovar”, afirma o consultor à Agência TradeMap.
A troca de dívida é especialmente importante para empresas que têm tocado uma agenda de fusões e aquisições, que demandam dinheiro em caixa para pagar as parcelas combinadas nas transações, em geral com prazos longos.
Como houve um “boom” de IPOs em 2021, as fusões e aquisições seguem aquecidas. No primeiro semestre, foram 1.014 transações desse tipo, alta de 25% em relação à primeira metade do ano passado.
“Ainda tem muita fusão e aquisição acontecendo e as empresas precisam se financiar para executar isso”, disse Carlos Zanotta, sócio de Auditoria da Deloitte, à Agência TradeMap.
Juros pararam de subir
As dívidas já vinham em alta ao longo do ano, mas ganharam um impulso a mais na semana passada, com a decisão do Banco Central (BC) de interromper o ciclo de alta da Selic, que estacionou em 13,75%.
Como a expectativa do mercado é de que a Selic não suba mais e volte a cair em 2023, as empresas que tomarem dívidas atreladas ao CDI podem esperar juros menores nos próximos meses, caso o cenário não mude.
Segundo estimativas colhidas pelo BC e apresentadas no boletim Focus, analistas de mercado projetam a Selic a 11,25% ao fim de 2023, mas ainda bem mais alta que a mínima histórica atingida no início da pandemia, de 2%.
Morante, da Fortezza, porém, não vê essa “distância” como um problema. Ele lembra que as empresas brasileiras são acostumadas a captar dívidas com juros altos, a dois dígitos. Afinal de contas, o Brasil é conhecido por juros historicamente altos, e não o contrário.
“O que vimos em 2020 e 2021 foi uma exceção”, ele disse.
E enquanto as companhias correm para se readaptar aos tempos mais antigos, o investidor agradece pela oportunidade de emprestar para grandes empresas a juros elevados, principalmente se o capital está sendo demandado para financiar uma expansão e não para socorrer um negócio que esteja em apuros.
“O investidor não está com apetite para o mercado de ações, mas, para ele, é interessante comprar dívida com juro alto”, disse Zanotta.
E também não dá para dizer que falta dinheiro. Pelo contrário. O mercado vê uma abundância de recursos a serem investidos, esperando uma boa oportunidade.
“Não há uma crise de liquidez, tanto é que os bancos não estão freando o crédito”, disse Morante, da Fortezza.
Embora os empréstimos feitos pelos bancos sejam um outro tipo de negócio, olhar para os dados fornecidos pelas instituições financeiras vale em uma tentativa de dimensionar a demanda das companhias por dívida em geral.
O Bradesco e o Itaú, por exemplo, dois maiores bancos privados do país, elevaram os empréstimos para grandes empresas em 17,1% e 13,7%, respectivamente, no segundo trimestre, em relação a igual período do ano passado.
Também conta a favor do mercado de dívida que o cenário tem menos incerteza, tanto para quem está tomando a dívida quanto para quem está emprestando, mesmo que o país esteja prestes a enfrentar uma eleição presidencial marcada pela polarização.
Já há uma maior clareza sobre a Selic, que parou de subir, e também sobre a inflação, que dá sinais de desaceleração. A pandemia não voltou a ter novas ondas e a guerra na Ucrânia, que bagunçou o mundo no início do ano, já não assusta mais tanto os investidores.
“Por incrível que pareça, o Brasil está mais estável agora do que no início do ano”, afirma Zanotta, da Deloitte.
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E daqui para frente?
A tranquilidade em torno das eleições é um indicativo de que o mercado está menos preocupado com o resultado do que em pleitos passados.
Até porque os dois candidatos que lideram as pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), não se apresentam como “grandes reformistas”, na visão de Morante, da Fortezza.
“Todo mundo flerta com o populismo. Não vejo grandes revoluções no Brasil”, ele disse.
Seja como for, com o mercado tendo a clareza de qual será o próximo governo e com a expectativa de que os juros voltem a cair em 2023, espera-se que a renda variável volte a ganhar força, abrindo espaço para novos IPOs, tanto os que foram adiados como com os novos interessados que devem aparecer.
Essa retomada da renda variável, no entanto, não deve ofuscar o mercado de dívida, acredita Zanotta, da Deloitte.
Para ele, como há essa demanda “reprimida” pelos IPOs que não aconteceram em 2022 e outras empresas também vão se candidatar, não haverá recurso para todas, o que obrigará uma parte do mercado a seguir para a dívida.
“Vai ter muita disputa pelo mesmo recurso. Os dois tipos de captação vão coexistir”, ele disse.