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Gestoras estrangeiras aproveitam ações baratas no Brasil, mas não veem mudança de fundamento; saiba onde os “gringos” veem oportunidades

"É preciso tomar cuidado para não achar que o estrangeiro está 'bullish' em Brasil", diz gestor da abrdn

Foto: Divulgação / B3

A busca de investidores por ações de valor, como commodities e bancos, nos mercados considerados baratos aumentou o fluxo de investimentos estrangeiros no Brasil e sustenta a alta de 8,4% do Ibovespa em 2022. Porém, para as gestoras estrangeiras Franklin Templeton e abrdn (Aberdeen Standard Investments), o movimento parece ser pontual, sem ligação com uma eventual mudança de visão dos investidores de fora em relação ao país, uma vez que os fundamentos do mercado brasileiro seguem iguais.

“Temos observado um fluxo positivo para mercados emergentes de maneira geral, e a região da América Latina toda, incluindo o Brasil, se beneficia disso por consequência”, afirma Eduardo Figueiredo, chefe de renda variável no Brasil e gestor dos fundos de América Latina da abrdn. A gestora administrava 465,3 bilhões de libras (cerca de R$ 3,3 trilhões) em ativos em junho de 2021 (últimos dados disponíveis).

Em janeiro, o aporte líquido dos investidores estrangeiros na bolsa brasileira somou R$ 32,5 bilhões. Em fevereiro, até o dia 8, o saldo estava positivo em R$ 7,1 bilhões. O fluxo para a conta financeira do Brasil, registrado pelo Banco Central no ano até 4 de fevereiro, mostra que de fato houve entrada de recursos novos para o mercado brasileiro, com saldo positivo de US$ 9,465 bilhões.

O diretor de investimentos da Franklin Templeton no Brasil, Frederico Sampaio, acredita, contudo, que esse movimento seja mais tático, com investidores estrangeiros aproveitando o preço descontado das ações brasileiras. “Não é que tenha mudado o cenário para o Brasil para justificar a entrada”, diz. A Franklin tinha US$ 1,5 trilhão em ativos sob gestão no mundo em setembro.

Para os gestores, a volta do capital de longo prazo para o Brasil depende de reformas e do crescimento sustentado da economia.

“É preciso tomar cuidado para não achar que o estrangeiro está ‘bullish’ [com posição otimista] em Brasil, complacente com os riscos políticos”, diz Figueiredo.

A abrdn está com uma posição marginalmente “overweight” em Brasil, acima da média de alocação dos índices de ações de mercados emergentes.

“Temos um horizonte de longo prazo. Não enxergamos que é o momento para aumentar a posição em Brasil. Gostaríamos de ver as coisas ficarem mais claras no campo político e econômico para estarmos confortáveis com uma posição estrutural em Brasil”, diz Figueiredo. Ele também acredita que os estrangeiros vieram à Bolsa brasileira por causa dos preços das ações em comparação aos dos pares em outros países e da taxa de câmbio.

Sampaio, da Franklin Templeton, lembra que a Bolsa brasileira chegou a negociar em 2021 com um preço equivalente a 7,5 vezes o lucro em 12 meses, abaixo da média histórica de 11 a 11,5 vezes. A relação está hoje em 8,3 vezes.

“Só atingimos esse patamar em 2009, após a crise financeira, e em 2012. Por mais que tenhamos medidas populistas, não estamos em situação equivalente à do passado e nem as perspectivas de crescimento são tão ruins quanto lá atrás”, diz.

O bom desempenho das commodities também contribuiu para atrair investimentos estrangeiros à Bolsa brasileira, cujo índice tem um grande peso em empresas voltadas a produção de matérias-primas, diz Sampaio. O preço do minério de ferro subiu 27% neste ano, acima de US$ 150, enquanto o preço do barril de petróleo tipo Brent aumentou cerca de 17%, negociado acima de US$ 90.

Além disso, outros mercados emergentes tiveram recentemente questões domésticas que aumentaram seus riscos, como o cenário geopolítico da Rússia com a Ucrânia e o aumento da regulação das empresas na China ano passado, o que beneficiou o Brasil, lembra Figueiredo.

Para Sampaio, o valuation descontado ajuda a atrair fluxo de curto prazo, mas, para ter entrada de capital de longo prazo, é preciso ter redução das incertezas e crescimento sustentado do Brasil.

Gestoras preferem empresas menos dependentes de cenário doméstico

Diante das incertezas no mercado doméstico, tanto no campo fiscal quanto no político, com o cenário eleitoral ainda bastante indefinido no Brasil, a abrdn tem preferido focar em ações de companhias menos dependentes de ciclos econômicos e menos expostas a riscos regulatórios.

“Gostamos de empresas que ofereçam potencial de consolidação, como uma Arezzo (ARZZ3), por exemplo, que era de calçados e agora está entrando em vestuário, e que tem ‘price power‘ [poder de mercado para elevar os preços] e é pouco dependente do cenário macroeconômico para executar suas estratégias”, diz Figueiredo.

Outras empresas com essas características citadas por ele são a Rumo, de transporte de cargas via ferrovia, o Grupo NotreDame Intermédica (GNDI3), do setor de saúde (cujas ações serão incorporadas pela Hapvida), e a WEG (WEGE3), fabricante de máquinas e equipamentos. “A Rumo (RAIL3) tem projetos com uma taxa de retorno atrativa e é pouco dependente do que acontece com o PIB do Brasil”, diz.

No setor de tecnologia, o gestor da Aberdeen destaca a Totvs (TOTS3), que tem em sua visão um mercado endereçável grande e apresenta boas margens.

Entre as empresas mais cíclicas, o gestor da abrdn vê oportunidades nos papéis dos grandes bancos, que devem se beneficiar do aumento das taxas de juros. “Esses bancos estão entregando um retorno positivo e estão com valuation descontado em relação a algumas fintechs”, diz.

O gestor da Franklin Templeton também vê os preços das empresas cíclicas de commodities como atrativos. “As ações da Vale (VALE3) e das siderúrgicas estão surfando o bom momento das commodities”, diz. “As ações estão baratas, mas a médio e longo prazo não é algo trivial.”

Após a forte queda das ações de tecnologia, que envolve de empresas de serviços em nuvem a e-commerce no Brasil, Sampaio acredita que o valuation dessas companhias, como Locaweb (LWSA), já está “bastante razoável”. “Um múltiplo de preço/lucro de 30 vezes para uma empresa que tem o crescimento de receita de 70% não é baixo, mas é bastante razoável”, diz Sampaio.

Redução da posição em estatais com risco eleitoral

Diante da incerteza sobre a nova política econômica do próximo governo e dos riscos regulatórios, a abrdn reduziu a posição de longo prazo que mantinha em Petrobras (PETR4). A gestora já foi uma das maiores acionistas minoritárias da companhia e chegou a assumir uma postura ativista na empresa em alguns momentos.

“Reduzimos a posição em Petrobras neste ano nos mandatos globais. Aainda temos alocação nos portfólios de América Latina, mas é uma posição menor do que foi no passado”, diz Figueiredo.

O gestor da abrdn destaca, contudo, que ainda vê a estratégia da empresa como positiva, apresentando perspectiva de geração de caixa e de pagamento de dividendos atrativo, mas tem uma visão cautelosa mais à frente para a companhia, que é a única estatal brasileira na carteira da gestora.

Volta de capital de longo prazo depende de reformas

A volta do capital de longo prazo para Brasil vai depender da política econômica que será adotada pelo próximo governo e da implementação de reformas para reduzir o risco fiscal e promover o crescimento estrutural do país, afirmam os gestores.

“Para onde o modelo macroeconômico vai e o que vai ser feito para destravar o crescimento de maneira estrutural são fatores que naturalmente todo mundo observa e que podem permitir que o Brasil seja destino de capital mais permanente e menos especulativo”, diz Figueiredo.

Para o gestor, o investidor estrangeiro tem uma visão mais pragmática e está menos preocupado com quem vai ganhar a eleição, e mais com o modelo econômico que será adotado no próximo governo. “Nesse sentido, ainda está cedo para afirmar com convicção qual vai ser o modelo econômico de Bolsonaro, que está testando os limites do arcabouço fiscal e com governabilidade ruim, ou de Lula”, diz.

Para Sampaio, a incerteza sobre o cenário eleitoral só deve começar a diminuir a partir de abril ou maio. “Ninguém acha que vai ter uma venezuelização no Brasil, mas a incerteza ainda é grande. Talvez, quando tivermos mais clareza sobre o que vai ser a eleição, poderemos ter mais fluxos táticos [de curto prazo], mas para o Brasil voltar a ganhar relevância nos portfólios globais precisamos ver uma sequência de anos de crescimento.”

A projeção de crescimento para o PIB brasileiro nos próximos três anos, de acordo com o último Boletim Focus de 7 de fevereiro, não passava de 2%.

O gestor da Franklin Templeton lembra que a posição do Brasil nos índices de ações internacionais foi reduzida ao longo dos últimos anos em função do baixo crescimento, perdendo espaço para os países asiáticos, principalmente China.

O peso do Brasil no índice MSCI de mercados emergentes, que foi de 17%, estava em 4,51% em 31 de janeiro, enquanto o da China era de 32,08%.

Alta de juros nos EUA pode impactar fluxo para Brasil

A preferência dos gestores globais por empresas de valor, como commodities e bancos, que tem beneficiado o Brasil, vai depender da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos. “Se tivermos uma inflação mais alta por um período prolongado, que leve a um aperto monetário mais rápido do que o previsto, tem, sim, um cenário favorável a empresas de valor, que pode se prolongar por mais tempo”, diz Figueiredo.

Uma reversão desse cenário, contudo, pode acontecer, se o ciclo de aperto de juros mais forte começar a ter grande impacto em crescimento, pontua. “O cenário parece bastante em aberto.”

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