Em um ano que combinou a renda fixa mais atrativa desde 2017 e eleições presidenciais particularmente acirradas, a Bolsa brasileira viu a participação dos investidores locais nos negócios se reduzir ao menor patamar da história, com a entrada de estrangeiros batendo recorde.
Com clientes pedindo o resgate de investimentos mais arriscados e a desconfiança de gestoras com a mudança de governo, antes e depois das eleições, os fundos de investimentos sacaram R$ 142 bilhões do mercado secundário da Bolsa no ano passado, enquanto investidores de outros países aportaram R$ 100,8 bilhões.
A sangria continua em 2023. Em janeiro, até o dia 13 (último dado disponibilizado pela B3), os investidores institucionais retiraram R$ 2,9 bilhões do mercado secundário da Bolsa – no mesmo período, o capital gringo teve saldo positivo de R$ 2,9 bilhões.
A fuga dos fundos da Bolsa brasileira tem duas razões principais, que devem continuar influenciando o mercado neste início de ano.
Se 2022 começou com a Selic a 9,25%, a taxa básica de juros escalou a 13,75% ao ano em resposta à disparada da inflação, e deve permanecer em um patamar elevado até o final do ano.
Ao mesmo tempo, o favorito nas pesquisas e depois vencedor das eleições, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), só informou quem seria o ministro da Fazenda em dezembro, e quando o fez frustrou expectativas ao anunciar o nome não alinhado ao mercado, o de Fernando Haddad.
O mercado melhorou neste ano após o anúncio de medidas para elevar a arrecadação, mas ainda há incertezas na mesa.
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“Os fundos de ações tiveram um ano com muitos resgates, reflexo da renda fixa muito mais atrativa”, aponta Jennie Li, estrategista de ações da XP Investimentos. “E as gestoras ficaram com o pé atrás com as incertezas das eleições. É provável que essa saída seja uma mistura dos resgates dos cotistas e também dos gestores preocupados com a incerteza do cenário político e fiscal, principalmente após o segundo turno.”
11 meses no vermelho
Os dados da B3 mostram que os fundos de investimento tiraram dinheiro do mercado secundário da Bolsa em todos os meses de 2022, com exceção de abril.
Somente entre novembro e dezembro (ou seja, após o segundo turno das eleições), retiraram R$ 24,9 bilhões da Bolsa brasileira, em um contexto de declarações polêmicas de Lula sobre a política fiscal e indefinição da equipe econômica.
Dez dias após vencer o segundo turno das eleições, o presidente defendeu a ampliação de gastos públicos, criticou o teto de gastos e a reforma da Previdência e disse que trabalharia por mudanças na legislação trabalhista.
Analistas políticos depois apontaram que o discurso mirava apoio de parlamentares para a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, mas o estrago no dólar, juros futuros e Ibovespa já estava feito.
Li, da XP, lembra que foram poucas empresas, as mais miradas pelos estrangeiros, que permitiram ao Ibovespa fechar 2022 no azul – o índice terminou o ano passado em alta de 5%. “Foi difícil escolher ações por causa do cenário macroeconômico lá fora e aqui no Brasil também.”
Os investidores pessoa física acompanharam o pessimismo dos fundos, e ficaram no vermelho em R$ 1,8 bilhão em 2022. Entre novembro e dezembro, os pequenos investidores aportaram R$ 1,7 bilhão da Bolsa, o que ficou longe de compensar a saída de R$ 5 bilhões em outubro, quando o primeiro turno mostrou Lula na frente com 48,4% dos fotos.
Gringos love Brazil?
Nada disso importou muito para os investidores estrangeiros.
Em um ano de invasão da Ucrânia pela Rússia, lockdowns rigorosos na China e hiperinflação na Turquia, com preços e juros disparando globalmente, o Brasil pareceu uma boa opção aos olhos gringos, que aportaram R$ 100,8 bilhões no mercado secundário, maior valor da história. Nos dois últimos meses do ano passado, após o segundo turno, a entrada foi de R$ 16,6 bilhões.
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Dados do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), que faz um levantamento sobre o fluxo de recursos para países emergentes, ajudam a ilustrar esse movimento. Em 2022, o total direcionado para ações e títulos de países em desenvolvimento se reduziu a US$ 33,7 bilhões, queda de 91% na comparação com os US$ 379,6 bilhões registrados em 2021.
Em dezembro, o fluxo a mercados em desenvolvimento foi de somente US$ 1,7 bilhão, forte queda em relação aos R$ 36,6 bilhões em novembro. A instituição atribuiu o tombo a “bolsões de riscos” em algumas regiões do planeta, e destacou que a única região que registrou entrada de recursos em dezembro foi a América Latina.
Gringos já tem 56% de peso na B3
Foi assim que os gringos atingiram uma participação de 54,8% entre os investidores da B3 no ano passado (incluindo aí IPOs e follow-ons), segundo dados coletados pela XP Investimentos no sistema de dados da Bolsa. Em janeiro, até o dia 13, esse peso se elevou ainda mais, a 56%, o maior desde pelo menos 2015, segundo a série histórica reunida pela corretora.
“Apesar dos nossos problemas, ficamos como a opção menos ruim comparados com outros emergentes. Esse fluxo forte de recursos estrangeiros sustentou boa parte das altas da Bolsa, em especial em setores ligados a commodities e bancos”, diz Li. “Ou seja, setores mais defensivos, refletindo um cenário do investidor estrangeiro buscando proteção contra inflação e juros altos.”
A estrategista lembra que a renda fixa em grandes economias, como a americana, teve um ano historicamente ruim. “Enquanto as taxas dos treasuries [títulos públicos americanos] subiam, os preços dos ativos começaram a cair. O retorno total dessa classe de ativos nos Estados Unidos teve queda de 13%.”
A fatia dos fundos, que atingiu um pico de 35,2% em 2019, caiu a 25,7% em 2021 – a participação foi mantida no ano passado, e caiu ainda mais, a 23,3% neste mês.
E daqui para a frente?
A chegada de 2023 não deve mudar muito essa dinâmica, pelo menos no curto prazo: investidores estrangeiros sustentando a Bolsa enquanto os fundos de investimento, forçados pelos resgates de cotistas interessados em uma renda fixa atraente, continuam a sair.
Tudo indica que a taxa básica de juros (Selic) cairá neste ano, mas analistas do Boletim Focus vem revisando para cima sua projeção para o final do ano – a atual é de 12,50% ao ano.
Enquanto isso, o cenário internacional continua desafiador, com os juros em alta nas grandes economias do mundo, a continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia e temores de uma recessão global.
Na avaliação de Li, da XP, os investidores estrangeiros continuarão a sustentar a Bolsa neste início de ano, já que o cenário macroeconômico externo se mantém desafiador. “Tudo vai depender da política fiscal”, apontou. “Ao mesmo tempo, não há tantas boas opções de investimento no mundo, que viveu os últimos três anos com incertezas.”