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Dólar tem espaço para subir, mas em ritmo mais devagar, diz ex-diretor do BC José Júlio Senna

Para Senna, comportamento do real, que cai 4% em setembro frente ao dólar, vai depender da sinalização da política fiscal no próximo governo

Foto: Divulgação

O fortalecimento global do dólar, que atingiu o maior patamar frente a uma cesta de moedas de países desenvolvidos em setembro, tem espaço para continuar, mas não no mesmo ritmo, afirma José Júlio Senna, ex-diretor do BC e atual chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV à Agência TradeMap.

Em setembro, o índice DXY, que acompanha o desempenho do dólar frente a uma cesta com as principais moedas, atingiu o maior patamar em 20 anos.

O forte aperto monetário nos EUA, com o banco central americano (Federal Reserve) elevando os juros para o maior patamar desde 2008, tem sustentado a valorização do dólar.

Como as taxas no país estão maiores do que em outras economias avançadas – e tendem a subir ainda mais -, os investidores acabam sendo atraídos para a renda fixa americana em detrimento de outros mercados. Isso, associado a fatores locais, resulta em desvalorização de outras moedas.

Na Inglaterra, por exemplo, a libra derreteu ao menor nível desde 1985, quase atingindo a paridade com o dólar. Além de os juros por lá estarem menores que nos EUA, o governo anunciou recentemente um plano de estímulo econômico para evitar a recessão que aumentará as despesas públicas e que gerou desconfiança no mercado.

Senna acha que o Fed precisará aumentar os juros para um nível maior que o esperado pelo mercado para conseguir trazer a inflação americana à meta de 2% ao ano. Nos EUA, segundo ele, é necessário um aperto monetário maior do que na Europa.

Nesse cenário, o comportamento do real, que cai 4% em setembro frente ao dólar, vai depender da sinalização da política fiscal no próximo governo. Uma política de responsabilidade fiscal crível, segundo Senna, poderia reduzir a percepção de risco no Brasil e permitir a valorização do real frente ao dólar. Veja abaixo os principais trechos da entrevista com o economista.

Temos visto o fortalecimento global do dólar frente às principais moedas. Esse movimento tende a continuar?

A análise do câmbio começa com o comportamento da inflação na zona do euro e nos EUA. Na zona do euro, como a inflação é derivada mais de choques, especialmente da alta dos preços de energia, a motivação para fazer um aperto monetário é menor.

A política monetária é menos eficaz para lidar com choques do que com pressões de demanda como têm nos EUA, que estão com mercado de trabalho apertado.

Então, por si só a trajetória da política monetária nos EUA seria muito mais forte do que na Europa, de modo que o diferencial de juros iria se alargar.

Além disso, os europeus têm uma motivação menor para subir juros porque vivem no quintal da guerra, que se tornou elemento fundamental na questão dos choques.

Fora isso, um aperto monetário muito forte na zona do euro derruba a atividade econômica de forma generalizada e afeta mais os países mais frágeis, e isso traz riscos para os papéis soberanos desses países.

Há um programa de apoio aos papéis soberanos dos países europeus, mas o país para ser elegível ao apoio precisa estar com a casa em ordem. E existem muitas dúvidas se eles vão fazer o que está combinado, especialmente na Itália com a vitória da Meloni [Giorgia Meloni] e da coligação de direita lá, cujos partidos são eurocéticos, que não tem apreço à zona do euro.

Não estou dizendo que eles não cumprirão o combinado ou que o BCE (Banco Central Europeu) não vai vai apertar os juros, mas vai ficar sempre a dúvida: se eu apertar muito, como eles vão reagir?

E nesse ambiente de dólar forte, a primeira ministra inglesa [Liz Truss] ainda dá uma mancada gigantesca ao anunciar um alívio tributário financiado por aumento de dívida.

Não é de surpreender que a libra tenha ido para perto da paridade e os mercados de juros tenham entrado em modo de pânico, que levou o BoE (Banco da Inglaterra) a intervir para tentar acalmar. E para fazer isso tiveram que suspender o quantitative tightening, programa de venda de títulos, e passaram a comprar esses ativos. 

Por essas razões, ainda vejo espaço para o dólar continuar se valorizando, mas não no mesmo ritmo, não na mesma intensidade.

Há o risco de uma crise como ocorreu em 1992, que levou o megainvestidor George Soros a apostar contra a libra?

Ali era bem diferente a situação. Havia o funcionamento do câmbio fixo [em que os países que faziam parte do  Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio eram obrigados a manter a moeda negociado dentro de uma faixa definida] com os países europeus tentando comprar sua credibilidade fixando o valor das moedas ao marco alemão. Não era como hoje que o câmbio é flutuante.

Acontece que a unificação da Alemanha obrigou os alemães a colocar os juros na lua. O Reino Unido ensaiou fazer isso, mas percebeu que seria uma bobagem porque iria matar a economia. E o George Soros sacou que a ação ia ser essa, que a libra ia acabar se desvalorizando, apostou contra e ganhou muito dinheiro. Hoje não é assim, o câmbio é flutuante e não vejo relutância do BoE em continuar subindo juros.

A taxa de juros nos EUA está no maior patamar desde 2008 e o Fed anunciou que deve ir além. Existe o risco de nova crise financeira global?

Uma crise como a gente viveu em 2007 e 2008 eu diria que é um risco baixo. Naquela época, a regulamentação era muito frouxa, as instituições financeiras estavam muito alavancadas, tinha muito risco. Agora as instituições financeiras estão saudáveis e bem capitalizadas.

Não parece que  tenha ameaça de crise financeira pela frente.Mas para trazer a inflação para a meta, vai precisar de mais juros nos EUA do que o mercado está esperando.

As próprias projeções do Fed não parecem muito realistas, especialmente porque tem uma incoerência nas projeções de taxa de desemprego e inflação, prevendo queda para 4,4% e 2,8% respectivamente no ano que vem. No meu ver,  ou o desemprego vai a 4,4% e inflação será superior a 2,8% ou a inflação vai a 2,8% e o desemprego vai ser muito maior que 4,4%. Aí precisa de mais juros do que o Fed está prevendo [ de 4,6% no fim do ciclo]. E isso não está nos preços. Então pode haver consequências severas para a atividade econômica e para as empresas de modo geral.

E como isso afeta o Brasil?

Nossa taxa de câmbio é sempre determinada pela percepção de risco, pela política monetária doméstica e o diferencial de juros, e pelo comportamento do dólar lá fora. E quando o dólar está mais forte lá fora é difícil a gente escapar de pressões sobre o câmbio aqui também.

Sempre que há uma piora da percepção de risco no país, por exemplo, com dúvidas sobre a solvência da dívida pública, os ativos brasileiros sofrem.

O Brasil está em condições melhores que os pares, tem volume grande de reservas internacionais, déficit em conta corrente baixo, mas talvez a percepção de risco tenha piorado em função das discussões fiscais.

Todo mundo está falando de uma licença para o governo gastar fora do teto de gastos [medida que limita o aumento de despesas públicas à inflação do ano anterior] no ano que vem.

Por outro lado, a gente tem um eleição daqui a poucos dias que pode ser extremamente importante. Independentemente de quem vença as eleições, alguma coisa precisa ser explicitada de como será a política econômica daqui para frente. Se for bem recebida, e mostrarem uma política fiscal consistente e crível, com credibilidade, a percepção de risco pode cair e o real se fortalecer frente ao dólar .

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