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Sociedade vai ter que escolher nas eleições qual tamanho de Estado quer, diz Funchal

Para o CEO da Bradesco Asset, teto de gastos permitiu redução dos prêmios de risco e Brasil está melhor que pares emergentes

Silvia Rosa

Silvia Rosa

Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset Management e ex-secretário Especial do Tesouro Nacional. Foto: Divulgação

A sociedade brasileira terá que escolher, nas eleições presidenciais deste ano, qual o tamanho do Estado que deseja: um que gaste mais, o que é sinônimo de aumento de impostos, ou um que dê maior espaço para o setor privado, sem necessidade de alta da carga tributária.

Essa é a avaliação de Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset Management e ex-secretário Especial do Tesouro Nacional, em relação ao atual cenário político. Atualmente, as pesquisas eleitorais mostram forte polarização de intenções de voto entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (PL).

“Em termos mais macro, pelo direcionamento dos principais candidatos, no fundo vai ser colocada para a sociedade uma escolha de tamanho de Estado. Por um lado, tem um candidato que quer um tamanho de estado menor, com uma carga tributária menor, tanto que há diversas medidas nessa direção, de redução de impostos, e outro quer um Estado um pouco maior e uma carga tributária maior”, afirmou, em entrevista à Agência TradeMap.

Funchal está há um mês no comando da terceira maior gestora do país, responsável por R$ 544 bilhões em ativos, após cumprir quarentena de seis meses com a saída do governo.

Em outubro de 2021, ele e outros integrantes da equipe econômica entregaram seus cargos no Ministério da Economia, em meio a notícias de mudanças no teto de gastos, mecanismo que limita o aumento de despesas à inflação e que é considerado uma medida fundamental para a estabilidade da dívida pública.

Nesta entrevista, Funchal ressaltou que é o teto que vem permitindo que, a despeito da forte alta de arrecadação – que poderia ser a senha para aumento de despesas -, o Brasil tem apresentado bons resultados fiscais.

“Antigamente, aumentava receita, despesa ia atrás. Agora, aumentou a receita, a despesa está travada”, diz. “No fundo, a grande beleza do teto de gastos, e isso se refletiu nas taxas de juros muito baixas no passado, é que é um compromisso de sustentabilidade fiscal.”

Em um momento em que o governo mostra preocupação com a elevação da inflação durante o período eleitoral e tem considerado medidas para reduzir o impacto da alta dos preços dos combustíveis, Funchal afirma que é importante aproveitar a oportunidade para discutir questões como o aumento da concorrência e a privatização da Petrobras. “O importante é não ter qualquer tipo de intervenção [na Petrobras].”

O economista, que foi secretário da Fazenda no governo de Paulo Hartung, no Espírito Santo, acredita que os estados têm hoje condições de absorver o impacto da limitação da alíquota do ICMS em 17% para produtos como combustíveis, energia elétrica, gás natural e serviços de telecomunicações, conforme proposta aprovada na Câmara. Ao mesmo tempo, defende que, se forem adotadas, as medidas de subsídio sejam temporárias.

Apesar da discussão fiscal, Funchal avalia que a percepção de risco do investidor estrangeiro em relação ao Brasil melhorou na comparação com os pares, e vê oportunidades tanto na renda fixa quanto na bolsa.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista, concedida nesta terça-feira (31).

Na segunda-feira (30), houve a divulgação da pesquisa BTG, que reafirmou a possibilidade de o ex-presidente Lula ganhar no primeiro turno, e houve uma reação negativa do mercado. Daqui para a frente, as eleições presidenciais começam a fazer preço?

Falta muita coisa, vai começar ainda o período de propaganda eleitoral, os debates mais profundos, e aí pode começar a ter maior volatilidade. Mas não acredito em grandes volatilidades.

Como ponto positivo, vejo a chance de discutir mais profundamente as agendas, esse será um grande ganho. Qual a proposta de um ou de outro? Ainda está meio no ar. A volatilidade ainda está no que vai ser o futuro com base em experiências passadas. Mas em termos positivos, que acho que tem espaço para caminhar, vão começar os debates e temos que pedir propostas de agenda para o Brasil.

Nessa agenda, o que ainda falta discutir de reformas? Desde o fim do ano passado, houve uma paralisada nessa agenda e até a reversão de alguns pontos, como o cálculo do teto de gastos.

Em relação ao presidente Bolsonaro, fica mais claro quais são as propostas, que é o que já vinha sendo discutido ao longo do mandato. Em relação aos outros candidatos, tem que se colocar quais são os objetivos e como atingir esses objetivos.

Por exemplo, um objetivo importantíssimo para o Brasil: crescimento, que é atingido através de agenda de produtividade. Como conseguimos entregar maior produtividade? É voltar a discutir, por exemplo, a reforma tributária, que é a medida que traria maior impacto em termos de produtividade, porque o sistema tributário brasileiro é supercomplexo, tem um baita contencioso e muitos dos recursos das empresas são direcionados para pagar impostos.

Se conseguirmos ter um sistema tributário mais simples, e todo mundo identifica que essa é uma necessidade, você tem uma percepção de produtividade futura e consegue trilhar um caminho para crescimento. A parte de reforma administrativa tem que voltar para a agenda, a produtividade do setor público.

E o modelo fiscal. Para 2022, ok, estamos tendo um resultado fiscal importante. E 2023, como vai ser?

O que vai segurar a trajetória de estabilidade da dívida? São pontos importantes e que precisam ser discutidos. Quero crescer, quero fazer programa social. A questão é como isso para de pé.

Você vê muitas diferenças do ponto de vista fiscal entre os dois candidatos? Seriam modelos muito distintos?

Em termos mais macro, pelo direcionamento dos principais candidatos, no fundo vai ser colocada para a sociedade uma escolha de tamanho de Estado. Por um lado, tem um candidato que quer um tamanho de Estado menor, com uma carga tributária menor, tanto que há diversas medidas nessa direção, de redução de impostos, e outro quer um Estado um pouco maior e uma carga tributária maior.

Acho que vai ser essa a caracterização. Quero gastar mais, mas vou precisar ter alguma mudança tributária, porque isso não se paga sozinho, não é simplesmente aumento de dívida. Isso tem que ser sustável. Um trabalho que a gente tem que fazer é que as pessoas entendam o que elas estão escolhendo.

Acho que a sociedade pode escolher: quero mais programas sociais, mas sabendo que vou pagar a conta e que custa tanto. Ou outra opção, que pode ser a sociedade optar por mais espaço para o setor privado com uma carga tributária menor, com as empresas gerando emprego.

Então, na eventualidade de uma vitória do ex-presidente Lula, podemos trabalhar com um cenário de aumento de impostos, de mais carga tributária?

Se você está falando em sair do modelo de teto de gastos, gastando mais, se quiser estabilidade de dívida, que é importante para que isso de fato seja sustentável ao longo do tempo, não tem escapatória. Estamos falando de aumento de carga tributária.

Outra alternativa é: não fazer aumento de carga tributária, e isso se reflete no endividamento, que não é sustentável, até porque nossa dívida já está bem mais alta do que os de países pares do Brasil, e com reflexo em juros.

Então, acho que se quiser gastar mais, vai ter que ter mais impostos.

Desde que você saiu do governo, houve uma série de medidas de aumento de gastos. Primeiro, a modificação do próprio teto, o Auxílio Brasil, a discussão da alta de salários para os servidores. Tivemos aumento de arrecadação por causa da inflação, mas como vê a estabilidade da dívida pública?

Acho que os dados fiscais deste ano estão muito bons. O Banco Central acabou de divulgar a estatística fiscal referente a abril e veio um superávit primário acima do esperado, dívida de 78% do PIB [Produto Interno Bruto], basicamente um nível pré-pandemia.

Isso mostra o quão importante é o teto de gastos. Mesmo com as mudanças no passado, ainda é útil para segurar despesas. Na medida em que a receita aumenta por crescimento, preços de commodities, inflação, os gastos não vão atrás. Antigamente, aumentava receita, despesa ia atrás.

Agora, aumentou a receita, a despesa está travada, por mais que tenha havido esse ajuste de R$ 100 bilhões a mais em gastos de um ano para outro [essa abertura de espaço no Orçamento aconteceu a partir da mudança no teto de gastos no Congresso, em 2021].

No fundo, a grande beleza do teto de gastos, e isso se refletiu nas taxas de juros muito baixas no passado, é que é um compromisso de sustentabilidade fiscal. Lá em 2016, se criou um compromisso de que a trajetória de despesas seria predeterminada. A gente sabia como seria a despesa do ano que vem: a despesa deste ano mais a inflação, e assim sucessivamente.

Isso fez os juros caírem muito, e o prêmio de risco do Brasil caiu. Isso tem reflexo na economia real, fica mais barato para a empresa investir, projetos que eram inviáveis passam a ser viáveis. Gera renda, gera emprego. Mas isso estava ligado à trajetória de previsibilidade.

Por que estou falando isso? Porque é importante termos esse modelo para 2023 em diante, que traga essa previsibilidade. E aí cai na discussão eleitoral, em qual o modelo os candidatos vão escolher.

A inflação ainda está em patamar bastante elevado. Vocês acreditam que o Comitê de Política Monetária pode estender o ciclo de alta da Selic até agosto? Como ficam os investimentos nesse cenário?

O BC fez o último aumento [quando a Selic subiu a 12,75% ao ano] e deixou uma janela aberta para fazer novas revisões. Você tem a inflação que sempre está surpreendendo para cima, e a atividade econômica, que continua forte. Hoje, a taxa de desemprego veio abaixo da expectativa [a taxa de desemprego ficou em 10,5% em abril, abaixo do esperado pelo mercado].

Com a atividade forte e a inflação surpreendendo, é possível que venha mais algum aumento. Nossa projeção na Bradesco Asset é de uma Selic a 13,75%. Acho que o Banco Central vai ficar calibrando, até porque, como vem dizendo o diretor Bruno Serra [diretor de Política Monetária do Banco Central], agora temos que começar a ver os efeitos desse aumento. Houve aumentos sucessivos muito rápidos, e há um atraso para ver os efeitos na economia.

Esse aumento de juros acaba se refletindo nas decisões de alocação das pessoas. Em períodos de juros muito baixos, você naturalmente vai para outras opções, como multimercados e fundos de renda variável. Corre um pouco mais de risco.

Esse cenário mudou, mas os investidores continuam buscando investimentos mais sofisticados, que podem dar retornos maiores. É natural que haja uma tendência de migração de multimercados para a renda fixa. Por outro lado, temos um fundo de crédito que está performando super bem e está com bastante captação.

Mas no próprio mercado de ações, de renda variável, tem muita oportunidade. Quando você olha os indicadores do mercado brasileiro, a própria Bolsa está barata, e fundos de renda variável também apresentam oportunidades interessantes de investimento.

Sobre inflação, há um ponto que está preocupando o governo, que é a alta dos preços dos combustíveis. Como vê as medidas que o governo vem adotando, como estabelecer um teto para a alíquota do ICMS? Isso pode impactar os governos estaduais?

Tem várias medidas que estão sendo discutidas, mas é importante entender a origem do problema. É fato que temos carga tributária alta de combustíveis e energia? É fato. Mas o que tem mudado recentemente é o preço do barril de petróleo.

Isso já vem sendo discutido há bastante tempo, desde o governo Michel Temer, e sabemos que é um tema muito sensível. [Elevar a alíquota do ICMS] pode ter impacto na inflação? Pode. Vai ter custos para os estados? Sim. O lado bom é que os estados nunca estiveram em uma situação tão boa como agora. Pode ter uma perda, mas também teve muito ganho de arrecadação.

Acho que pode ter uma solução intermediária. Tem que caminhar para um meio termo, que não fique muito pesado para os estados, mas que tenha algum espaço para a posição do Congresso, que vê isso como relevante neste momento.

Temos visto uma discussão sobre intervenção na política de preços da Petrobras. Qual seria a solução para esse problema?

O importante é não ter qualquer tipo de intervenção [na Petrobras]. No governo Temer, a medida adotada foi a Petrobras dar o subsídio no diesel e o governo compensar. Na época, foi entendido que era um evento imprevisível e emergencial, e por isso esse subsídio não precisava entrar no teto.

O que está acontecendo hoje é mais uma discussão. Não está havendo uma intervenção direta na Petrobras, esse é o ponto mais importante, porque isso traz muita incerteza. Já vimos exemplo de intervenção no passado e o resultado não foi bom.

Que tipo discussão seria positiva? É a discussão que o ministro [da Economia] Paulo Guedes tinha colocado no início do governo e que agora está sendo retomada, de aumento de concorrência do setor, a privatização da empresa.

Agora temos uma grande motivação para esse tipo de discussão. O problema é que isso não vai ser implementado agora, é algo para médio e longo prazo, mas que em algum momento precisa começar.

Quais os setores mais interessantes na Bolsa neste momento?

Todos os de commodities, já que estamos com um ciclo de alta nas cotações e o balanço de pagamentos brasileiro tem se beneficiado disso. Bancos também são um setor relevante.

Conectando um pouco com a agenda microeconômica, houve muitas reformas que avançaram, e há novos mercados sendo ampliados com o marco do saneamento, em ferrovias, com a aprovação de novos marcos regulatórios, em cabotagem. Quando se olha no micro, a economia real está evoluindo bem.

Como vê o interesse de investidores estrangeiros por Brasil?

O lado positivo para o Brasil é que hoje a gente se beneficia de um ciclo de commodities e está bem-posicionado estrategicamente entre os emergentes e em relação a outros países da América Latina por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia.

A percepção de risco relativa melhorou. Hoje o Brasil, em termos de risco, está melhor que seus pares, pensando nos BRICs [grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul].

E as perspectivas de retorno são bastante significativas. Em renda fixa, o juro está bem alto e, na renda variável, a Bolsa está barata. Dado que o risco não piorou e os retornos estão muito altos, acho que a tendência é ter essa percepção positiva dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil.

Quais as oportunidades em renda fixa com a aproximação do fim do ciclo de aperto monetário?

Estamos chegando ao final do ciclo de aperto e tem muito espaço para ter retorno usando a curva de juros do Brasil. Hoje você tem os prêmios nas NTN-Bs [título do Tesouro atrelado ao IPCA], tem os prefixados e tem que ver qual o melhor timing de fato para aumentar a exposição prefixada [em taxa de juros] ou não.

Até nas LFTs [títulos do Tesouro indexado à Selic] é possível ganhar bastante dinheiro. Mas além disso, tem os prêmios acima do nível de juros já altos nas emissões de crédito privado. O que precisa é monitorar como vão evoluir os níveis de inadimplência. A gente percebeu um pouco de aumento.

Estávamos em um período de liquidez muito grande e os spreads [de crédito] diminuíram. Agora devemos ter um período de acomodação, e vai começar esse aumento das taxas de inadimplência. É preciso ter atenção a isso. Mas, fazendo uma boa seleção de empresas, tem espaço para ter bom prêmio com risco controlado, e estamos aumentando a posição em crédito privado em nossos fundos.

 

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