A revisão para cima de metas de inflação já foi feita no passado e não é um grande problema. Mas a alteração das regras do jogo em um contexto de fortes ataques do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, preocupa pelo impacto negativo sobre as expectativas de alta de preços.
A avaliação é do ex-secretário de Fazenda do estado de São Paulo, ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) e um dos maiores especialistas em contas públicas do país, Felipe Salto, que acabou de assumir o cargo de economista-chefe da Warren Renascença.
Ao comentar os rumores de que o BC estaria disposto a ceder e revisar para cima a meta de inflação de 2024, passando-a de 3% para 3,5%, ele lembra que são as expectativas que guiam o BC na condução dos juros. Ao mesmo tempo, avalia que há espaço para a taxa Selic cair ainda em 2023, se os desafios fiscais forem superados.
“Mas os ataques [de Lula a Campos Neto] prejudicam esse movimento, turvam o mercado”, avalia. “A autonomia do Banco Central foi aprovada e vem sendo cumprida. Se há ou não condições de redução dos juros, é o BC que decide.”
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Salto ainda avaliou como positivo o pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que pode reduzir o rombo previsto para 2023 com medidas para elevar a arrecadação. Ele também elogiou as declarações do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, que defendeu ontem a fixação de uma regra de controle de despesas no arcabouço que substituirá o teto de gastos.
“Se mostrou uma disposição”, afirmou. “Dado isso, mudar a meta quando você tem ataques ao Banco Central e uma incerteza sobre o que vai acontecer com a economia pode levar a inflação a desancorar.”
Confira abaixo a entrevista completa da Agência TradeMap com Salto, concedida nesta sexta-feira (10).
Nos últimos dias, tem se levantado a possibilidade de o Banco Central de fato ceder na revisão de metas para inflação dos próximos anos. Esse seria um problema em si?
A lei da independência do Banco Central coroa um processo que vem desde 1999, quando foi instituído o regime de metas de inflação, que garante autonomia operacional para o Banco Central.
O regime é antigo e sempre foi respeitado, com raros momentos de exceção, como no governo Dilma, quando houve uma tentativa frustrada de obrigar uma redução de juros e depois tiveram que correr atrás do prejuízo. Dado isso, não há, em tese, nenhum problema em rediscutir as metas estipuladas pelo CMN [Conselho Monetário Nacional, formado pelos ministros da Fazenda, Planejamento e presidente do Banco Central].
Mas o contexto é incerto. Foi anunciado um pacote fiscal que deve ter um impacto positivo, a ata da última reunião do Copom [Comitê de Política Monetária do BC] até reconhece isso. E as declarações do Rogério Ceron [secretário do Tesouro Nacional, que defendeu a fixação de uma regra de controle de gastos] foram positivas.
Se mostrou uma disposição. Dado isso, mudar a meta quando você tem ataques ao Banco Central e uma incerteza sobre o que vai acontecer com a economia, isso pode levar a inflação a desancorar.
Tudo vai depender do que for feito, o presidente do BC vem dando boas declarações. Em caso de mudança da meta, é preciso ter todo um cuidado para se reforçar a autonomia do Banco Central, o funcionamento normal da instituição.
O argumento do governo é que Campos Neto demonstra uma proximidade excessiva com o governo Bolsonaro. Ou seja, o presidente do BC não seria independente de preferências políticas. Mesmo assim, esses ataques se justificam?
Acho que o presidente Lula carregou nas tintas, até porque o presidente do Banco Central vem fazendo um bom trabalho. A autonomia do Banco Central foi aprovada e vem sendo cumprida. Se há ou não condições de redução dos juros, é o BC que decide.
O secretário do Tesouro deu um bom posicionamento público, de defender a entrega de um arcabouço fiscal que traga uma trajetória de queda de gastos.
É importante lembrar que a dívida pública só caiu nos últimos anos por causa da inflação. E a gente sabe que a inflação ajuda no curto prazo, mas depois cobra o preço. A alta de juros, no ano passado, acabou levando a um custo mais alto da dívida pública.
Pode começar a haver condições para a queda da Selic se as questões fiscais forem superadas. Mas os ataques [de Lula a Campos Neto] prejudicam esse movimento, turvam o mercado.
O presidente tem direito de falar o que ele quiser, mas quando fala, produz turbulência. O papel dos ministros, inclusive de Padilha [Alexandre Padilha, ministro de Relações Institucionais], vem sendo filtrar um pouco, mostrar quais diretrizes serão adotadas.
Qual a projeção de vocês para a Selic e para a dívida pública?
Acreditamos que há espaço para a redução de juros – mas isso condicionado à responsabilidade fiscal – para 11% no final do ano.
Já a dívida pública deve fechar entre três a quatro pontos a mais do que no ano passado [em 2022, a relação dívida/ PIB encerrou o ano em 73,5%, segundo o BC]. A dívida cresce porque os juros reais aumentaram para segurar a inflação, que está bastante alta. Mas os juros altos dificultam a sustentabilidade da dívida.
Mas é impossível fazer um resultado primário superavitário, que seria necessário.
Em um cenário em que o pacote fiscal se viabilize, o déficit poderia ser de em torno de 1,2% [contra os mais de 2% previstos].
Mas há um balanço de riscos que é preocupante, com despesas muito elevadas. O governo anunciou R$ 50 bilhões de redução de gastos, com R$ 25 bilhões de contingenciamento e outros R$ 25 bilhões de revisão de contratos. Mas é difícil saber se revisão de contratos rende muito ou pouco.
Do pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quanto de receita a mais pode entrar neste ano?
Calculamos que, dos R$ 206,3 bilhões anunciados, é possível que R$ 64 bilhões entrem neste ano. Além disso, calculamos que a arrecadação está subestimada em R$ 55 bilhões, ainda mais do que os R$ 36 bilhões anunciados pelo governo.
Ou seja, a arrecadação de 2023 foi subestimada na LOA [Lei Orçamentária Anual] em R$ 55,8 bilhões. Não é um cenário rosa, mas com certeza o rombo é menor do que o previsto na LOA. No melhor cenário, o déficit primário poderá ser de R$ 122 bilhões.