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Sanepar (SAPR11): o que faz a empresa ser eternamente barata?

Apesar da boa eficiência e entrega de resultados, a companhia parece estar eternamente barata

Foto: Divulgação

É possível que pouco seja lembrado neste início de 2022, mas no segundo semestre de 2021 o Brasil passou pela maior crise hídrica das últimas nove décadas. Entre as maiores prejudicadas estão as empresas de geração de energia elétrica e as companhias de saneamento, como a Sanepar (SAPR11).

Embora o contexto não seja inédito, com o país tendo passado por dificuldades similares em 2001 e 2014, o cenário assustou – e continua dando certa dor de cabeça – pois ocorre em meio à tentativa de recuperação econômica.

Do ponto de vista corporativo, a Sanepar foi obrigada a antecipar investimentos para fazer frente ao cenário mais difícil. A empresa acelerou as obras previstas no Plano Diretor de Abastecimento do Saic (Sistema de Abastecimento de Curitiba e Região Metropolitana).

De 2019 a setembro do ano passado, a companhia investiu R$ 246,5 milhões na região. A tempestade perfeita da empresa foi ampliada com as dificuldades no repasse de preços aos consumidores, com contínuos adiamentos nos reajustes de tarifas.

O fato pressionou as ações da companhia, que estão num patamar abaixo do pior momento da pandemia, em março de 2020. O preço é o mesmo do fim de 2018, por mais que os resultados operacionais tenham se tornado mais consistentes. O que tem acontecido com a empresa?

Entendendo a Sanepar

A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) foi criada em 1963 e hoje é uma das maiores companhias em atuação na região.

A oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da empresa foi realizada em dezembro de 2016. A operação foi, na realidade, um “re-IPO”, uma vez que a empresa era listada, mas com pouca liquidez. Atualmente, as units (junção de duas ações preferenciais e uma ação ordinária) são os papéis da companhia mais negociados na Bolsa.

Sendo constituída por economia mista, com o estado do Paraná controlando 60% das ações ordinárias, aquelas que dão direito a voto, a companhia está sob o escrutínio estatal.

A Sanepar é responsável pelos serviços de saneamento básico de 345 cidades paranaenses e Porto União, em Santa Catarina, além de 303 outras localidades de menor tamanho.

A empresa também atua sobre coleta e tratamento de esgoto, além da operação sobre a área de resíduos sólidos, com aterros sanitários que atendem sete municípios. Segundo dados da empresa, 100% dos paranaenses abastecidos pela companhia recebem água tratada, contra 93% dos brasileiros.

Ainda na comparação com o cenário nacional, a coleta de esgoto atinge 75% da população urbana do Paraná, acima da média nacional do Brasil, que é de 6%.

No tratamento de esgoto, a diferença é ainda maior. A Sanepar trata 100% do esgoto coletado, enquanto a média do país é de 49%, de acordo com o SNIS 2019 (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), mostrando a amplitude de atendimento e excelência da empresa.

As barragens do Paraná, e suas respectivas capacidades, no dia 28 de janeiro, segundo a Sanepar, eram:

Barragem Iraí (89,4% da capacidade)

Foto: Sanepar RI
Foto: Sanepar RI

Barragem Passaúna (64,6% da capacidade)

Foto: Sanepar RI
Foto: Sanepar RI

Barragem Piraquara 1 (83,13% da capacidade)

Foto: Prefeitura Municipal de Piraquara
Foto: Prefeitura Municipal de Piraquara

Barragem Piraquara 2 (100% da capacidade)

Foto: Prefeitura Municipal de Piraquara
Foto: Prefeitura Municipal de Piraquara

Uma quinta barragem está em construção em Miringuava, além de uma sexta que está nos planos da empresa. Ela será construída sobre os municípios de Fazenda Rio Grande, Mandirituba e Araucária.

A companhia já encomendou estudos para definir o local para instalação da nova barragem, bem como o estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA). A ideia é que a nova barragem seja entregue em 2030.

Em termos de inovação, em 2020 a Sanepar investiu R$ 968,9 milhões em diversos projetos, incluindo a retomada dos trabalhos para a construção de Miringuava, assim como da expansão do campo de pesquisas para aliar tecnologia e custos menores, sem tirar a qualidade de serviços.

A companhia mantém um centro de tecnologia e inovação, onde desenvolve projetos avançados, além de integrar o programa Governo 5.0, que foca no desenvolvimento de melhores práticas aos serviços à população.

Os abacaxis da empresa

Algumas são as razões que explicam a desconfiança dos investidores frente às ações da Sanepar e que a tornam – aparentemente – eternamente barata na Bolsa.

Os abacaxis da companhia giram em torno desde o contexto tarifário, passando pelo risco político até o cenário hídrico ainda cauteloso. Alguns deles, a empresa carrega há anos e mesmo com a melhora operacional, continuam sendo o freio de mão dos ativos na B3.

Quadro tarifário

A dificuldade de lidar com a Agepar (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná) remete ao final de 2020. Um reajuste tarifário deveria ser aplicado aos consumidores paranaenses em maio daquele ano. A mudança foi postergada em função dos impactos econômicos da pandemia da Covid-19.

Em agosto, a empresa propôs um reajuste de 9,62% na tarifa. As negociações com o órgão regulador foram árduas até que o consenso foi de um aumento de apenas 5,11% na tarifa, consideravelmente abaixo do que o mercado esperava.

O reajuste mais leve foi proporcionado pela exclusão do pagamento de um passivo de 2017. A Agepar excluiu de forma provisória a quarta parcela do deferimento referente à revisão tarifária daquele ano, que era de 3,44%

A Agepar havia parcelado em oito anos o reajuste tarifário devido após o congelamento tarifário entre 2005 e 2010.

Desde então, há pouca certeza sobre o que sairá das decisões do órgão, o que é amplamente negativo para a empresa. De um lado, reajustes abaixo do necessário fazem com que a companhia acumule dívidas, já que a geração de receita pode ser prejudicada ante os investimentos demandados.

Do outro lado, existe grande insatisfação pela forma de cálculo do reajuste. No reajuste que entrou em vigor em fevereiro de 2021, a Agepar optou por considerar inteiramente o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), e não parte deste índice e parte do IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado), como é o habitual.

Agora a expectativa é pela segunda e última fase da revisão tarifária, que deve entrar em vigor em maio deste ano. A Agepar abriu uma consulta pública sobre o reajuste, onde até 19 de novembro puderam enviar sugestões, críticas e colaborações sobre o processo que trará uma nova decisão.

Risco político

Como toda e qualquer empresa com ligações estatais, a Sanepar também vive à mercê das decisões governamentais. No caso de seu modelo de negócio, mudanças drásticas podem ocorrer no contexto das tarifas.

No início de dezembro do ano passado, o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior, por meio do decreto 9.606, decidiu ampliar os benefícios voltados para pessoas em situação de vulnerabilidade no estado.

O pacote social Paraná Solidário prevê uma tarifa chamada Água Solidária (antiga Tarifa Social), que atualmente possui 214 mil famílias. Essas, para consumo de até cinco metros cúbicos por mês, pagam R$ 11,53, enquanto a tarifa normal é de R$ 43,11.

Para água e esgoto, a tarifa social é de R$ 17,30, e a tarifa normal é de R$ 77,60 em todo o estado e de R$ 79,75 em Curitiba. O valor da tarifa foi definido de forma unilateral pela Agepar.

Em relatório divulgado em julho de 2021, a agência de classificação de risco Fitch, porém, ponderou que este risco está mais controlado. Ao atribuir o rating AAA para a companhia, a agência diz que a demanda resiliente sustenta o poderio operacional da Sanepar.

Isso, inclusive, faria a Sanepar manter o bom patamar de suas margens, acima das concorrentes.

Há de se destacar, todavia, que nos últimos anos a empresa tomou medidas para proteger os acionistas minoritários de ingerências políticas ou práticas que vão além do lucro propriamente dito.

Em 2017, o Conselho de Administração da companhia buscou estratégias para dar benefícios extras aos investidores preferencialistas, com base na Lei das Sociedades Anônimas.

Com isso, a companhia quer amenizar os impactos políticos, que outrora já fizeram preço no mercado. No início do século, o congelamento dos reajustes e posterior parcelamento dos aumentos foi estabelecido pelo ex-governador Roberto Requião com a justificativa de que tarifas maiores impactariam a economia e, sobretudo, os mais pobres.

Por mais que medidas tenham sido tomadas para aliviar essa tensão, o governo ainda mantém o poder de veto no lugar mais alto das decisões. Não há estudos para a privatização.

Operação Ducto

Em junho de 2021, procuradores do Ministério Público do Paraná denunciaram 26 pessoas ligadas à Sanepar. Entre os crimes mencionados estão corrupção ativa e passiva, falsificação de documentos e fraude em licitação.

Em dezembro, a companhia assumiu R$ 8,5 milhões em perdas e provisões para adequar seus balanços às fraudes reconhecidas pela Operação Ductos.

Do total, R$ 6,5 milhões serão identificados como perdas e R$ 2 milhões como provisões – mostrando que a empresa pode estar se preparando para mais notícias ruins neste sentido.

O MP estadual prevê que aproximadamente R$ 1,4 milhão foi pago em forma de suborno a colaboradores da Sanepar por duas empresas de engenharia. Elas utilizaram de atos ilícitos para conseguir contratos, de acordo com a denúncia apresentada à Justiça em 2020.

Crise hídrica

Uma crise de estiagem, em maior ou menor grau, atinge o Paraná há dois anos. No fim do mês passado, momento em que a crise hídrica nacional estava sendo aliviada, o governo do estado decretou emergência hídrica e alerta de rodízio em 27 municípios.

O documento, que tem validade de 180 dias, prioriza a utilização da água para abastecimento público e orienta os usuários a reduzirem o consumo, fazendo uso racional da água.

Um racionamento de água estava em vigor desde maio de 2020 e chegou a impactar os números da empresa no início de 2021, mas passou a ser reduzido a partir de janeiro deste ano, com a retomada dos volumes faturados.

Leia também:
Sanepar retoma fornecimento normal de água em Curitiba

Segundo a avaliação do Ministério de Minas e Energia e do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a melhora do nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas nos últimos meses em âmbito nacional é um sinal de que a crise pode estar caminhando para o fim, mas ainda não é o suficiente para garantir um 2022 sem preocupações.

Sobretudo no Paraná, onde o período de seca parece ser pior do que conjuntural, embora invariavelmente a situação tenda a ser amenizada, o sinal de alerta ainda ficará ligado por bastante tempo.

Marco Legal do Saneamento: bom ou ruim?

Em julho de 2020, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o novo Marco Legal do Saneamento Básico. A meta do governo é universalizar o acesso às redes de água e esgoto até 2033, a ponto de que 99% da população brasileira tenha acesso a água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto.

Hoje, aproximadamente 25 milhões de brasileiros não possuem água potável em casa. Pior ainda: 100 milhões de pessoas não possuem serviço de coleta de esgotos, segundo um estudo do Instituto Trata Brasil, equivalente a 46% da população do Brasil.

A medida abre maior espaço para investimentos da iniciativa privada e implementa a obrigatoriedade de licitações. A livre concorrência chegou ao saneamento básico brasileiro.

Porém, o mainstream pode se preocupar. O Marco do Saneamento pode dificultar seus negócios pois há contratos diretos com empresas estatais, como é o caso da Sanepar e seus pares, Copasa (CSMG3), responsável por Minas Gerais, e a Sabesp (SBSP3), atuante em São Paulo.

No fim do ano passado, a Sanepar divulgou seu plano de investimentos para o período entre 2022 e 2026 e comunicou que pretende estender seus contratos de prestação de serviço de água e esgoto com o estado do Paraná até 2048.

Uma proposta de extensão dos contratos foi colocada pela Sanepar em consulta pública no fim de novembro e coloca à prova o Marco do Saneamento pela primeira vez, o que pode exigir uma ação do governo federal.

Dos 346 contratos gerenciados pela Sanepar, 14 estão vencidos, 51 têm prazo de validade entre 2022 e 2030, enquanto os 281 restantes vencem a partir da próxima década.

Torneira do lucro está aberta

A despeito de todos os entraves e as ações não trazendo a resposta esperada pela companhia, os negócios vêm melhores do que nunca.

No terceiro trimestre de 2021, o último balanço divulgado pela empresa, os números reportados foram amplamente superiores ao consenso de mercado.

A visão majoritária do mercado é de que o pior já tenha passado, sendo que desde 2020 a empresa teve que lidar com pandemia e crise hídrica acentuada, as quais impactaram o volume faturado da população nos segmentos de água e esgoto e trouxeram custos e provisões adicionais.

Individualmente, destaca-se a manutenção da alta rentabilidade, uma das maiores dentre as empresas ligadas a serviços essenciais na Bolsa brasileira. Além disso, a alavancagem financeira permanecendo em 1,3 vez, em patamar prudencial, é uma boa notícia.

Vale destacar que os primeiros nove meses de 2021 contaram com o racionamento de água, impactando os volumes, e mesmo assim os números reportados são de forte retomada.

O ponto a ser observado pelos investidores será a consistência e possibilidade de manutenção do pagamento de dividendos em patamar considerado saudável para uma empresa com o perfil da Sanepar, com alta previsibilidade de receitas.

Nos últimos anos, o payout (parcela do lucro líquido que é distribuída) e o dividend yield (DY) foram irregulares e, atualmente, estão abaixo da taxa básica de juros da economia (Selic).

As ações baratas que continuam baratas

O grande receio dos investidores, neste momento, é que as ações da Sanepar configurem uma tradicional situação de value trap. A noção geral do mercado é que os papéis da empresa negociam abaixo do seu valor justo, não exprimindo seu total potencial. Mas é assim há anos.

Do lado positivo, há de se destacar a excelência de execução de projetos; posição financeira confortável; segurança na receita altamente previsível; e potencial de pagamento de dividendos cavalares.

Mesmo com os riscos claros e todas as razões para a entrega operacional não ser satisfatória, a Sanepar ainda é a líder em índices de eficiência entre seus pares, trazendo alto retorno sobre o capital investido e dinheiro dos acionistas.

Segundo dados compilados pelo Refinitiv, apresentados na plataforma do TradeMap, a estimativa mediana para o lucro líquido acumulado em 2021 é de R$ 1,17 bilhão. Para este ano, a previsão é de R$ 1,33 bilhão, o que representaria um sólido avanço de 13,67%.

Com isso, a preços de hoje, a empresa negocia 4,65 vezes o lucro projetado para 2022. Uma verdadeira barganha para uma empresa que aumentou seu lucro na ordem ponderada de 16% ao ano, nos últimos três anos.

A resposta, contudo, não é tão óbvia assim. De 11 recomendações compiladas pelo Refinitiv, quatro indicam compra – com preço-alvo mediano de R$ 26 –, enquanto quatro recomendam a manutenção das ações e três dizem que é hora de vender.

Dada a disparidade de recomendações, a Sanepar pode continuar barata por muito mais tempo, dados gatilhos contrários que fazem parte da tese de investimento.

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