Com cerca de nove meses faltando para as próximas eleições presidenciais, o mercado se prepara para o que deve nascer da próxima disputa pelo Planalto. Desde 2018, quando o ciclo do governo petista foi encerrado com a vitória do presidente Jair Bolsonaro, as estatais viveram sob a expectativa da implementação de um Estado mais enxuto.
Isso ocorreu porque houve a promessa de tempos diferentes. Durante sua campanha ao pleito, Bolsonaro disse que seria possível privatizar mais de 100 estatais “tranquilamente”, excluindo as consideradas estratégicas.
O governo começou 2019 com 227 estatais, entre diretas, dependentes e subsidiárias. Até agora, contudo, apenas 15 privatizações foram realizadas. Entre elas Vibra Energia (BRDT3), Liquigás e TAG.
Rotineiramente, o mercado financeiro fica agitado enquanto as eleições se aproximam. Isso ocorre justamente em função da expectativa por um novo ciclo de desestatizações – que foi frustrado nos últimos quatro anos – ou então da perspectiva de um processo estatizador.
Os investidores tendem a preferir o processo de venda à iniciativa privada pois empresas controladas pelo governo tendem a ser menos eficientes em custos e, em razão do aspecto público inerente às atividades podem sofrer ingerências indesejadas. Estes fatores pesam sobre a geração de valor esperada.
Há de se esperar, portanto, alta volatilidade das principais estatais listadas em Bolsa neste ano – o que não seria novidade.
Desempenho das estatais em ano de eleição
Entre todas as empresas ligadas ao governo e listadas em Bolsa, três são as principais: Petrobras (PETR4), Eletrobras (ELET3) e Banco do Brasil (BBAS3). Atualmente, a participação do governo nestas empresas, através de todos os veículos, é avaliada em R$ 290,9 bilhões.
Cada uma com sua particularidade e sensibilidade ao governo, as companhias já foram alvo de questionamento do mercado tanto em seu papel social, uma vez que podem ser alvo de políticas públicas, como em relação ao potencial de geração de valor, que parece travado.
A Petrobras, por exemplo, teve um gostinho de eleições quase dois anos antes das urnas. Em fevereiro de 2021, após a companhia anunciar um de vários aumentos no preço dos combustíveis, Bolsonaro demitiu o presidente Roberto Castello Branco.
Em dois dias, as ações da empresa perderam R$ 100 bilhões em valor de mercado, reagindo mal ao movimento do presidente da República, que colocou o general da reserva Joaquim Silva e Luna à frente da companhia.
Embora os papéis da Petrobras tenham demonstrado poder de recuperação, acompanhando o bom momento operacional – com redução do endividamento e desinvestimentos necessários – o retrospecto coloca em xeque a independência administrativa da estatal.
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Com as incertezas relacionadas à pandemia ainda latentes, o petróleo Brent sustenta o patamar acima da casa dos US$ 80 por barril, após ter subido 51% em 2021.
Isso, por si só, poderia ser positivo para a Petrobras, mas pressiona o custo dos combustíveis e eleva a inflação, o que ameaça a popularidade do governo.
O ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas por intenção de voto preliminares, também questiona a paridade de preços internacionais da estatal. Em ambos os cenários, ainda existem muitas questões a serem respondidas quanto à petroleira.
O que se pode esperar é alta volatilidade. Confira o desempenho das ações da empresa durante os anos das últimas seis eleições:
- 1998: -47,72%
- 2002: -9,32%
- 2006: 33,87%
- 2010: -22,99%
- 2014: -37,72%
- 2018: 45,91%
Negociando a três vezes o lucro do último ano, a Petrobras opera a múltiplos baixos em relação à média histórica, o que mantém os especialistas por perto.
Segundo dados compilados pelo Refinitiv, apresentados na plataforma do TradeMap, a Petrobras é acompanhada por 12 analistas, sendo que 11 recomendam compra e apenas um a manutenção em carteira.

O preço-alvo mediano, de R$ 36, porém, aponta para um upside modesto de 19%. A assimetria do valor e do preço de tela é justificada pelo risco político que anda ao lado da empresa dia após dia.
Eletrobras
A Eletrobras entrou no ciclo do governo Bolsonaro como uma das principais candidatas a ser privatizada. Demorou, mas o processo foi iniciado.
Em fevereiro do ano passado, Bolsonaro e ministros entregaram ao Congresso a Medida Provisória (MP) da privatização da companhia. O processo consiste em uma capitalização da empresa, com a União (hoje acionista majoritário) não acompanhando a oferta de ações.
Após enfrentar a descrença do mercado quanto à conclusão da operação, mais um passo importante foi dado. A Eletrobras anunciou na última terça-feira (11) que pretende protocolar seu registro de oferta global de ações no segundo trimestre deste ano.
O governo espera arrecadar R$ 25,3 bilhões com a desestatização da empresa. O risco de não acontecer está escasso, uma vez que a MP já foi aprovada e o Congresso, que costuma paralisar mudanças drásticas em ano eleitoral, não tem mais poder sobre a privatização.
O risco de crise hídrica fica cada vez mais distante, mas a depender do rumo que as eleições caminhem, volatilidade não faltará.
Em meados da década passada, o governo petista, então liderado pela ex-presidente Dilma Rousseff, criou a MP 579, o que acabou provocando um impacto de quase R$ 200 bilhões nas tarifas, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A MP renovou concessões de usinas hidrelétricas e o aumento dos custos foi repassado às tarifas, que subiram 20% acima da inflação no período. O montante é cerca de quatro vezes maior do que o prejuízo com o apagão de 2001.
A MP 579 fez a Eletrobras ter perdas contábeis de R$ 10 bilhões, embora as ações tenham andado de lado no período, para despontarem nos anos seguintes.
Desempenho das ações ELET3 desde o início de 2015

A conta de luz, que disparou no ano passado, também é sensível à inflação e a manutenção das bandeiras tarifárias vermelha e de escassez por muito tempo tendem a apertar o calo do governo que assumir o posto em 2023.
Vale ressaltar que o governo uma golden share sobre a Eletrobras. Esta ação de classe especial reserva à União o poder de veto em assuntos estratégicos, por mais que não tenha a posse da maior parte das ações.
Após abrir capital em 1998, a empresa passou pelas eleições posteriores da seguinte forma:
- 2002: -29,11%
- 2006: 34,43%
- 2010: -1,11%
- 2014: 4,13%
- 2018: 20,20%
Todos os quatro analistas que acompanham a empresa, segundo o Refinitiv, recomendam a compra das ações, o que pode surfar a possível privatização da empresa. O preço-alvo mediano indica um potencial de valorização de 69%.
Banco do Brasil
O Banco do Brasil é uma das instituições mais antigas do Brasil, e por diversas vezes foi tida como alvo de um processo de privatização.
Essa é a vontade do ministro da Economia, Paulo Guedes, que colocou o banco “na fila” das vendas de ativos estatais em setembro do ano passado, em um suposto plano para as desestatizações nos próximos 10 anos.
Embora pareça mais blindado que as demais estatais, o Banco do Brasil também sofreu com interferência política recentemente.
Logo após a demissão do presidente da Petrobras, Bolsonaro disse que “teria mais” e, segundo a imprensa, um dos alvos foi o então presidente André Brandão. O executivo havia assumido a posição há poucos meses, após deixar um banco em Nova York.
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Independentemente das razões pelas quais Brandão saiu do BB, o movimento aconteceu logo após o banco anunciar um processo de reestruturação, com fechamento de agências e programa de demissão voluntária – o que certamente não agradou o presidente Bolsonaro.
Contudo, pela característica “mais corporativa” que as demais estatais, ou seja, com processos mais parecidos com o setor privado (isto é, carteira de crédito robusta e governança alinhada com altos padrões), o Banco do Brasil tem passado por pouca turbulência nos anos eleitorais.
- 1998: -2,63%
- 2002: -7,14%
- 2006: 51,64%
- 2010: 12,64%
- 2014: 4,24%
- 2018: 44,78%
Tida como uma das empresas mais baratas da Bolsa, o BB também é alvo de recomendação de compra. De acordo com os dados apresentados no TradeMap, dez dos 12 analistas que acompanham o banco estão otimistas.
Apenas dois recomendam a manutenção da posição acionária. Mesmo assim, o target mínimo dentre esses analistas é de R$ 35, o que confere um upside de 18%.
Histórico do múltiplo P/L e do lucro líquido do Banco do Brasil em sentidos distintos

Demais estatais seguem no radar
Algumas outras empresas também estão sob o escrutínio do governo para as privatizações.
A desestatização dos Correios — cujos serviços postais já ocorrem há 358 anos — divide o Congresso na análise do projeto de lei que atualiza o marco regulatório do Sistema Nacional de Serviços Postais (SNSP).
O governo Bolsonaro tem alegado que o “ano eleitoral” e pressões oposicionistas impedem o avanço da pauta em Brasília.
Telebras, Dataprev, Eletronorte, Furnas e outras diversas empresas – principalmente ligadas ao setor de energia elétrica – parecem estar na mira do governo.
Dentre as listadas, também chamam atenção do mercado neste ano:
- BB Seguridade (BBSE3);
- Copasa (CSMG3);
- Cemig (CMIG4);
- Sabesp (SBSP3);
- Copel (CPLE6).
Vale a pena investir em estatais?
A resposta é dúbia. O investimento em valor pressupõe a compra de ativos que são negociados abaixo do que realmente valem, desde que uma margem de segurança relevante seja inserida.
Nesse sentido, sim, algumas das estatais parecem estar baratas demais. De uma forma geral, as companhias são mais bem administradas do que há dez anos e seus balanços estão mais sólidos, como é o caso prático do Banco do Brasil.
Entretanto, um bom negócio permanecerá sustentável se suas lideranças também forem boas.
Ao investir em uma empresa estatal, o acionista majoritário e, com isso, dono do negócio e sócio dos investidores será o próprio governo, que muda a cada quatro anos e possui pautas próprias que nem sempre coincidem com os objetivos corporativos.
Especialistas têm questionado o modelo de empresas de capital misto. Não há problema em companhias dirigidas pelo governo terem pautas que não priorizem o lucro. Porém, o ato de captar recursos junto a investidores no mercado e a responsabilidade fiduciária colocam de lado o “coletivismo” pregado por governantes.
Estatais, só se for de graça? A resposta depende de variáveis que somente o investidor poderá responder, nos âmbitos morais, financeiros e de perspectivas temporais.