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Fed terá que subir juros para 6%, diz gestor de fundo que ganhou 28% com aperto monetário nos EUA

Asa Hedge, da gestora ASA Investments, entregou 559% do CDI apostando em alta das taxas globais

Foto: Divulgação

O Federal Reserve, banco central americano, terá que elevar a taxa de juros para bem acima dos 3,8% indicados no comunicado da última reunião de 15 de junho para o fim de 2023 se quiser trazer a inflação para a meta de 2%.

A avaliação é de Marcio Fontes, gestor do fundo multimercado Asa Hedge, da gestora ASA Investments, cuja carteira acumula alta de 28,18% no ano, até 20 de junho. Grande parte do ganho vem da aposta na alta das taxas de juros globais, especialmente nos EUA, o que equivale a um retorno de 559% do CDI.

Para Fontes, é necessário uma alta de juros para perto de 6%, patamar próximo aos 5,25% atingido em 2006, pouco antes da crise de 2008, para levar a inflação para a meta. A alta de preços está no maior patamar em 40 anos e acumula alta de 8,6% em 12 meses até maio.

Isso deve provocar inevitavelmente uma recessão em algum momento nesse processo e levar a quedas maiores das bolsas americanas, diz o gestor, que foi head de renda fixa no Banco Safra, tesoureiro no JP Morgan, diretor da BNP Paribas AM e sócio sênior da Mauá Sekular antes de se juntar ao time de gestores da ASA.

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A gestora procura ativos que ofereçam uma relação de custo benefício e assimetria grandes e tem apostado na alta de juros nos EUA e na queda das bolsas americanas.

Apesar de avaliar a Bolsa brasileira como barata, Fontes acha que não é o momento de aumentar a posição. “A gente não acha que é hora de comprar, porque não tem um vetor que nos diga que o Brasil está melhorando em seus fundamentos”, disse. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

O fundo acumulou alta de 28,18% neste ano, com grande parte do ganho gerada pela aposta na alta de juros globais. Houve mudança de alocação com o cenário de risco de recessão?

Comparando com o passado, quando a inflação desviava da meta um pouco, uma queda no crescimento de 1%, 2% ou 3% já seria suficiente para controlar a inflação.

Mas atualmente a gente não tem um desvio da meta de inflação de 0,20 ponto ou 0,30 ponto, é muito maior. E para esse desvio maior você vai precisar machucar mais o mercado, aumentando o juro e eventualmente observando uma performance pior do mercado de ativos.

Se a gente observa as relações históricas entre deslocamentos da taxa de desemprego e o que eles causam na taxa de inflação, para haver uma convergência do núcleo de inflação para a meta, que está hoje com desvio de 2% da meta, teria que ter uma alta de 8% da taxa de desemprego. E uma mudança de 8% da taxa de desemprego está associada a uma queda do PIB americano de 16%.

Se a gente considerar metade disso, que a taxa de desemprego deveria cair 4% para o PIB cair 8% para a inflação convergir para a meta, a gente não fez nem um terço do dever de casa. Vamos precisar chegar em uma recessão para controlar esse processo.

No curto prazo, taticamente justifica a gente ter uma posição um pouco menor em juros [apostando na alta das taxas nos EUA]. Mas não sair da posição, porque no médio prazo a ideia permanece a mesma, de que os juros e a bolsa têm que cair mais para trazer a inflação para meta.

Por isso, mais recentemente, a gente combinou isso com uma posição vendida [apostando na queda] em bolsa americana.

O Fed sinalizou mais uma alta de 0,75 ponto da taxa básica de juros, mas deixou a porta aberta para desacelerar o ritmo de alta. Qual a expectativa para a política monetária americana?

Isso vai depender da trajetória da inflação. Se a gente tiver um número de inflação no curto prazo surpreendendo para cima, eles vão manter o ritmo de 0,75 ponto. Acho que na próxima reunião provavelmente vamos observar isso ainda.

O que a gente acha é: não é que a inflação vai subir muito mais. Pode até subir, mas ela vai ficar alta por mais tempo do que hoje se espera. O mais importante é que a taxa de juros de 4% ou o 3,80% que o mercado precifica não é suficiente para controlar esse processo.

Uma regra de bolso que vale para a maior parte das economias: para você trazer a inflação 0,30 ponto para a meta tem que subir os juros em 100 pontos-base [1 ponto percentual]. Se o desvio é da ordem de 2%, em tese, você tem que subir os juros na ordem de 6,5%.

Como tem o efeito de quantitative tightening [redução do balanço do Fed, que retira liquidez dos mercados], a gente teria que ir para um patamar de 6% de taxa de juros para controlar essa inflação.

Quando a gente olha para o passado, a taxa de juros nos EUA antes da crise de 2008 era de quase 6%. Isso com o mercado de trabalho apertado, mas bem mais tranquilo do que está agora. Por mais que a gente tenha ganho de produtividade, seria razoável chegar em algo em torno dessas taxas que precederam a crise de 2008.

É esse o caminho que o Canadá já está percorrendo. As taxas lá estão mais próximas do patamar de 2007, e as taxas dos EUA estão seguindo esse processo.

Qual o efeito desse choque de juros? Podemos ter uma crise como a de 2008?

Em 2018, por exemplo, era possível subir os juros com certa cautela para controlar a inflação que estava um pouco fora da meta, porque era um mundo em que a inflação tendia para baixo.

Você tinha ganho de produtividade, integração das cadeias globais de produção, inserção da mão de obra chinesa na força de trabalho global. Então, poderia mirar para uma taxa de inflação em torno da meta porque esse processo iria fazer o trabalho sozinho.

Hoje em dia, você tem um mundo que isso não acontece mais com tanta tranquilidade e o trabalho para trazer a inflação à meta é maior, porque o desvio é maior. Então, você vai precisar machucar mais o mercado, vamos observar a bolsa caindo, preço dos imóveis e outros ativos caindo.

Posto isso, o mercado não tem a mesma concentração de risco em algumas instituições. Antes, havia o risco concentrado nos bancos. Hoje o mercado é mais disperso, você distribui o risco entre pessoas físicas também. A princípio, não observamos nessa trajetória um Lehman Brothers [banco americano que quebrou em 2008], apenas uma reprecificação do mercado de ativos.

Um recessão nos EUA seria inevitável para alcançar a meta de inflação? 

Acho que uma recessão é praticamente inevitável, porque se o desemprego subir de 4% a 8% para trazer a inflação para meta de 2%, significa que o PIB teria que cair 8% a 16%.

Posto isso, ainda acho que a economia americana ainda está muito forte.

As pessoas receberam muito dinheiro do governo, o desemprego está baixíssimo. Então, para você virar esse transatlântico e trazer ele para uma recessão ainda vai demorar um tempo. Se bobear, acho que ela nem vem ano que vem, mas que ela vai vir ela vai .

Qual o impacto de um cenário de recessão para commodities?

No mercado de commodities, há alguns fatores que nos fazem crer que os preços vão permanecer em patamar elevado por muito tempo. Você tem uma transição para energia limpa ao longo de alguns anos e isso usa commodities. Por sua vez, muitas dessas commodities, como o petróleo, não tiveram nenhum incentivo para ter sua produção aumentada.

Commodities é o ativo que tem melhor fundamento nesse cenário de recessão lá na frente, porque por um lado tem um fundamento de alta intrínseco do ativo e por outro pode não ter recessão em alguns lugares no mundo. E o preço das commodities é uma função da demanda de vários países.

E como esse cenário afeta o Brasil?

O Brasil está adiantado nesse processo de alta de juros e a Bolsa brasileira está em nível de valuation barato. Por outro lado, no Brasil não temos clareza do que vai acontecer.

Precisa de um plano crível para controlar a questão fiscal e nenhum dos dois principais candidatos a presidente deixou isso claro ainda. Então, há prêmio, mas o fundamento é duvidoso e a gente prefere não ter muitas posições no Brasil.

Acho que as empresas de commodities, que têm sido favorecidas pelo cenário global, podem continuar se beneficiando porque têm múltiplos baixos. Mesmo que os preços das commodities caiam um pouco, essas empresas ainda estariam baratas. Mesmo uma empresa envolvida em polêmicas, como a Petrobras (PETR4), olhando a médio prazo parece ter uma relação de custo benefício interessante olhando o valuation.

Mas para a Bolsa melhorar a gente precisaria de um trigger [gatilho] que deveria vir talvez de um desses candidatos assumindo o governo e transmitindo para o mercado um plano crível em termos de controle fiscal.

Uma vez que a gente enderece essa questão fiscal, a Bolsa brasileira estaria bem mais favorável que a bolsa americana, não só por ter commodities, mas porque o Brasil está mais adiantado na questão dos juros e também por valuation.

O aumento da pressão do governo sobre a Petrobras aumentou a volatilidade no mercado. Uma mudança na Lei das Estatais poderia piorar o preço do ativo?

Acho que sempre pode piorar, mas tem muito desaforo no preço. O múltiplo da Petrobras está extremamente baixo. A empresa negocia a um múltiplo de EV [valor da empresa]/Ebitda de quase 2 vezes, o que é muito baixo dado que a empresa gera caixa.

Se você assume um  governo querendo privatizar a Petrobras, ela pode dobrar de preço. Por outro lado, quanto mais se pode machucar a empresa do preço que já está hoje no mercado? Acho meio assimétrico isso.

Estão posicionados em juros no mercado local?

Não temos posição em juros no mercado local. Já estamos no fim do processo de alta de juros, mas não descarto que a gente pare. Mas vendo que a inflação não caiu e o juro de 13%, 14% não foi suficiente para combater essa inflação, o BC pode ter que subir mais os juros lá na frente.

E no câmbio, têm alguma posição em real?

O câmbio está desvalorizado em relação à média dos últimos 30 anos. Os modelos que levam em consideração os termos de troca, o diferencial de taxas de juros, apontam para um real mais valorizado do que está hoje.

Entretanto, o fundamento do Brasil é duvidoso no médio prazo, pois a gente tem um grande desafio fiscal. Como o fundamento não está batendo com o valor, a gente prefere não fazer nada. Então você pode falar, a Bolsa está barata, o real está barato, mas a gente não acha que é hora de comprar porque a gente não acha que tem um vetor que nos diga que o Brasil está melhorando em seus fundamentos.

Os preços dos ativos brasileiros já embutem boa parte do risco eleitoral?

Acho que já tem muita coisa no preço, os ativos já têm desconto razoável. Mas eu não consigo descartar que a gente venha a ver um desconto ainda maior numa exacerbação de um discurso mais populista por parte de um dos candidatos.

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