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Mesmo se juros forem para perto de 11%, está tarde demais para a inflação de 2022, diz Schwartsman

Para ex-diretor do Banco Central, cenário é consequência de política fiscal irresponsável

Alexandre Schwarstman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e hoje no comando da consultoria Schwartsman & Associados/Divulgação

Uma taxa Selic de dois dígitos, se aproximando inclusive do patamar de 11%, é um cenário que se tornou provável desde a decisão do governo de alterar o teto de gastos para abrir um espaço de quase R$ 100 bilhões no Orçamento do ano que vem. Mesmo assim, esse nível de aperto, considerado impensável até algumas semanas atrás, será incapaz de entregar uma inflação no centro da meta, isto é, em 3,5% ao ano, em 2022.

A avaliação é do economista Alexandre Schwarstman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e hoje no comando da consultoria Schwartsman & Associados. Ele explica que essa é a consequência direta do abandono, pelo governo Bolsonaro, de uma política fiscal responsável.

Na semana passada, o Banco Central elevou os juros básicos em 1,5 ponto percentual, para 7,75%, e indicou nova alta, da mesma magnitude, na última reunião deste ano, em dezembro.

“Estamos elevando entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões as despesas do ano que vem, em comparação com o que seria possível se a PEC dos Precatórios [cujo texto-passou passou em primeiro turno na Câmara] não fosse aprovada. É uma política fiscal bastante expansionista. Se você pisa no acelerador fiscal, tem que pisar no freio monetário”, resumiu Schwartsman, em entrevista concedida à Agência TradeMap na tarde da última quarta, dia 3.

Para ele, que foi economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) pode alcançar 4,5% em 2022. “O governo brasileiro é o verdadeiro Houdini do gasto público. A gente vai tentando amarrar de alguma forma, como com o teto de gastos, mas o governo vai achando um jeito de abrir os cadeados e as correntes”, ironiza, em referência ao conhecido ilusionista Harry Houdini, considerado o “mestre das fugas”.

A consequência desse cenário, aponta, é o crescimento cada vez menor esperado para o ano que vem. Uma alta menor que 1%, pondera, já seria equivalente a uma recessão quando se olha a situação atual da economia brasileira. “Não é uma expansão razoável. Não sei se vai chegar a ter queda de PIB [Produto Interno Bruto], mas recessão vai haver, sim. Uma alta ao redor de 1% não é suficiente sequer para reduzir a taxa de desemprego, que corre o risco de subir em 2022.”

Confira a seguir a entrevista completa com Alexandre Schwartsman.

Qual a sua avaliação da última ata do Copom? Muitos especialistas dizem que o documento retira um teto para a taxa Selic no fim do ciclo atual de aumento de juros.

Achei a ata mais dura. Minha leitura do comunicado da reunião sugeria uma Selic encerrando o ciclo em 10,25%, ou 10,50%. Agora já estou mais para 10,50%, ou 11%. Minha impressão é que [os membros do Copom] sinalizaram que vão ainda mais longe. Mas desconfio que, mesmo levando os juros para perto de 11%, está tarde demais para se obter um resultado mais definitivo sobre a inflação de 2022. Isso porque sobra pouco tempo para esse aumento da taxa de juros resultar em desinflação.

Acredito que o IPCA de 2022 vai ficar na casa de quatro e pouco, 4,4%, 4,5%, o que já é uma desinflação considerável. Levando-se em conta que a inflação deste ano vai ser de 9,5% a 10%, tirar 6 pontos percentuais disso é um resultado favorável. Mas vai custar caro, principalmente do ponto de vista do crescimento.

Na ata, o Banco Central fala um pouco da retomada por causa da superação da crise sanitária, em especial em serviços. Mas a minha impressão é que esse aumento de juros, através de mecanismos de transmissão, vai levar a uma desaceleração forte da economia. Tanto que estamos vendo revisões para baixo do PIB importantes. Um crescimento de 1% ou abaixo disso para o ano que vem é uma possibilidade.

Alguns bancos já falam inclusive em recessão, com queda do PIB no ano que vem. Você vê essa possibilidade? 

Crescer menos que 1% já configura recessão para fins de Brasil. Não é uma expansão razoável. Não sei se vai chegar a ter queda de produto, mas recessão, sim, vai haver. Uma alta ao redor de 1% não é suficiente sequer para reduzir a taxa de desemprego, que corre o risco de subir no ano que vem.

Há alguma alternativa diferente da alta de juros para o cenário atual?

A política fiscal está fora do jogo, com a PEC dos Precatórios prevendo que o teto será elevado. Dependendo da inflação no final deste ano, são R$ 45 bilhões a R$ 50 bilhões em potencial de gastos a mais, fora a prorrogação dos precatórios. Em vez de pagar R$ 90 bilhões de precatórios, vamos pagar R$ 45 bilhões.

Ou seja, estamos elevando entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões as despesas, em comparação com o que seria possível se a PEC não fosse aprovada. É uma política fiscal bastante expansionista. Se você pisa no acelerador fiscal, tem que pisar no freio monetário.

A terceira maneira é sacrificar algum animal na frente do Banco Central, mas isso, pela minha experiência como diretor do Banco Central, não dá certo.

Como avalia a decisão do governo de alterar o teto de gastos com o apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes?  

Achei péssimo, e a verdade é que o aval do ministro da Economia não quer dizer muita coisa. Isso basicamente rebaixa o ministro. É desastroso, em várias dimensões.

O governo brasileiro é o verdadeiro Houdini do gasto público. A gente vai tentando amarrar de alguma forma, como com o teto de gastos, mas o governo vai achando um jeito de abrir os cadeados e as correntes. Isso tem consequências funestas, e a principal é que perdemos qualquer referencial em relação aos gastos públicos.

A ideia que é vendida é: isso só vai acontecer uma vez. Mas a verdade é que já se descobriu como arrumar maneiras de contornar o teto. Portanto, voltamos a um regime em que não há nada segurando a política fiscal.

Sem falar que todo esse malabarismo é desnecessário. Era possível endereçar a questão social se, em primeiro lugar, o governo estivesse disposto a trabalhar. Há mais de um ano se avalia um projeto de lei que se originou no CDPP [Centro de Debates de Políticas Públicas], encampado pelo Tasso Jereissati [senador pelo PSDB do Ceará], que envolve mudança de arcabouço nas políticas fiscais para redistribuir o gasto social e impactar os mais pobres gastanto menos. Foi ignorada qualquer tentativa séria de se levar adiante.

Fora isso, o aumento para o Bolsa Família é da ordem de R$ 40 bilhões. É pouco provável que não se conseguisse remanejar gastos, tem emenda do relator, fundo eleitoral, entre outros. Mas isso envolve algo que esse governo é incapaz de fazer, que é desagradar sua base no Congresso.

Então, basicamente, estamos elevando o teto para não mexer no dinheiro direcionado ao Centrão. Quem acreditou que o Paulo Guedes era um ministro técnico se surpreendeu. O objetivo dele é ajudar o presidente Jair Bolsonaro a se reeleger. E as consequências estão aí para a gente ver, na ata do Copom. Estamos dando 50 ponto a mais de aumento [o ritmo anterior de altas era de 1 ponto percentual], e outros 50 a mais no mês seguinte, porque o regime fiscal está desmoronando.

Muitos analistas brincam que a curva de juros [ou seja, quanto os investidores da dívida brasileira cobram para financiar o governo ao longo do tempo] na verdade virou uma reta, já que não há mais tanta diferença entre os juros cobrados no curto e longo prazos.  

A curva de juros, em geral, é positivamente inclinada. Mas o que estamos percebendo é que vamos passar por um aperto monetário maior do que se imaginava. Tem uma parte da curva que está ligada à reavaliação do que seria feito pela política monetária. Muito desse movimento veio daí, dessa percepção de mudança.

Temos visto que piorou na ponta longa e também na ponta curta [atualmente, tanto as taxas de juros cobradas para vencimentos no curto quanto no longo prazo estão bastante elevadas] porque se entendeu que o Banco Central vai ter que fazer muito mais que se imaginava, que teremos uma Selic avançando na casa dos dois dígitos, um pouco fora das projeções dos analistas. Acaba que houve esse reapreçamento dos juros.

Os últimos índices de inflação divulgados no Brasil mostram que a variação de preços continua a incomodar. O país caminha para um cenário de estagflação [em que, apesar da recessão da atividade econômica, os preços continuam a se elevar]? 

A combinação que temos de fato é muito ruim. É um cenário em que teremos que conviver simultaneamente com o desemprego muito elevado e com a inflação acima da meta. E ao mesmo tempo vemos um cenário de descolamento das expectativas de inflação.

Este ano acabou, não vamos cumprir a meta, mas, mesmo para 2022, as expectativas já estão quase um ponto percentual acima da meta, com sinais de descolamento também em 2023.

O que a retirada dos estímulos por parte do Federal Reserve, o banco central dos EUA, vai significar para países emergentes como o Brasil? 

Embora o Fed deixe claro que não necessariamente é o arauto do aperto monetário, de uma forma ou de outra o mercado lê o tapering [processo gradual de retirada de estímulos à economia] da seguinte maneira: primeiro começamos a retirar os estímulos, e em seguida elevamos os juros.

Mas já houve um movimento de reavaliação, de reapreçamento da política monetária americana. É por isso que vemos um movimento de fortalecimento do dólar. Isso parece já estar incorporado nos preços, está sendo conduzido de forma gradual, estão anunciando há muito tempo, o que acalmou um pouco o mercado.

O risco nessa história toda é que se descubra que o processo inflacionário americano será menos temporário do que se achava, refletindo algo mais permanente. Em vez de um ou dois aumentos [dos juros], que seja necessário ter mais altas, mais cedo. Isso pode levar a uma nova rodada de apreciação global do dólar, inclusive em relação ao real. E isso tem algum impacto sobre a inflação.

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