Logo-Agência-TradeMap
Logo-Agência-TradeMap

Categorias:

BC tem muitas cartas na manga e chance de dólar a R$ 6 é pequena, diz Gustavo Loyola 

Para ex-presidente do Banco Central, recessão na economia americana é possível, mas não provável

Foto: Gabo Morales/Divulgação

O acirramento da disputa eleitoral e a sequência de desgastes impostos às amarras fiscais pelo governo federal devem deixar o dólar ainda mais pressionado nos próximos meses, mas o Banco Central (BC) possui meios de arrefecer o câmbio e evitar um descolamento ainda mais forte da moeda americana.

É desta forma que Gustavo Loyola, que foi presidente do BC entre 1992 e 1993 e em um segundo período entre 1995 e 1997, analisa a flutuação cambial às vésperas do pleito em outubro.

“Não é um cenário de desastre, que se tenha claramente uma percepção de que as coisas vão piorar, mas é algo que vai ficar muito incerto e com debates sendo jogados para o ano que vem”, afirma ele, que é sócio da Tendências Consultoria Integrada. “É um cenário que não é favorável, mas também não é aquele de pânico ou estresse exagerado.”

Em entrevista à agência TradeMap, o economista também critica os esforços do Executivo e Legislativo para a aprovação da PEC dos Benefícios, movimento que teve a participação da oposição. “Todos são culpados, com raríssimas exceções, e isso é que é o mais assustador. Tem todo o espectro político aderindo a essa maluquice fiscal”, diz.

Até o final de 2022, a proposta custará aos cofres públicos R$ 40 bilhões fora do teto de gastos (mecanismo que limita as despesas à inflação do ano anterior).

O ex-BC também sinaliza preocupação com o que ele chama de “renascimento da inflação” no cenário global, mas afirma que os bancos centrais estão agindo da forma correta para conter a variação de preços. O economista não vê, por hora, a economia americana entrar em recessão.

Confira abaixo os principais tópicos da conversa.

Dólar a R$ 6?

Com a aproximação de eleições presidenciais e alta dos juros no mundo, será que o dólar pode subir ainda mais e se aproximar dos R$ 6?

Para o ex-presidente do Banco Central, esse é um cenário pouco provável, já que o BC dispõe de uma série de cartas na manga, como atuar no mercado de derivativos para gerar liquidez e reservas cambiais, caso seja necessário frear os ímpetos de uma subida mais vertiginosa da moeda nos próximos meses.

“Não vejo o dólar saindo muito dos patamares de até R$ 5,50, exceto se houver uma tragédia na campanha eleitoral, alguma coisa que seja vista como um risco muito grande ou uma piora muito forte do cenário externo”, afirma.

Após atravessar um período de desvalorização entre março e maio – atingindo a mínima de R$ 4,61 -, o dólar voltou a ganhar força no início de junho na esteira da escalada dos juros americanos e o ressurgimento do risco fiscal doméstico no radar dos investidores. A moeda americana encerrou esta quinta-feira (14) a R$ 5,45.

O economista pondera que as incertezas domésticas e internacionais, junto com os ataques do governo às âncoras fiscais, poderiam dar mais força ao dólar e fazer o câmbio romper a barreira dos R$ 6, apesar de esse cenário não ser o mais plausível.

“Pode ter uma volatilidade muito grande durante o período eleitoral. Pode ter flutuações, mas o Banco Central tem instrumentos lidar com esse tipo de situação, como fez em 2002 e em outras circunstâncias”, pondera.

O economista lembra que a recente escalada da moeda americana é impulsionada por fatores globais e domésticos.

Na pauta internacional, a escalada dos juros pelo Federal Reserve (o banco central dos EUA) atrai o dólar para o Tesouro americano e força a saída de outros países, como o Brasil. O movimento também é reforçado pelo clima de incertezas quanto aos rumos da economia com o conflito no Leste da Europa e medidas de lockdown na China.

Na cena doméstica, os riscos surgem do aumento de gastos pelo governo federal às vésperas da eleição e os sinais negativos que os dois principais candidatos ao Palácio do Planalto, o atual presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dão para o compromisso fiscal.

“Entre os favoritos, tem o próprio perpetrador dessa destruição do arcabouço fiscal, que é o governo atual, e o outro candidato que nas suas falas mostra que não tem nenhum compromisso com a questão fiscal”, diz.

“Não é uma causa única, mas tem uma série de problemas antevistos, não para esse ano especificamente, mas para o ano que vem, principalmente. Evidentemente a moeda brasileira sofre nesse ambiente de aversão ao risco, na medida que o Brasil carece de rumo fiscal”. 

Recessão nos EUA é possível, mas não provável

Loyola lembra que a explosão da demanda e os entraves na produção gerados pela pandemia da Covid-19 levaram ao “renascimento da inflação”, o que trouxe a variação dos preços de volta à pauta das maiores economias do mundo após muitos anos.

O esforço dos bancos centrais em subir os juros, sobretudo pelo Fed, reacendeu em parte dos analistas o temor de a economia global caminhar para a recessão entre o fim deste ano e o início de 2023.

Para o ex-BC, o nível de incertezas no ar ainda deixa dúbio afirmar que a maior economia do mundo está entrando em crise, apesar de reconhecer que a questão deve ser considerada pelo mercado.

“Tem várias teorias a respeito, mas a verdade é que mesmo aqueles que não acreditam na recessão não podem descartar a possibilidade”, afirma. “É um cenário possível, mas não é o mais provável, ainda”.

Saiba mais:
Dado ruim de inflação nos EUA eleva chance de alta (ainda mais) agressiva de juros

O volume de incertezas globais não prejudica apenas as moedas emergentes. Na esteira da divulgação de dados da inflação americana nesta quarta-feira (13), o euro chegou a perder a paridade com o dólar pela primeira vez em duas décadas.

Para Loyola, o movimento evidencia os desafios dos bancos centrais em lidar com uma nova realidade inflacionária. “Enquanto o Fed está  muito mais na frente nessa questão de combate a inflação, o Banco Central Europeu está um pouco mais atrasado, embora a inflação na zona do euro esteja também bastante fora dos padrões”, diz. 

PEC dos Benefícios é “consenso diabólico”

Para o ex-presidente do BC, a aprovação da PEC dos Benefícios com amplo apoio da oposição nas duas casas mostra um “consenso diabólico”. “Todos são culpados, com raríssimas exceções, e isso é que é o mais assustador. Tem todo o espectro político aderindo a essa maluquice fiscal”, diz.

De acordo com Loyola, a medida terá impacto em desgastar ainda mais a confiança do mercado na capacidade de o governo controlar os custos e vai na direção oposta de medidas para fortalecer o compromisso fiscal adotadas recentemente, como a lei de responsabilidade fiscal e o próprio teto de gastos.

Saiba mais: Mercado pode ficar mais desconfiado após PEC dos Benefícios, diz agência de risco Moody’s

“Poderia ter alguma justificativa de fazer isso se houvesse uma política fiscal que pudesse de fato mitigar os problemas que a inflação está trazendo para a parcela mais vulnerável da sociedade”, diz Loyola. “Mas o que estamos vendo é que a maioria das medidas aprovadas não tem esse propósito”. 

A proposta, que foi promulgada pelo presidente Bolsonaro nesta quinta-feira (14), tem custo estimado de R$ 41,25 bilhões com recursos fora do teto de gastos até o final de 2022.

Juros mais altos e prolongados

Na avaliação do economista, o risco fiscal representado pela proposta pode levar o Banco Central a subir a taxa básica a 14%, patamar acima do esperado pelo mercado. “Se as expectativas de inflação para 2023 continuarem subindo, é um sinal de alerta que pode levar o Banco Central a subir ainda mais os juros”, diz.

Isso porque, além de elevar os gastos públicos, a PEC estimula a inflação ao jogar mais dinheiro na praça com a elevação do Auxílio Brasil para R$ 600, além de criar novos programas de pagamento de R$ 1 mil para caminhoneiros e taxistas.

O estímulo ao consumo vai na direção oposta à estratégia do Banco Central em subir os juros para reduzir a demanda das famílias e deve forçar ações mais tempestivas da autoridade monetária. Hoje a Selic está em 13,25% ao ano, e a expectativa da maior parte dos analistas é de mais 0,50 ponto na próxima reunião, em agosto, o que levaria a taxa a 13,75%.

Além da escalada maior, o ex-BC prevê que o início da queda deva ocorrer apenas na metade do ano que vem, o que tende a pressionar ainda mais a economia em 2023. “A atividade econômica vai sofrer e ficar bem contida, com crescimento não muito acima de 1%”, afirma. 

Controle fiscal é desafio para o próximo governo

A aprovação de reformas que refaçam as amarras fiscais é o maior desafio na área econômica para quem governar o país a partir da próxima eleição, diz o ex-presidente do BC. A falta do arcabouço fiscal, afirma, pode exigir que os juros continuem subindo a ponto de gerar instabilidade no país.

“O maior desafio olhando do ponto de vista macro é a questão fiscal. Se não conseguirmos resolver isso, vamos ficar pagando juros muito altos, correndo risco de em algum momento o Banco Central se constranger pela dominância fiscal [ou seja, quando o BC não pode elevar a taxa de juros para combater a inflação porque a dívida pública elevada aumenta o desiquilíbrio fiscal] e ficar complicado estabilizar a economia”, afirma. 

Na ponta estrutural, o foco deve estar em políticas públicas que destravem a produtividade brasileira e facilitem o ambiente para a atração de investimentos.

“Tem toda uma agenda que não foi enfrentada durante o governo atual, e tem mais uma agenda que foi criada pelos erros cometidos agora na área fiscal”, diz Loyola.

⇨ Acompanhe as notícias de mais de 30 sites jornalísticos de graça! Inscreva-se no TradeMap!

Compartilhe:

Leia também:

Mais lidas da semana

Uma newsletter quinzenal e gratuita que te atualiza em 5 minutos sobre as principais notícias do mercado financeiro.