Sem trégua: IPCA deve subir mais 1,2% em novembro e terminar ano em dois dígitos; entenda

Combustíveis e energia representam 50% da inflação em 12 meses, segundo a FGV

Mês a mês, a divulgação dos índices de inflação vem surpreendendo negativamente o mercado. Nesta quarta, dia 10, foi a vez do mais importante deles, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial da variação de preços no Brasil, que avançou 1,25% no mês passado e já acumula alta de 10,67% em 12 meses. O número representou uma aceleração em relação a setembro e deu um baile nas expectativas mais pessimistas dos investidores –no pior dos cenários, a projeção era de alta de 1,19%, segundo a Broadcast.

Para novembro, mais notícias ruins. O economista André Braz, coordenador dos índices de preços do Ibre/ FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), vê quase um repeteco do cenário de outubro, com uma nova alta de 1,20% na inflação oficial deste mês.

“Existe um reajuste importante a ser captado na inflação de novembro, que foi o novo aumento nos combustíveis que foi dado no final de outubro, pouco antes da coleta do IPCA”, lembra ele. “Por isso, eu esperaria uma alta de 1,20% neste mês, repetindo muito o panorama do mês passado, que foi bastante influenciado por energia e combustíveis”.

Para ele, a variação de preços chegará em dezembro acima de dois dígitos, em 10,2%. “No ano que vem, pode bater quase no teto da meta do IPCA [que é de 3,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo”, aponta. Após a divulgação do índice de outubro, uma série de bancos revisaram suas projeções para a inflação de 2021: o Bank of America, por exemplo, elevou sua aposta de 9,1% para 10,1%, o Barclays, de 9,5% para 10%, e o JP Morgan de 9,6% para 10,3%.

Afinal, por que a variação de preços não dá uma trégua e vem sendo uma surpresa para os investidores? E o que isso quer dizer para a taxa básica de juros da economia, a Selic, e consequentemente para o nosso crescimento? Veja abaixo os principais pontos levantados por economistas consultados pela Agência TradeMap.

Energia e combustíveis contaminam preços

Há dois causadores principais da inflação recente que estamos enfrentando, e eles são considerados altamente contagiosos para os preços da economia como um todo: energia e combustíveis, que em 12 meses já sobem 31,52%. De acordo com Braz, do Ibre/ FGV, cerca de 50% da inflação acumulada nesse período está na conta desses dois componenetes.

“A energia elétrica tem um poder de contágio enorme, que não se manifesta no momento exato em que fica mais cara. É um fardo para a atividade produtiva, e parte dele se transmite para os preços, aos poucos e por um longo período. É o salão de beleza que paga uma conta de luz maior, é o shopping que gasta mais com a iluminação, e por aí vai”, aponta. “É a mesma coisa para combustíveis. O frete fica mais caro, daqui a pouco o transporte público fica mais caro. Essa é a razão dessa persistência maior na variação de preços”.

Esse espalhamento, ressaltou, já chega nos serviços. “É só ver que o táxi por aplicativo já subiu 19%, restaurantes já tiveram alta de quase 1%, lanchonetes subiram mais de 1%, passagem aérea com alta de 30%”, diz Braz.

De acordo com ele, o lado positivo disso é que grande parte da inflação da energia é temporária: está relacionada à bandeira tarifária atual, consequência da crise energética, e a expectativa é que esse adicional na conta de luz vigore até abril de 2022. “Está chovendo bastante, até acima do esperado, e essas chuvas podem fazer com que tenhamos uma bandeira tarifária menos onerosa a partir de maio de 2022”.

Economia brasileira é fortemente indexada

Economistas experientes, como o ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, costumam dizer que que o Brasil não é país de inflação baixa. Há uma razão simples para isso: os longos anos de hiperinflação levaram diversos contratos (como aluguel, planos de saúde, transportes, saúde e comunicações, entre outros) a serem reajustados por índices de preços.

Para Fabio Astrauskas, professor do Insper e CEO da Siegen Consultoria, essa característica da economia brasileira não pode ser subestimada, e explica a persistência do IPCA.

“Todos esses mecanismos de indexação que existem nos serviços de concessão, nos dissídios, até nos pedágios das rodovias, estavam adormecidos com a inflação muito baixa. Agora, eles começam a assumir, de novo, um papel importante”, avalia. “Um peteleco inicial faz com que a inflação se mova de forma incercial, por conta dessa estrutura de indexação da economia, que nunca foi desmontada. É perverso no sentido de que a inflação passada alimenta a inflação futura de forma automática”.

Outro ponto que desfavorece o Brasil especificamente é a forte desvalorização do real. “Da metade de junho para cá, o real se desvalorizou mais até do que o peso argentino em comparação com o dólar”, afirma o professor do Insper. “A inflação persistente é um fenômeno mundial, não é uma maldição brasileira. Há um descasamento nas cadeiras de suprimento, que vem afetando a oferta global. Mas no Brasil é pior, porque nossa moeda está muito desvalorizada e temos uma deterioração das contas públicas muito maior”.

Mais pressão sobre o BC

Essa aceleração sem trégua dos preços vai colocando cada vez mais pressão sobre a política monetária do Banco Central, até porque a outra opção de controle da inflação, que é a política fiscal, se deteriorou nas últimas semanas. A aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios na Câmara, que altera o teto de gastos para abrir quase R$ 100 bilhões em despesas no Orçamento do ano que vem, é o principal sintoma desse problema.

Na última reunião, o BC elevou a Selic em 1,5 ponto, a 7,75% ao ano, e sinalizou outra alta igual na próxima reunião. Mas começam a crescer as apostas de uma elevação ainda maior.

“A inflação está subindo de elevador, e a Selic está subindo de escada”, resume Astrauskas. “O IPCA de outubro reforça a opinião de uma parte do Copom [Comitê de Política Monetária do BC], que segundo a ata da reunião aventou uma alta nos juros um pouco mais agressiva do que já foi”.

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