Ano eleitoral, contração monetária, expectativa de recessão no exterior e reajustes para o rumo da economia brasileira neste ano. Todos estes fatores são conhecidos do mercado e, inevitavelmente, impactam a movimentação do dólar.
A divisa americana variou entre R$ 5,72 em janeiro e R$ 4,58 no início de abril, resultando em uma depreciação acumulada de 13% em 2022. A alta volatilidade do dólar, com isso, reacende a dúvida nos investidores se vale a pena expor o patrimônio a ativos dolarizados ou é hora de esperar.
Com o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, o acesso às diferentes geografias mundo afora se tornou mais factível, seja por meio de corretoras que viram uma onda ascendente de investidores ou produtos com exposição ao exterior que foram criados.
A possibilidade de investir nos Estados Unidos, por exemplo, se tornou realidade há muito menos tempo do que o imaginado pela maior parte dos novos investidores. A demanda fomentou a oferta, que procurou tirar o atraso brasileiro em termos de opções de investimentos.
Se ruim para inflação e, consequentemente, para o poder de compra, e ótimo para a balança comercial no país, o dólar também mexe com os ânimos na hora de investir.
No último Boletim Focus divulgado ao mercado, no dia 2 de maio, a previsão para o câmbio era de R$ 5. Seis meses antes, era de R$ 5,56 e, um ano antes, atingia R$ 5,40. Estimativas díspares são tão voláteis quanto as variáveis que as estimulam.
O investidor de longo prazo, contudo, tem a vantagem de não precisar se preocupar a todo instante com o patamar do câmbio para fazer bons negócios.
Evolução
Cerca de 2,3% da população brasileira investe na Bolsa. Há pouco tempo, essa proporção significava menos de 1%, quando existiam mais encarcerados do que investidores no país.
Ainda assim, fica muito aquém de mercados mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde metade da população investe, ou até da Colômbia, como exemplo na América do Sul.
Mas o rápido avanço, tanto em número de investidores gerais como os expostos ao exterior, além da outrora queda da taxa de juros e perda da atratividade da renda fixa, mostra que as opções de investimento ficaram mais amplas, baratas e simplificadas.
A mentalidade dos investidores corretamente caminhou para a visão de diversificação global, como uma rotina, e não apenas uma posição estratégica – como, de fato, deve ser.
Afinal, grande parte das maiores oportunidades de investimento não está no Brasil, que tem um mercado forte no setor bancário, ligado a commodities, com uma pequena gama de empresas listadas e produtos disponíveis ainda limitados.
Disparidade
As empresas de tecnologia no Brasil, integrantes de um setor ainda pouquíssimo explorado no país, são negociadas a múltiplos superiores às tradicionais big techs americanas, que crescem a taxas cavalares ano após ano.
A Alphabet (GOGL34), controladora do Google, por exemplo, é uma empresa que, além de já ser altamente consolidada, tem avenidas de crescimento a desenvolver, como tecnologia em nuvem e o próprio YouTube.
O investimento na rede social de vídeos, inclusive, mostra a eficiente alocação de capital da companhia. Em 2006, o Google comprou o YouTube por US$ 1,65 bilhão. Hoje, a empresa já tem receita anual similar à Netflix e já equivale a 11% da Alphabet.
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Tudo isso sem deixar de gerar valor e com manutenção de preço atrativo. O ROIC (Retorno sobre Capital Investido), na casa dos 36%, é mais de cinco vezes maior do que seu custo médio ponderado de capital, enquanto negocia a 19,7 vezes o lucro dos últimos 12 meses.
A mesma coisa serve para a Meta, controladora do Facebook (FBOK34). Embora a pressão antitruste e concorrencial esteja pesando sobre a cotação da empresa, ela tem contato com metade da população global por meio do guarda-chuva de redes sociais.
Os algoritmos afinados fazem com que o crescimento do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) tenha crescido 41,30% anualmente nos últimos dez anos. Mesmo assim, a empresa negocia a um múltiplo P/L de incríveis 14 vezes.
No Brasil, o tema de tecnologia se mistura a serviços e e-commerce, mas Totvs (TOTS3), Sinqia (SQIA3) e Locaweb (LWSA3) são algumas das poucas opções puramente de tecnologia na B3. Seus múltiplos são mais esticados ou, no caso da Locaweb, houve prejuízo no período, o que deixa a empresa com o P/L negativo em 261 vezes.
Risco
Isso não significa que não haja risco em investir no exterior, tampouco em tecnologia. O mar não está para peixe, dado o desempenho do mercado como um todo e o aumento de custo de capital, impactando as empresas de crescimento.
O S&P 500 está próximo de atingir uma baixa de 20% desde sua máxima histórica, o que traria “oficialmente” um bear market (mercado com tendência negativa).
O VIX, conhecido como índice do mercado nos Estados Unidos, que mede a volatilidade esperada para os papéis do S&P 500, está perto da casa dos 30%, acima dos últimos meses, mas ainda abaixo dos bear markets das recessões de 2001, 2008 e 2020.
O VIXM, ETF (Exchange Traded Funds) que mede os retornos de contratos mensais de futuros do VIX, com média ponderada de cinco meses até o vencimento, sobe quase 20% desde o início do ano, conforme mostra a imagem abaixo.

Para o investidor de longo prazo, que tem estômago para encarar trimestres a fio com o mercado andando de lado ou aquém das expectativas, o momento atual significa mais uma janela de investimento.
Razões para o vai e vem
Por mais que o real esteja em rota de fortalecimento ante a moeda dos Estados Unidos, o histórico da divisa brasileira é amplamente negativo.
Nos últimos dez anos, o real se desvalorizou pouco mais de 60% em comparação à moeda mais forte do mundo. As divisas emergentes sofreram bastante durante a pandemia, quando o fluxo global em risk off (ou fuga para ativos seguros) se direcionou ao porto seguro americano.
O peso argentino, por exemplo, perdeu mais de 90% de seu valor na última década, processo intensificado desde o ano de 2020.
A volatilidade atual do câmbio diz respeito a uma série de fatores que fogem do controle dos investidores.
Após o ciclo de alta da Selic, que parece não ter terminado, atualmente o Brasil tem o maior juro real do mundo. Em condições normais, a moeda brasileira tenderia a se valorizar.
O aumento do prêmio de risco no Brasil com a proximidade das eleições e risco de quebra do teto de gastos, seja por quem vencer as eleições (dado o cenário com dois principais postulantes), porém, limitará o potencial de apreciação do real.
Não obstante, o dólar está longe de sua máxima histórica em termos reais. De forma nominal, o ponto mais alto foi alcançado em maio de 2020, a R$ 5,88. No intradia, em 14 de maio daquele ano, a moeda atingiu R$ 5,97.
Mas, levando em conta o valor do dinheiro no tempo e o diferencial de inflação nos Estados Unidos e Brasil, em termos reais a maior cotação do dólar foi atingida em outubro de 2002, a R$ 3,95 – o que nos preços de hoje seria acima de R$ 8.
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O investidor, com isso, não deve procurar acertar o melhor momento para a compra de ativos dolarizados em termos de preço, já que pouquíssimos dos mais renomados economistas acertam exatamente o rumo do câmbio — para não dizer nenhum.
O foco deve estar em fazer boas compras, pagando preços abaixo do valor, de forma diversificada geograficamente e em moeda forte. Momentos de volatilidade podem fazer com que o investidor perca no ativo e no câmbio, mas farão pouca diferença no longo prazo.
Exposição ao dólar a gosto
Com a desmistificação do investimento no exterior nos últimos anos, enviar recursos para fora do Brasil se tornou cada vez mais fácil e intuitivo.
Existem mais de quatro mil empresas listadas diretamente nos Estados Unidos. O TradeMap oferece a opção multibroker, que conecta o investidor ao mercado de capitais nos Estados Unidos.
Além disso, é possível investir por meio de fundos de ações ou multimercado que atuam no exterior, BDRs (Brazilian Depositary Receipts) de companhias americanas que têm seus papéis negociados na B3 ou até fundos temáticos.
Uma das principais e indiretas formas é aproveitar o dólar por meio de companhias que têm suas operações no exterior. São os casos de Vale (VALE3) e Suzano (SUZB3) ou até a Weg (WEGE3), que possui 49% de seus negócios separados, principalmente, entre América do Norte e Europa.
Ações VALE, SUZB3 e WEGE3 têm correlação positiva com queda do dólar

A decisão de investir no exterior, como qualquer outra, deve ter como base principal o preço. Não do dólar em si, mas dos ativos a serem adquiridos – como qualquer outro investimento. O câmbio é um fator adicional que, no longuíssimo prazo, deve impulsionar os retornos e não o contrário.