Quem pode alterar a meta de inflação no Brasil?

CMN estipulou que o BC deve buscar uma inflação de 3,25%, em 2023, e de 3%, no próximo ano

Foto: Shutterstock/wut62

A meta de inflação está no centro do embate entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Essa meta, medida pelo IPCA, é estipulada previamente e a autoridade monetária deve persegui-la, ou seja, trabalhar para que seja atingida. E o principal instrumento é a condução dos juros.

Para 2023, a meta de inflação é de 3,25% e, para o ano que vem, de 3%, sempre com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Já o Boletim Focus do BC, que consolida as projeções de analistas, revela que a previsão do mercado é que o IPCA feche o ano com alta de 5,78%, ou seja, acima do teto da meta.

Se esse cenário se concretizar, será o terceiro ano consecutivo que o BC não cumpre a meta.

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Lula já sugeriu uma meta maior, de 4,5%, por achar exagero o patamar atual. Dessa forma, ficaria mais fácil cumprir o que determina o BC – mas a equipe econômica, em uma “operação apaga incêndio”, sinalizou que a hipótese não está em estudo. Já o BC mostrou na última decisão do Copom que pode manter a Selic por mais tempo em 13,25% para a inflação e as expectativas cederem.

O debate tem causado algumas farpas, com Lula chamando Campos Neto de “aquele cidadão”, além da proximidade do presidente da autoridade monetária com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Alteração da meta

Mas quem pode mudar a meta em um cenário que o presidente do país quer uma coisa e o BC é independente? A meta é estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). A de 2024 foi fixada em 2021, quando o conselho era composto pelo presidente do BC, que já era Roberto Campos, por Paulo Guedes, então ministro da Economia, e pelo secretário de Fazenda, subordinado a Guedes.

Em 2003, Henrique Meirelles, então presidente do BC, passou a adotar uma meta “ajustada” de inflação para 2003 e 2004, mais elevada, e enviou uma carta ao CMN justificando a decisão. Naquele momento, a Selic estava inclusive em processo de elevação.

Outra forma seria o CMN decidir alterar a meta do ano seguinte na reunião de junho. Atualmente, o conselho é formado pelo presidente do BC e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do Planejamento, Simone Tebet (MDB).

O economista Braulio Borges, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), defendeu uma meta maior para o próximo ano, justificando que o processo de desinflação para a meta, ou seja, de manter os juros elevados para a inflação ceder, é elevado e faria com que a economia trabalhasse abaixo do seu potencial, piorando inclusive as contas públicas (com menor atividade e menor arrecadação).

A adoção de uma meta mais elevada, no entanto, não é unânime – na verdade, tem recebido mais críticas que adesões. Esse tema também não é exclusivo do Brasil. Em economias maduras já houve a discussão sobre se aceitar um nível de inflação mais alto.

Indexação da economia

Para Flavio Serrano, economista-chefe da Greenbay Investimentos, a questão não é ter uma meta de inflação “apertada” ou não, uma vez que a indexação dos preços continuará fazendo efeito sobre o IPCA.

“O nível de 3% de meta é similar ao verificado em outros países emergentes. O problema aqui é que os mecanismos de indexação são muito mais fortes, inclusive nos gastos públicos. Então é preciso paciência para produzir a desinflação”, diz.

Indexação é quando um contrato ou um preço é atrelado a um determinado índice. Um exemplo é o reajuste de aluguel, muitas vezes atrelado ao IGP-M, ou as tarifas de concessões públicas, que levam em conta a inflação de determinado período. A ideia é que um produtor ou trabalhador não perca o poder de compra causada pela inflação.

Isso faz com que os preços, no período seguinte, subam por “inércia”, já que serão corrigidos pela inflação, então já há um aumento da inflação contratado. Quanto mais indexada é uma economia, maior será essa inércia.

Na avaliação de Serrano, por essa característica, é preciso ter maior paciência com o processo de desinflação no Brasil. Ele ressalta, contudo, que a busca por uma inflação menor é benéfica, já que os agentes da economia vão demandar menos mecanismos de proteção, ou seja, indexação.

“Além disso, um nível mais baixo de inflação está associado a uma menor volatilidade. Inflação mais alta produz maior volatilidade na taxa de juros e, portanto, do produto”, diz, ao defender que se continue com a meta de 3% ao longo do tempo.

Em estudo publicado pelo Itaú, uma meta de inflação mais elevada levaria a uma elevação dos juros nominais na mesma proporção. Além disso, a percepção por parte do mercado de que o governo poderia estar sendo leniente com o combate à inflação poderia elevar ainda mais as expectativas para o IPCA.

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