Mercado se prepara para surpresas negativas em balanços dos EUA – e positivas nos do Brasil

Foto: Shutterstock/Peshkova

Com o início da temporada de balanços do terceiro trimestre batendo na porta, o mercado começa a calcular quais serão os resultados que as empresas apresentarão, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. E a perspectiva é de um desempenho bem diferente para as companhias de cada um.

Para as empresas americanas, a perspectiva é de resultados mais fracos do que no caso das brasileiras, e isso se deve principalmente à diferença na trajetória das taxas de juros dois dois países.

De acordo com analistas ouvidos pela Agência TradeMap, o fato de o Banco Central do Brasil já ter encerrado o ciclo de alta da taxa Selic contribui para um ânimo maior do mercado doméstico. Já nos EUA, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) está elevando os juros rapidamente e não deve parar tão cedo.

Desde janeiro, a taxa americana saiu de uma faixa de 0% a 0,25% para algo entre 3% a 3,25% ao ano, movimento que contribui para um cenário de recessão e que começará a impactar os resultados das empresas americanas desde já.

Essa é a visão do analista Victor Penna, head da área de research do banco de investimentos do Banco do Brasil (BB-BI). Ele considera que, após um segundo trimestre “estável” para as companhias americanas, os resultados do terceiro trimestre serão pressionados pelo avanço dos juros e da inflação nos EUA.

“O mercado já não estava esperando um crescimento de lucro para as empresas neste trimestre, mas agora percebemos que essas expectativas estão sendo revisadas para baixo”, comenta Penna. Segundo ele, os analistas ficarão de olho nas teleconferências das empresas para apresentar os resultados, as chamadas earnings call. “Lá, eles darão mais projeções sobre os próximos trimestres”, avalia.

Essa perspectiva de que as empresas americanas podem ter resultados piores do que o esperado começou há algumas semanas.

Em um podcast publicado no final de setembro, o estrategista-chefe do banco Morgan Stanley, Michael Wilson, afirmou que para cada valorização de 1% no dólar, há uma redução de 0,5% no lucro das empresas do S&P 500. “Os lucros do S&P 500 no quarto trimestre enfrentarão um vento contrário de aproximadamente 10% para o crescimento”, comentou.

Além dele, os analistas Liz Ann Sonders e Kevin Gordon, da corretora americana Charles Schwab, afirmaram em um relatório que a taxa de crescimento estimada para os lucros do S&P 500 no terceiro trimestre deste ano é de apenas 5%. “Se empresas do setor de energia forem excluídas, esperamos uma queda de quase 2%”, acrescentam.

Nem tudo está perdido

Mesmo com essa perspectiva pessimista para a grande parte das empresas americanas, algumas delas ainda podem apresentar resultados melhores no terceiro trimestre. Rodrigo Lima, analista de investimentos da Stake, destaca que, no índice S&P 500, o único setor positivo no ano é o de óleo e gás, com uma valorização de mais de 40% enquanto os outros possuem perdas consideráveis ao longo de 2022.

“É o único setor que passa por revisões positivas nas projeções de lucro. Podemos ver talvez não apenas eles batendo as estimativas dos analistas de lucro, mas também com revisões positivas para os próximos trimestres”, comenta.

Penna, do BB-BI, destaca que esse movimento no setor de energia reflete a alta do preço do gás e do petróleo no mundo, causados pela crise energética decorrente da guerra envolvendo Rússia e Ucrânia.

A guerra mexeu com esses preços por que a Rússia é um importante exportador mundial de gás e petróleo. Após o início dos ataques, alguns países do Ocidente começaram a impor barreiras e restrições econômicas às exportações do país, o que acabou mexendo no preço dessas commodities.

Com a perspectiva de queda na oferta, o barril do petróleo chegou a bater os US$ 130 no início do ano. Atualmente, é negociado na faixa dos US$ 95, ainda bem acima do visto em 2021.

Para além de empresas de energia, a estrategista de ações da XP, Jennie Li, afirma que existem oportunidades em outros tipos de companhias nos EUA. Primeiro, ela cita companhias com “poder de precificação”, ou seja, aquelas que conseguem repassar o aumento de custos causado pela inflação para seus produtos.

Além delas, Li prefere apostar em companhias que geram lucros, possuem boas margens e vantagens competitivas para navegar o cenário macroeconômica ainda bastante incerto. “Gostamos do setor de saúde, telecomunicações, e energia. Além de evitarmos empresas com valuations muito altos e de crescimento, que são mais sensíveis ao movimento de subida de taxas de juros”, afirma.

Momento positivo para o Ibovespa

Se nos EUA a economia ainda vive um momento de alta dos juros para combater a inflação, o movimento brasileiro é inverso, ao menos em relação à taxa básica.

A desaceleração da inflação levou o Banco Central a colocar um ponto final no atual ciclo de aperto monetário brasileiro, mantendo a taxa Selic em 13,75% ao ano na última reunião em setembro.

“Apesar de estarmos numa situação parecida no ciclo econômico, o caminho dos juros é oposto”, relembra Victor Penna.

Ele afirma que podemos ver empresas ligadas ao mercado interno com bons trimestres até o final do ano. Contudo, acredita que a alta de juros ocorrida ao longo dos últimos meses poderá ser sentida no ano que vem. De fato, o mercado projeta mais crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano do que em 2023.

Segundo o último Boletim Focus, publicação divulgada pelo Banco Central contendo um resumo das expectativas de mercado a respeito dos principais indicadores da economia brasileira, a projeção para o desempenho do PIB do Boletim. Para este ano, a expectativa se manteve em 2,70%, enquanto em 2024 é esperada alta de 1,70%.

Essa direção inversa de expectativas com a economia brasileira pode ser vista também na performance das Bolsas lá fora e aqui.

De janeiro pra cá, os índices Nasdaq, S&P 500 e o Dow Jones acumulam quedas que variam de 20% a 30%, retornando aos níveis dos períodos mais amargos da pandemia. O Dow Jones, por exemplo, opera próximo aos 29 mil pontos, patamar visto pela última vez entre o final de 2020 e o início de 2021. Desde então, chegou a bater os 36 mil pontos, no final do ano passado.

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Em contrapartida, o principal índice acionário do Brasil, o Ibovespa, apresenta uma valorização de mais de 6% desde o primeiro pregão de 2022.

“Vemos o Ibovespa bem posicionado até o final do ano. Claro, a recessão global e também as eleições são riscos importantes a serem monitorados”, comenta Jennie Li, da XP.

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