2023 terá economia “no chão” e juros caindo para 7,5%, diz Kanczuk, ex-diretor do BC

Para ex-diretor de Política Econômica do BC, Copom será obrigado a levar Selic a 14,25% em 2022

Foto: Divulgação

Apesar da resistência atual do mercado de trabalho ao caminhão de juros lançado pelo Banco Central sobre a economia brasileira, a atividade vai perder fôlego a partir do quarto trimestre deste ano, o que permitirá que a taxa básica, a Selic, hoje em 13,75% ao ano, seja reduzida a entre 7% a 7,5% no final de 2023.

Esse é o cenário do ex-diretor de Política Econômica do BC Fabio Kanczuk, atualmente no comando da área de macroeconomia da ASA Investments. Ele também acredita, no entanto, que o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) precisará levar a taxa a 14,25% ao ano no final de 2022, a despeito da sinalização do fim do ciclo no comunicado na última reunião.

“[O impacto da alta de juros sobre a economia] está demorando mais do que deveria, e quando vier será mais abrupto do que é típico”, afirmou ele em entrevista à Agência TradeMap. “Quando vier, vem muito mais forte. Acho que em 2023 o Banco Central começa a reduzir a taxa em um momento sem inflação nenhuma, a economia no chão, e assim como acelerou a alta, começa a acelerar a queda.”

Na avaliação do economista, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o governo Temer entre 2016 e 2018 e fez parte da diretoria do BC entre 2019 e 2021, o aperto monetário, o maior desde a crise cambial de 1999, está demorando mais que o usual para chegar na ponta.

“Independentemente da economia global aquecida, dos problemas nas cadeias de fornecimento, já tinha que ter dado tempo para os juros aqui afetarem o mercado de trabalho. Mas ainda não deu para ver nada da política monetária pegando”, disse. “Neste ano, fora a queda de preços da gasolina e do ICMS, a inflação não virou. Não dá para cantar vitória ainda.”

Ele lembra que o impacto da política monetária deve ser postergado novamente porque, no terceiro trimestre, a atividade econômica ainda estará aquecida com a série de benefícios aprovados pelo governo, como a elevação do Auxílio Brasil e benefícios a caminhoneiros e taxistas, entre outros.

“No quarto trimestre, acho que finalmente vai ter uma desaceleração relevante.”

Veja abaixo a entrevista completa, concedida por Kanczuk na última sexta-feira (5).

O payroll [relatório que mostra o desempenho do mercado de trabalho nos EUA] mostrou o dobro de empregos que o mercado estava esperando em julho. A alta de juros no mundo pode levar à recessão de fato da economia global? Como vê os próximos passos do Federal Reserve [banco central americano]?

Não tinha razão nenhuma para o papo do último mês, de recessão nos EUA. Tem um ordenamento dos fatos, não dá para colocar o carro na frente dos bois. As coisas têm que ter um sequenciamento natural. Pandemia, inflação subiu, banco central sobe bastante os juros até conseguir desacelerar forte a economia, para aí a inflação cair.

Lá não teve aperto monetário ainda, os juros ainda estão abaixo do neutro.

Se ainda não está apertado, como vai aparecer uma recessão agora? A economia americana não tem nada de recessão, e acho que o payroll mostra isso. Nem quem tenta olhar as coisas por outro lado tem o que dizer. Foi algo bombástico, um negócio gigantesco, que deixou claro que não tem recessão nenhuma.

Olha esse mercado de trabalho, está forte para caramba, os juros vão continuar subindo. Não tem recessão, vai apertar os juros até que uma hora a economia afunda.

Tem como evitar recessão? Só com muita sorte. Em geral não consegue evitar, você precisa de uma graduação fina que a economia não tem. Vai subindo juros até machucar a economia, e entra em recessão. Então o Fed vai subir bem mais, acima de 4%, 4,5% ao ano, até acima disso, e aí entra em recessão, mas só na metade do ano que vem.

O Copom elevou a taxa básica de juros em 0,50 ponto, e indicou o final do ciclo, com a chance de uma alta de 0,25 ponto, na próxima reunião. A Selic a 14% dá conta de trazer a inflação para a meta em 2023?

O Copom foi mais extremo ainda. Não falou que vai ser ou zero ou 25 [pontos base]. Ele falou que parou, e que pode ser que precise dar mais uma de 25 [pontos-base]. Disse que pode ser, mas o plano de voo é: eu parei aqui, em segunda hipótese dou mais uma de 25.

Isso não é suficiente para 2023, e o Banco Central já nem está mais olhando somente para 2023, já começa a pesar um pouco para 2024. A sinalização dele é que dessa vez vai misturar os dois, 2023 e 2024, olhando a inflação em 12 meses terminada no primeiro trimestre de 2024.

É suficiente para a inflação que ele citou, do acumulado em 12 meses no primeiro trimestre de 2024, ir para a meta? Sim, mesmo se ele mantiver os juros em 13,75%, não precisa ser nem 14%. Por um período prolongado, o modelo vai dar que ele consegue sim colocar a meta nesse horizonte que está focando.

A minha leitura é que isso não vai acontecer, porque acho que aqui, muito análogo com os Estados Unidos, vem mais bordoada por aí, mais choque, e isso pode tirar o BC do plano de voo. Mas o plano de voo está impecável.

Acredito que o BC terá que subir a Selic em 0,25 e depois sinalizar que pode dar mais outra de 0,25 depois. Mas esse é o meu cenário, não a comunicação do BC.

O Banco Central já elevou a Selic em 11,75 pontos de março de 2021 para cá, mas a inflação não cedeu, com exceção da deflação que provavelmente vai acontecer em julho, mas que foi  impulsionada pela redução do ICMS. Por que essa demora para a inflação ser impactada?

Pode ser que ainda não deu tempo de os juros pegarem na inflação, tem a inflação no mundo, os bens são conectados com cadeias de oferta globais. Agora, já tinha que ter dado tempo de os juros afetarem o mercado de trabalho brasileiro.

Tem bastante juros aqui, subiu bastante, a gente deveria ver Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados] e Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] pegando, mas não deu para ver nada ainda.

Posso inventar uma história aqui para isso ter acontecido, mas a resposta sincera é: eu não sei porque isso está acontecendo. Não tem uma boa razão para a política monetária ainda não ter efeito do mercado de trabalho.

Agora no terceiro trimestre tem um outro fator que vai atrapalhar a política monetária que é a série de benefícios aprovados pelo governo, elevação do Auxílio Brasil, vale-caminhoneiro, vale-taxista. Mas no segundo trimestre não tinha essa política fiscal e mesmo assim a política monetária ainda não estava pegando.

É um pouco disso que está no meu cenário quando eu acho que vai ter continuação da política monetária restritiva, porque não tem sinais de arrefecimento.

Caiu a gasolina, mas isso não é inflação de verdade. Não dá para falar que está tranquilo, que a inflação virou. Não virou nada, ainda é cedo para cantar vitória.

Como a economia vai se comportar no final do ano? E o que podemos esperar de 2023 para a economia?

Acredito que finalmente vai haver uma desaceleração relevante da economia no quarto trimestre, mas a gente ainda está nas expectativas do que acha que vai acontecer no futuro.

Com a política monetária finalmente pegando no quarto trimestre, você tem uma recessãozinha no Brasil também, crescimento negativo no final do ano e no primeiro e segundo trimestre do ano que vem.

O lado positivo é que vai ajudar a inflação, mas o lado negativo é que a arrecadação tributária vai cair bastante, então toda essa sensação boa do fiscal devido a recorde de arrecadação reverte tudo com a recessão.

[No ano que vem] teremos um mundo em que a inflação vai virar, o banco central pode reduzir firme os juros, mas do outro lado o risco vai aumentar por causa de questões fiscais, com a parte longa da curva de juros, que reflete os riscos fiscais, sofrendo e a parte curta caindo.

E você acha que 2023 termina com qual juros?

Eu chutaria algo em torno de 7% e 7,5%.

É uma projeção diferente da mediana do mercado, que já vê 11% no final de 2023. No seu cenário, o mergulho da economia pode ser bastante intenso, e da mesma forma que o mercado de trabalho está resistindo muito, pode cair rápido?

Sim, [o impacto da alta de juros sobre a economia] está demorando mais do que deveria, e quando vier, será mais abrupto do que é típico. Quando vier, vem muito mais forte. Acho que em 2023 o Banco Central começa a reduzir a taxa, não tem inflação nenhuma, a economia está no chão, e assim como acelerou a alta, começa a acelerar a queda.

Estamos em um ano eleitoral e com um pleito bastante polarizado, com o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula indicando que manterão o Auxílio Brasil maior no ano que vem. Como vê o cenário fiscal pra os próximos anos?

Nenhum deles, seja qual ganhar, terá espaço fiscal nenhum, e nenhum vai conseguir cortar o Auxílio. Dado esse auxílio, o teto de gastos atual [mecanismo que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior] não consegue ser satisfeito, vai ser necessário buscar um outro tipo de teto, outro tipo de mecanismo.

A arrecadação será menor, isso se reverte no ano que vem. Então terão que ser encontrados ajustes importantes para que a sustentabilidade da dívida pública volte a ser factível.

O Lula tem preferência por um governo maior, é um mundo com mais gastos e mais impostos. O Bolsonaro tem preferência por governo menor, com o Paulo Guedes à frente da Economia, então é um mundo onde vai se tentar ter menos gastos e menos impostos.

Mas liquidamente, que é esse jogo de quanto você gasta e quanto você arrecada, ambos têm  problemas similares, e ambos vão resolver, não dá para se esconder. Nenhum vai ser irresponsável, vão resolver, mas de formas diferentes.

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