Um dos mais tradicionais atacadistas do Brasil, presente no país desde os anos 1970, o Makro pode estar de saída.
Segundo reportagem publicada pelo Valor Econômico na semana passada, o grupo holandês SHV, dono do Makro, pôs à venda todas as unidades da rede no Brasil, que somam 24 pontos e se concentram no estado de São Paulo.
A empresa ainda não encontrou um comprador, mas a eventual saída de um dos principais players acende o sinal de alerta sobre o que esse “quase adeus” pode representar para o setor.
Uma primeira conclusão, mais óbvia, é de que a saída do Makro abre terreno para que os concorrentes ganhem espaço no mercado, não só porque são candidatos naturais a comprar as lojas do Makro, mas também porque podem atrair para si os clientes que ficariam órfãos, aumentando o faturamento.
Vale lembrar que, se conseguir vender o que tem de lojas em São Paulo, o Makro não estará fazendo o seu primeiro movimento de despedida do Brasil. Trata-se de um adeus iniciado em 2020, quando a empresa vendeu 30 lojas para a líder do setor, o Carrefour (CRFB3), por R$ 1,95 bilhão.
O Carrefour, aliás, aparece entre as candidatas a levar o que sobrou do Makro. Segundo o Valor, as 24 lojas que restaram em São Paulo foram oferecidas inicialmente para os concorrentes Atacadão (que pertence ao Carrefour), Assaí (ASAI3), Fort Atacadista (Grupo Pereira) e Grupo Muffato. Mas ainda não houve interesse.
É possível que o motivo do desinteresse seja o valor fora do padrão, considerado alto por analistas. O Makro estaria pedindo cerca de R$ 120 milhões por loja, o que daria um total de R$ 3 bilhões. O valor médio é quase o dobro do valor médio gasto pelo mercado para construção de uma nova loja, entre R$ 55 a 65 milhões, excluindo a compra do terreno.
Independentemente do preço, as lojas do Makro em São Paulo são uma boa oportunidade para aqueles atacadistas ou atacarejos que têm como estratégia de expansão e aumento de competitividade, principalmente no estado de São Paulo, onde estão localizadas as 24 lojas restantes.
Nos últimos anos, o setor atacadista foi, em partes, beneficiado pela migração de clientes de hipermercados devido à atual conjuntura macroeconômica. A inflação acumulada de dois dígitos e a taxa de desemprego acima de 11% fizeram com que clientes de hipermercados e supermercados buscassem por preços mais baixos.
Segundo análise realizada em 2020 pela NielsenIQ, por encomenda da Abaas (Associação Brasileira dos Atacadistas de Autosserviço), o segmento de atacarejo cresceu cerca de 26% em faturamento, enquanto supermercados e hipermercados subiram 13%.
De acordo com a Abaas, mais de 860 mil famílias fazem compras no atacarejo por terem um preço até 15% menor em comparação aos hipermercados e supermercados. Os grandes players, portanto, já estão se movimentando e tendem a criar os próprios atacarejos ou converter antigas lojas para este modelo.
O Makro, no entanto, não aproveitou a oportunidade e, pressionado pela alta competitividade das líderes do mercado, a empresa resolveu sair do jogo.
Entre as concorrentes, com 250 unidades no fim de 2021, o Atacadão é o primeiro da lista, com um faturamento de mais de R$ 58 bilhões em 2021. Em seguida, está o Assaí, que somou R$ 45,5 bilhões. O Makro está apenas na 16ª posição, com faturamento de R$ 3 bilhões.
Ranking de faturamento da Abaas de 2021:
1° – Atacadão – R$ 58,9 bilhões
2° – Assaí Atacadista – R$ 45,5 bilhões
3° – Max Atacadista – R$ 10,5 bilhões
4° – Fort Atacadista – R$ 9,7 bilhões
5° – Mix Mateus – R$ 8,6 bilhões
16° – Makro – R$ 3 bilhões
Possíveis interessados
Um dos maiores grupos varejistas, o Grupo Pereira é outro dos possíveis candidatos à compra das lojas da Makro. Dono de marcas como Comper, Atacado Bate forte e Fort Atacadista, tem mais de 90 unidades localizadas em cinco estados brasileiros (SC, MT, MS, GO e SP), além do distrito federal.
Em março de 2022, com um investimento de R$ 70 milhões, o grupo concluiu a construção de um Fort Atacadista na cidade de Jundiaí. Esta loja faz parte de um robusto plano de expansão que a empresa tem como foco.
Além disso, em fevereiro de 2022, a empresa fez sua primeira incursão no mundo de mercado de capitais captando cerca de R$ 300 milhões em recursos por meio de debêntures, com objetivo de expandir as operações do grupo.
Outro possível comprador é o Assaí, que tem tocado um plano de expansão após cisão com o GPA em março de 2021.
Dos R$ 3 bilhões em investimentos líquidos da empresa em 2021, R$ 2,1 bilhões foram destinados à expansão, que contou com a abertura de 28 novas lojas. Em 2022, a companhia já abriu uma loja e outras nove estão em obras.
O plano de expansão não para por aí. Hoje empresa possui cerca de 200 unidades espalhadas em 24 estados, e pretende inaugurar mais 60 lojas em 2022. Já em 2023, quer ultrapassar o total de 300 lojas, para em 2024 atingir a meta de faturamento de R$ 100 bilhões, 119% superior ao obtido em 2021.
A expansão do Assaí também contou com o anúncio, em 2021, da aquisição de 71 unidades do Hipermercado Extra, que antes pertenciam ao GPA e serão convertidas em lojas do Assaí. O acordo envolve o valor de R$ 5,2 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões serão pagos pelo Assaí em parcelas, até 2024, e o restante ficará a cargo de um fundo imobiliário.
A aquisição, aliás, foi um forte sinal de como o setor tem buscado oportunidades para crescer de forma rápida.
À época, o CEO do Assaí, Belmiro Gomes, explicou que a compra das unidades do Hipermercado Extra era também um esforço para não ficar para trás em relação ao Carrefour, que havia anunciado a compra, em março do ano passado, do Grupo Big, antes pertencente ao Walmart, por R$ 7,5 bilhões.
Além disso, pesou para o Assaí o fato de que boa parte das lojas adquiridas do Extra está localizada em regiões centrais de grandes cidades. Das 71 lojas, 63 estão em 16 capitais e regiões metropolitanas.
Segundo Belmiro, tem sido cada vez mais difícil conseguir terrenos grandes em regiões centrais, com públicos de renda mais alta, para inaugurar lojas, em razão do crescimento das cidades. Por isso, a aquisição de lojas que já existem, como as do Extra, são uma boa alternativa.
“As lojas que foram adquiridas foram abertas há 20 ou 30 anos, quando havia disponibilidade de terrenos de 50 mil ou 60 mil metros quadrados, para estacionamentos com 700 vagas. Hoje, é impossível conseguir terrenos assim. A maior parte das grandes lojas está ficando na periferia”, ele disse, em outubro do ano passado, em uma teleconferência com analistas para explicar a aquisição.
Por outro lado, devido ao forte investimento em expansões, a dívida líquida da empresa cresceu 28% em 2021. A alavancagem da empresa, medida pela dívida liquida sobre o Ebitda, é de 1,93 vez, acima do nível de 2020, de 1,76 vez.
Apesar disso, a empresa se mantém dentro do que os analistas consideram um endividamento saudável. Além disso, a empresa reforçou o caixa por meio de emissões de debêntures e notas comerciais no primeiro trimestre de 2022, totalizando R$ 2,75 bilhões.
Porém, como a empresa tem o objetivo de utilizar os recursos para financiar a conversão das lojas do Extra em Assaí, é pouco provável que a empresa esteja disposta a pagar os R$ 3 bilhões pedidos pelo Makro para adquirir as 24 lojas.
Por fim, não podemos deixar de citar o líder do setor. Controlado pelo Carrefour, o Atacadão possui 250 unidades espalhadas por todos estados do Brasil, segundo o balanço mais recente, referente ao quarto trimestre.
Em movimento de forte expansão, o Atacadão, que já havia comprado 30 lojas da Makro, neste ano teve a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para concluir a aquisição do Grupo Big.
O investimento vai incorporar as 391 lojas do Big às 489 do Carrefour. O Grupo Big tem 35 lojas Sam’s Club (clube de compra), 107 hipermercados, 200 supermercados e 49 atacarejos.
O Atacadão tem como objetivo converter os hipermercados em lojas do Sam’s Club e no modelo atacarejo. A aquisição, segundo David Murciano, CFO da empresa, deve gerar uma sinergia de cerca de R$ 2 bilhões, que vai se refletir no Ebitda de 2022 e resultaria em uma expansão de 35% do indicador em relação a 2021.
Em 2021 rede Atacadão abriu 44 lojas, das quais 22 são novas e outras 22 são conversões do Marko. Os investimentos realizados pela empresa no ano chegaram a R$ 4,2 bilhões impulsionado pela expansão orgânica do Atacadão.
A alavancagem da empresa no médio prazo cresceu para 1,03 vez o Ebitda ajustado em 2021 versus 0,51 vez em 2020. A empresa fechou o ano com um caixa líquido de R$ 565 milhões, fortalecido por novas dívidas contraídas a longo prazo.
Já a dívida líquida da empresa fechou em R$ 2,4 bilhões, com uma alavancagem no curto prazo de 0,43 vez o Ebitda ajustado contra 0,06 vez em 2020.
O Carrefour, porém, deve concentrar seus esforços em 2022 na conversão dos hipermercados do Grupo Big em atacarejo. Além disso, o Cade pode dificultar para a empresa fazer novas aquisições, uma vez que foram impostas algumas ordens de venda de imóveis da empresa no processo de aquisição das lojas do Grupo Big.
Em resumo, as concorrentes do Mako podem até estar interessadas em comprar as unidades restantes da rede no Brasil, mas provavelmente a companhia terá de facilitar as condições.