Petrobras (PETR4) vai pagar R$ 32 bi em dividendos ao governo até julho; saiba para onde vai o dinheiro

Do total, R$ 25 bilhões irão para o Tesouro, mas não poderão ser usados para financiar subsídios

Foto: Shutterstock

A Petrobras (PETR3) pagou na última semana R$ 8,8 bilhões de dividendos a União, de um total de R$ 32 bilhões que devem ser destinados até julho. Desse montante, o Tesouro Nacional vai receber R$ 25 bilhões, mas, afinal, para onde vão exatamente os recursos que o governo recebe? É possível usar os dividendos da estatal para programas de subsídio para a população, com o objetivo de amenizar os impactos da alta do preço dos combustíveis?

O governo é o acionista controlador da estatal, com a União federal detendo 28,7% do capital da Petrobras e o BNDES, junto com o braço de participações do banco (BNDESPar), respondendo por outros 7,9%.

Do total de R$ 32 bilhões em dividendos a serem distribuídos pela estatal ao governo, o BNDES vai receber R$ 6,8 bilhões e a União federal, R$ 25 bilhões. O número, contudo, poderá ser ainda maior, a depender do lucro dos próximos trimestres, informou o Tesouro Nacional à Agência TradeMap.

A Petrobras deve responder neste ano pela maior parte dos dividendos recebidos pelo governo com a participação em estatais.

Ao todo, a Petrobras vai pagar R$ 48,5 bilhões em dividendos aos acionistas. O valor se refere à antecipação da remuneração aos acionistas relativa ao exercício de 2021, quando teve lucro recorde de R$ 106 bilhões.

Pela Lei das SAs (lei 6.404/76), a empresa deve distribuir no mínimo 25% do lucro em pagamento de dividendos. De acordo com a política de remuneração dos acionistas da Petrobras, em caso de endividamento bruto inferior a US$ 65 bilhões, a empresa poderá distribuir 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e investimentos. Como a dívida da companhia caiu para US$ 58,7 bilhões em 2021, foi possível aplicar essa fórmula.

Entre 2019 e 2021, a União recebeu R$ 34,4 bilhões em dividendos da estatal. Somando o lucro destinado à União, os impostos e os royalties, a Petrobras destinou à União R$ 447 bilhões de 2019 a março deste ano, de acordo com relatório fiscal da companhia.

Para onde vão os recursos que o Tesouro recebe?

Pela Lei nº 9.530/1997, os recursos recebidos pelo Tesouro Nacional decorrentes do pagamento de participações e dividendos pelas estatais controladas pela administração pública serão destinados à amortização da dívida pública federal, segundo informações do Tesouro.

Sendo assim, o governo hoje não pode usar esses recursos advindos dos dividendos da Petrobras para financiar programas de subsídio para a população e amenizar, assim, os impactos da alta dos preços dos combustíveis.

“Não tem possibilidade do governo usar esses recursos para outro fim, e qualquer medida nesse sentido necessariamente passa por mudança de arcabouço fiscal”, diz Victor Candido, economista-chefe da gestora RPS Capital.

Criação de fundo de estabilização

Há um Projeto de Lei (PL) 1.472/2021, aprovado em março pelos senadores e em tramitação na Câmara, que propõe a criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis com o excedente dos dividendos pagos pela Petrobras à União.

O objetivo seria criar uma poupança para subsidiar os preços em momentos de alta do petróleo no mercado internacional, já que a arrecadação do governo aumenta nesses períodos. Mas quando o preço do petróleo caísse lá fora, o valor dos combustíveis não seria reduzido no Brasil para poder capitalizar o fundo, explica Mauro Rochlin, professor de Economia da FGV.

“É um instituto que deve ser considerado porque ele não atinge a governança da Petrobras, não interfere na política de preços da Petrobras, não atinge os dividendos das minorias privadas de acionistas”, disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em coletiva em 21 de junho.

Para Candido, da RPS, a criação de um fundo de estabilização de preços seria equivalente a furar o teto de gastos. “O teto de gastos não fala sobre receitas, fala sobre despesas [que não podem crescer acima da inflação do ano anterior], e hoje não tem espaço dentro do teto para aumentar gastos.”

Outra proposta do governo é incluir na PEC dos Combustíveis, que tramita no Senado, medidas de subsídios como a bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil; o aumento do vale-gás para a população de baixa renda, hoje de R$ 53 a cada dois meses, que seria dobrado até dezembro; e a ampliação do Auxílio-Brasil de R$ 400 para R$ 600.

O pacote de benefícios deve ter um custo de R$ 35 bilhões e ficar de fora do teto de gastos, segundo informou o relator do projeto, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), na sexta-feira (24). O relatório da PEC deve ser apresentado nesta segunda (27).

Inicialmente, a PEC era destinada a subsidiar a perda de arrecadação dos Estados que zerassem a alíquota de ICMS incidente sobre diesel, gás de cozinha e gás natural até dezembro. Mas o governo resolveu usar os recursos para criar as medidas de auxílio, diante da preocupação com o impacto da inflação nas eleições.

Para poder ampliar os gastos, o relator da PEC estuda a possibilidade de reconhecer estado de emergência no setor de transportes em função da alta do preço dos combustíveis, após a guerra na Ucrânia.

“Não há estado de calamidade. O fato emergencial, que é a guerra, já aconteceu”, observa Candido. “O governo quer furar o teto e não quer falar que vai furar o teto”, complementa.

Esse recurso foi utilizado durante a pandemia, quando o governo decretou estado de calamidade para poder ampliar os gastos.

Essa seria uma forma também de o governo não ter problemas com a legislação eleitoral, que proíbe a criação de benefícios em ano de eleições.

“É uma forma mais blindada de fazer auxilio em ano eleitoral e evitar contestações no TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”, diz Candido.

Para Rochlin, o problema é se criar gastos recorrentes, como o aumento do Auxílio Brasil. “Algum subsídio por tempo determinado, como aconteceu na pandemia, seria menos pior e teria menos impacto nos mercados.”

Segundo Candido, da RPS, o PLP 18/2022, por exemplo, colocou um custo permanente para os estados, o que poderia ter sido feito apenas para este ano.

O projeto já foi sancionado pelo presidente e fixa um teto de 17% para a cobrança de ICSM sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte público.

Impacto sobre os mercados

A proposta do governo de criar medidas de subsídios fora do teto de gastos aumentou a preocupação com o quadro fiscal e elevou os prêmios de risco dos ativos locais nos últimos dias.

O dólar comercial encerrou a última semana cotado a R$ 5,22, o maior patamar desde 11 de fevereiro, e já sobe 10% no mês.

“A PEC dos combustíveis já está preficiada pelo mercado, que entendeu que vai ter mais risco fiscal e mais prêmio de risco”, diz Candido.

Uma mudança na Lei das Estatais, contudo, que chegou a ser cogitada pelo governo para alterar a política de preços da Petrobras e ganhar mais poder sobre a estatal, poderia levar a um aumento da aversão a risco no mercado local, destaca Candido. “Se isso avançar no Congresso, haverá uma reprecificação dos ativos.”

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