A desaceleração da inflação e a expectativa de que a taxa básica de juros, a Selic, permanecerá em mais de 10% pelo menos até o fim do ano que vem deixaram particularmente atraente o investimento em uma categoria específica de FIIs (fundos imobiliários): aqueles que aplicam em títulos de dívida atrelados ao CDI.
O CDI é a taxa que os bancos cobram quando fazem empréstimos entre si. Como ela é quase equivalente à Selic, é vantajoso aplicar em títulos vinculados a esta taxa quando os juros estão altos.
Os fundos imobiliários que investem nestes papéis, também chamados de FIIs de recebíveis, compram títulos de dívida do setor imobiliário cuja remuneração está atrelada a índices de inflação – como o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) ou IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) – ou ao CDI.
No entanto, as carteiras de FIIs com títulos indexados ao IPCA e ao IGP-M estão sofrendo por causa da deflação – a queda nos preços da economia. O dado do IPCA-15, por exemplo, sugere que a inflação deve cair em setembro pelo terceiro mês seguido, o que diminui o retorno dos papéis vinculados ao índice.
Isso não acontece com o CDI, já que a taxa básica de juros estacionou em 13,75% e deve seguir neste nível por algum tempo.
“Entendemos que os fundos indexados ao CDI tendem a pagar maior rendimento nos próximos meses”, diz Flavio Pires, analista de fundos imobiliários da Santander Corretora.
Embora não se espere uma nova deflação para outubro, a queda dos índices de preço deve afetar os rendimentos dos fundos imobiliários com maior exposição a papéis indexados ao IPCA pelo menos até dezembro. Isso porque há uma média de defasagem de cerca de dois meses para a variação da inflação ter impacto sobre os resultados dos fundos, explica Gustavo Caetano, especialista em FIIs do Inter.
“Com isso, ainda não atravessamos o momento mais delicado e de maior impacto nos fundos de ativos financeiros indexados ao IPCA”, apontou o Itaú Unibanco em relatório.
Para o Itaú, boa parte desse impacto já foi antecipado pelo mercado, dada a queda de 0,3% do índice Teva de Fundos Imobiliários de Papel em setembro. Mas o cenário de curto prazo para os FIIs com maior exposição ao IPCA está longe de ser tranquilo.
Nesse ambiente, com a expectativa de a Selic permanecer em patamar elevado por vários meses e terminando 2023 em 11,25% ao ano, segundo o último Boletim Focus, os fundos de papel com maior exposição ao CDI devem continuar pagando rendimentos atrativos no médio prazo, afirma Pires.
Veja abaixo o levantamento do TradeMap dos 10 fundos de recebíveis do Ifix, índice que acompanha o desempenho dos FIIs listados na Bolsa, com maior exposição ao CDI ou à taxa Selic.
A pesquisa considerou as informações dos relatórios gerenciais dos fundos e mostrou que essas carteiras pagaram retorno anualizado com dividendos (dividend yield) acima da variação do CDI, que acumula alta de 10,90% em 12 meses até setembro.
KNCR11 e VGIR11 têm as maiores exposições ao CDI
Com 95,9% da carteira investidos em papéis indexados ao CDI, o fundo KNCR11, gerido pela Kinea, ganhou destaque nas carteiras recomendadas das corretoras e ficou na liderança entre os fundos imobiliários mais recomendados para outubro.
O portfólio pagou rendimento de R$ 1,30 por cota em setembro, relativo a agosto, o que equivale a um retorno de 107% do CDI.
O fundo entrou na carteira recomendada para outubro da Guide Investimentos e da Genial Investimentos e é a preferência entre os fundos de papel da Santander Corretora.
“Acreditamos que o fundo está posicionado com um portfólio que deve lhe trazer níveis favoráveis de rendimentos durante o período de altas taxas de juros dos próximos anos, com patamar relativamente menor de risco de crédito e risco de mercado quando comparado aos seus pares”, destacou a XP em relatório.
Já o VGIR11 possui 98,5% da carteira em ativos indexados ao CDI. O portfólio entrou na carteira recomendada de FIIs da Órama para outubro.
Segundo a corretora, a maioria dos CRIs em carteira possui lastros no segmento residencial, atrelados a imóveis já prontos – ou seja, o devedor dá como garantia unidades prontas do empreendimento, e os recebíveis são ligados às vendas dos imóveis.
O fundo pagou, em agosto, rendimento de R$ 0,13 por cota, equivalente a CDI mais 1,94%, segundo o relatório gerencial do portfólio.
KNIP11 é um dos mais impactados com queda do IPCA
O impacto da queda da inflação para a distribuição de rendimentos vai depender da forma como a gestora e a administradora do fundo contabilizam os resultados.
Segundo Pires, no caso do fundo Kinea Índices de Preços (KNIP11), que tem 95.2% da carteira em ativos indexados ao IPCA, o impacto é maior porque a gestora apura os resultados do fundo conforme o regime contábil, que marca o preço dos papéis conforme o valor de mercado. Ou seja, com a queda do IPCA, automaticamente os preços desses papéis sofrem um desconto.
Isso explica a queda de 1,74% do fundo em setembro, acumulando desvalorização de 13,43% no ano.
Já o impacto para os fundos geridos pelo BTG, que contabiliza os resultados conforme o regime de caixa – isto é , conforme entram os recursos -, deve ser menor, explica Pires.
Reserva de recursos ajuda a amortecer impacto do IPCA nos FIIs
Alguns fundos imobiliários com maior exposição ao IPCA contam um colchão de resultados acumulados e não distribuídos que pode ser usado para amenizar o impacto da queda da inflação na distribuição e rendimentos.
É o caso do FII Mauá Capital Recebíveis Imobiliários (MCCI11). Segundo Pires, apesar de o fundo ter uma exposição de 71% da carteira a ativos indexados ao IPCA, o portfólio acumulou reserva de recursos, equivalente a R$ 2,20 por cota, durante o primeiro semestre.
Naquele período, a inflação estava elevada, batendo o pico de 12,13% em 12 meses em abril. Agora, a gestora pode usar esses recursos para manter o dividendo de R$ 1,10 por cota e estima continuar pagando esse rendimento até o fim de 2022, o que equivale a um dividend yield anualizado de 14,4%, acima do CDI.
“Por mais que tenha deflação, o fundo consegue manter o pagamento de dividendos linear, uma vez que pode usar as reservas do colchão para equalizar os rendimentos”, explica Pires.
Da mesma forma, o fundo HGCR11 tem 45% da carteira em ativos atrelados ao CDI e 53% expostos a índices de inflação, mas conta com reserva de recursos de R$ 2,20 por cota que pode ser utilizada para manter a distribuição de rendimentos de R$ 1,20 por cota, equivalente a um dividend yield de 13,8%. “Esse é o tipo de fundo que a gente gosta, que apesar de ter uma parcela exposta à inflação, tem esse colchão de proteção para amortizar os impactos”, diz Pires.
Olhando mais à frente, em um horizonte de um ano, o analista de fundos imobiliários da Guide Investimentos, Caio Ventura, recomenda a escolha de fundos com uma carteira mais balanceada entre papéis indexados ao IPCA e ao CDI, dado o cenário da corretora de corte da taxa Selic a partir do fim do primeiro trimestre de 2023.
Nesse cenário, a preferência da Guide recai sobre os FIIs CSHG Recebíveis Imobiliários (HGCR11), RBR Rendimento High Grade (RBRR11) e RBR Crédito Imobiliário Estruturado (RBRY11), que têm carteiras mais balanceadas, aponta a corretora em relatório.