Fundos de investimento registram em 2022 maior volume de saques em mais de uma década

Alta dos juros levou investidores para opções direta da renda fixa; opções de ações e multimercados perdem mais

Foto: Shutterstock/Bigc Studio

Em um ano marcado pela guerra na Ucrânia, temor de recessão global e, principalmente, a escalada dos juros no Brasil, os fundos de investimento registraram a maior fuga de capital em mais de uma década.

A indústria encerrou 2022 com resgate líquido – quando há mais saques que aportes -, de R$ 162,9 bilhões, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) divulgados na noite de quarta-feira (4).

O resultado supera, de longe, o fluxo negativo de R$ 65,6 bilhões registrado em 2009 – pior marca para a indústria de fundos na série histórica iniciada em 2006. Em 2021, a indústria de fundos de investimentos encerrou com saldo positivo de R$ 412,5 bilhões.

Dezembro foi o grande responsável pelos números em vermelho. No último mês de 2022, os saques superaram os aportes em R$ 142,4 bilhões.

O montante representa quase a soma de todos os outros quatro meses com resultados negativos: maio (R$ 54 bilhões), julho (R$ 54,1 bilhões), setembro (R$ 13,8 bilhões) e novembro (R$ 19,6 bilhões).

Além da alta dos juros, o último mês do ano é tradicionalmente marcado pela realocação das carteiras dos investidores, o que também impacta na saída de recursos da indústria de fundos para outras opções.

Alta dos juros prejudica até fundos de renda fixa

A escalada dos juros praticada pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central no último ano foi a grande responsável pela fuga do dinheiro dos fundos de investimento, segundo analistas ouvidos pela Agência TradeMap.

A taxa Selic começou 2022 em 7,75% e encerrou em 13,75% ao ano. A alta dos juros aumenta o fluxo de investidores para a renda fixa por dois motivos: a rentabilidade é maior e os riscos são menores.

“O custo de capital aumentou muito, e a atratividade de renda fixa também aumentou. O efeito direto disso foi o resgate [de dinheiro aplicado] na indústria de fundos para aplicação em renda fixa”, explica Thalles Franco, sócio e gestor da RPS Capital.

A atratividade dos investimentos da renda fixa impactou até mesmo os fundos baseados nessa modalidade. Em 2022, esta categoria teve uma saída líquida de R$ 48,9 bilhões.

Saiba mais:
Tesouro Direto: confira quanto os títulos públicos renderam em 2022

Esse movimento, explica Rodrigo Cabraitz, especialista em alocação de fundos da Principal Claritas, é reflexo dos incentivos para que os investidores “pulem” os fundos e façam aportes diretamente nas opções de renda fixa.

“O investidor não precisa tomar muito risco para ter retorno bom. Tem papéis de renda fixa, como os CDBs e títulos privados, pagando até 14% ao ano. Há opções de títulos de inflação com taxas de 6%. Isso faz com que o investidor migre diretamente para o papel”, afirma.

Além das taxas mais atrativas, aportes diretos, como em letras de créditos, são isentos de Imposto de Renda, além de o investidor não precisar arcar com as taxas de administração cobradas pelos gestores de fundos, pontua Franco.

Ações e multimercados desabam

Se para os fundos de renda fixa o ano passado foi ruim, para opções que contam com renda variável o resultado foi ainda pior.

Os fundos de ações tiveram resgate líquido de R$ 70,5 bilhões, enquanto os de multimercado, que mesclam opções variáveis e fixas, registraram R$ 87,6 bilhões a mais em saques do que aportes. Nos dois casos, 2022 foi o pior ano desde 2006.

Além do aumento dos juros, Franco ressalta que o ano passado, principalmente a partir do segundo semestre, foi impactado pela volatilidade política, o que gerou ainda mais aversão dos investidores a opções de risco.

“Houve uma incerteza eleitoral muito grande, com uma eleição acirrada e polarizada. Sempre que se aumentam essas incertezas, o investidor foge para ativos mais seguros”, explica.

Entre as principais categorias, os fundos de previdência registraram saldo positivo de R$ 13,0 bilhões. Já os de câmbio tiveram fluxo positivo de R$ 178,5 milhões, enquanto os de ETFs tiveram entrada de R$ 366,3 milhões.

O que esperar para 2023?

Após um ano terrível, os analistas do mercado não esperam que a situação de 2023 seja mais tranquila, ao menos no curto prazo. A tendência para os próximos meses é da manutenção de juros altos, o que deve dar fôlego à migração dos investidores para a renda fixa.

Dados do Boletim Focus publicados nesta segunda-feira mostraram que especialistas do setor financeiro projetam a Selic em 12,25% ao ano em dezembro, contra expectativa anterior de 12% ao ano. A mediana das projeções para a taxa no fim de 2024 foi mantida em 9% ao ano.

“Estamos entrando em 2023 com muitas incertezas. O campo político ainda está em compasso de espera, e os investidores precisam de mais visibilidade para começar a tomar riscos”, explica Cabraitz.

Diante deste cenário nebuloso, o especialista da Principal Claritas pontua boas oportunidades nos fundos de multimercado. Apesar da saída expressiva dos investidores, a rentabilidade das opções ficou majoritariamente positiva no ano passado.

“Os fundos de multimercado surfam melhor quando há muita volatilidade”, explica.

Para Franco, da RPS Capital, apesar do quadro negativo, é sempre aconselhável aos investidores manterem opções em fundos, principalmente diante de tantas incertezas.

“Como temos um cenário desafiador, é importante o papel do gestor profissional. A decisão racional seria migrar parte deste portfólio de risco para gestores profissionais”, pontua.

Compartilhe:

Leia também:

Destaques econômicos – 02 de abril

Nesta quarta (02), o calendário econômico apresenta importantes atualizações que podem influenciar os mercados. Confira os principais eventos e suas possíveis repercussões:   04:00 –

Mais lidas da semana

Uma newsletter quinzenal e gratuita que te atualiza em 5 minutos sobre as principais notícias do mercado financeiro.