Em meio a um cenário político recheado de incertezas, que tem atrapalhado a tomada de decisão de compra de imóveis, o quarto trimestre tem dado pistas de que será o mais difícil do ano, afirmou Diego Villar, CEO da Moura Dubeux (MDNE3), em entrevista à Agência TradeMap. “Dos quatro trimestres deste ano, tenho sentido que o quarto é o mais desafiador”, declarou.
O executivo ressaltou que a equipe econômica ainda não está definida e, para ele, o futuro governo dá declarações claras de que controle fiscal é pouco importante. “Isso gera preocupações sobre o controle das contas públicas, que gera efeito inflacionário, que obriga o Banco Central a elevar a taxa de juros. Taxa de juros alta com inflação corrói renda e desestimula investimento, e imóvel depende das duas coisas”, completa.
Na avaliação dele, os sinais de que o novo governo adotará uma postura menos responsável do ponto de vista fiscal nublam as perspectivas não só para os três últimos meses do ano, mas também para 2023.
“Até três meses atrás, o meu discurso sempre foi: a nossa estratégia é de otimismo cauteloso. Agora eu tiro o otimismo do meu discurso e digo que nossa estratégia é de cautela”, declara o CEO.
Alguns pontos que podem ser afetados pela piora no cenário são os lançamentos e os distratos, de acordo com Villar. Apesar de uma desaceleração nos lançamentos poder diminuir o ritmo de crescimento, a companhia está bem protegida em relação aos distratos por ter baixo endividamento, defende o executivo.
Confira a seguir a entrevista completa com Diego Villar, CEO da Moura Dubeux.
Quais foram os destaques dos últimos resultados?
Sempre falo sobre a nossa posição de liderança e o nosso propósito, de ter o melhor produto com a melhor experiência. Privilegiamos a qualidade da experiência e do produto, mas, ao mesmo tempo, rentabilidade e margem, em vez de crescimento em si.
Acho que temos caminhado em direção a este objetivo. Somos a incorporadora que, nos últimos 12 meses, apresentou a VSO [velocidade de venda] mais alta, 11 pontos percentuais acima do segundo colocado. Na outra ponta, somos a incorporadora com menor distrato. Uma excelente velocidade de venda com baixo distrato mostra que os nossos produtos são bem aceitos, além de que há mercado e disponibilidade de renda. E isso, naturalmente, se traduz em margem. Tivemos no último trimestre o maior lucro da história da companhia, uma margem líquida de quase 20%, o ROE [retorno sobre capital] já está quase em dois dígitos… Isso mostra que a história da companhia não é só de crescimento, é de turnaround. É um pouco mais complexa do que uma tese simples de pegar dinheiro para crescer. É pegar dinheiro para crescer, mas pagando dívida, desalavancando, saindo de mil para mais de 3,5 mil funcionários e de 18 para 45 canteiros de obra, todos dentro do prazo e do custo estabelecidos.
Por mais que os distratos sejam os menores, houve aumento no último trimestre. Isso é visto com preocupação?
Nos últimos trimestres, o distrato foi praticamente consistente, navegando entre 7% e 6%, e saiu deste patamar para 9% no último trimestre. A primeira coisa importante de destacar é que a Moura classifica como distrato a migração de unidade e a mudança de titularidade. Se eu tivesse que resumir, é um terço de cada categoria. Então, na verdade, 40% dos 9,3% é distrato. Além disso, tivemos uma safra de entregas de projetos pré-IPO que tiveram seus prazos mais longos do que o devido. O que aconteceu aqui foi um evento não recorrente de acréscimo de 2 pontos percentuais na média.
Mas a questão do distrato me preocupa sim, muito mais sob o aspecto macroeconômico nacional do que da minha operação e do meu mercado. A equipe econômica ainda não está definida, e o futuro governo dá declarações claras de que controle fiscal é pouco importante. Isso gera pânico de investimento – não nosso, mas do mercado em geral. Gera preocupações sobre o controle da conta pública, que gera efeito inflacionário, que obriga o Banco Central a elevar taxa de juros. Taxa de juros alta com inflação corrói renda e desestimula investimento, e imóvel depende das duas coisas. Então eu tenho uma preocupação sobre o aspecto um pouco mais profundo do que o distrato, que envolve cenário macroeconômico, em função de uma indefinição e, na minha percepção, de uma postura incorreta de, nesse momento, virar-se as costas para o controle fiscal.
Agora, a Moura Dubeux está bem protegida. Somos uma das empresas menos alavancadas. Pelo contrário, nossa posição é de caixa líquido. O que pode acontecer é uma frustração de receita no tempo, segurar os lançamentos. Esse é o plano B, que só será colocado em prática se o governo continuar com uma pauta que vai trazer um ambiente recessivo.
O que mais poderia mudar na operação da Moura caso este cenário de juros mais altos por mais tempo se confirme?
Até três meses atrás, o meu discurso sempre foi: a nossa estratégia é de otimismo cauteloso. Não tínhamos segurança com o ambiente macroeconômico nacional, mas estávamos vendo a realidade do dia a dia melhor do que a noticiada. Tínhamos otimismo por isso, mas tínhamos cautela por não conseguirmos fazer uma leitura de médio a longo prazo. Agora, eu tiro o otimismo do meu discurso e digo que a nossa estratégia é de cautela. Só lançaremos produtos que tivermos certeza de que irá vender, e não iremos alavancar a companhia mais do que ela está hoje, até que o ambiente macroeconômico clareie.
Voltando ao tema do caixa. A posição de caixa líquido vai permitir lançar mais, ou vocês pretendem manter um caixa robusto?
Não damos guidance. O que dizemos, que para mim parece sensato, é o seguinte: temos um tamanho de mercado que nos dá alta rentabilidade em R$ 1,5 bilhão a R$ 1,8 bilhão. Não que ir a R$ 2,3 bilhões não seria rentável, mas ainda não estamos confortáveis, em termos de caixa e de tamanho de operação. Esse tamanho, que varia entre R$ 1,5 bilhão e R$ 1,8 bilhão em lançamentos e vendas, é onde percebemos que a empresa é eficiente no uso do capital e, ao mesmo tempo, na percepção do cliente. Quando nos consolidarmos neste tamanho, nos sentiremos confortáveis para dar outro salto de crescimento. A regra do jogo aqui não é tamanho, é rentabilidade. Queremos nos diferenciar por ser uma empresa de qualidade percebida e valorizada pelo cliente, e de rentabilidade diferenciada para ser percebida pelo investidor e pelo acionista. É nisso que queremos navegar. Quando entregamos 19% de margem líquida, que foi o que aconteceu no último trimestre, quando entregamos o VSO que temos, com este nível de distrato, parece que estamos na direção certa.
A margem bruta, enquanto isso, teve queda. Foi algo não recorrente?
Temos que entender a Moura Dubeux sob um único aspecto que se reflete de formas diferentes em termos de margem bruta. Temos um modelo de operação, que é a incorporação tradicional, tal qual a Cyrela (CYRE3), a Even (EVEN3) e a Trisul (TRIS3), e temos um modelo de condomínio fechado, que não tem paralelo entre as outras incorporadoras listadas.
O modelo de incorporação tende a ter margens brutas de 30%. O modelo de condomínio, em torno de 50% a 60%. No modelo de incorporação, o reconhecimento se dá ao longo do tempo. No modelo de condomínio, uma parte significativa se dá no momento do fechamento. Esse balanceamento de mix gira em torno de 2/3 incorporação e 1/3 condomínio. Só que ele não se dá desta forma em todos os trimestres. Há trimestre em que lançamos só condomínio, há trimestres em que lançamos só incorporação etc. Isso se reflete na DRE (Demonstração do Resultado do Exercício). Por isso é importante analisar um pouco mais de tempo, e não somente aquela fotografia. Este é um ponto.
Um segundo ponto que deve ser observado é que nós vivemos, nos últimos 24 meses antes desta apresentação de resultados, sob uma inflação alta. Repassamos esta inflação para os clientes e a sentimos nos canteiros de obras. Pela metodologia da operação de condomínio, a receita do repasse da inflação se dá na linha de receita financeira, mas o custo se dá mais acima no balanço, antes da margem bruta. A soma destas duas coisas traz desequilíbrio.
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Então não é algo preocupante?
Zero. Pelo contrário, a nossa margem contratada é maior do que reportamos.
Falando de inflação, há alguns meses, a empresa disse que estava sentindo a inflação nos custos, mas que isso é um pouco mais fraco no Nordeste, na comparação com o Sudeste, por exemplo. Agora, com esta desaceleração, você acredita que também pode se beneficiar um pouco mais do que os concorrentes?
O que eu sempre tentei explicar sobre a questão da inflação é algo tão simples quanto isso: o INCC [Índice Nacional de Custo da Construção] é uma cesta de sete cidades no Brasil. Tem Nordeste, Sudeste, Sul… Se todo o Sudeste está dizendo que a inflação no canteiro de obra está maior do que o INCC, em algum lugar tem que estar abaixo.
Estamos inseridos em uma região com um dos mais altos níveis de desemprego do Brasil, e mão de obra é algo significativo na construção civil. Então não temos problema de disponibilidade de mão de obra. Este é o ponto número um. Número dois: uma parte da cadeia de abastecimento, como blocos de concreto, nós não trazemos de outras regiões. E conseguimos um bom poder de aquisição na nossa região, por sermos o maior player. Com isso, conseguimos segurar os custos dentro dos nossos canteiros sempre marginalmente abaixo ou em linha com o INCC. Somado a isso, somos uma incorporadora verticalizada, que tem de pintor a eletricista, carpinteiro, encarregado e gesseiro. Essa conjuntura nos favoreceu, porque conseguimos repassar o efeito inflacionário para os clientes sem ter perda de velocidade de vendas ou distratos.
Foi positivo, mas isso não era positivo para o longo prazo – e não é. O que estamos percebendo hoje é que a inflação nos últimos três ou quatro meses está irrelevante, com preços estáveis, o que tem favorecido as nossas margens. Por outro lado, também estamos tendo pouca receita financeira de carteira. Não estamos nos beneficiando nesta ponta. Mas preferimos um ambiente não inflacionário, com preços mais estabilizados, no qual a correção do imóvel é por demanda e não por inflação.
Como está sendo o ritmo das operações no quarto trimestre?
O que eu posso dizer do quarto trimestre é o seguinte: o processo eleitoral atrapalhou a tomada de decisão de compra de imóveis. Ninguém tinha certeza de quem iria ganhar e algumas pessoas adiaram sua decisão de compra, ou estão mais cautelosas. Até aí, aparentemente, estava tudo bem. Duas semanas atrás passou a haver um mau humor macroeconômico, em função de posicionamento político, que está trazendo um desestímulo à tomada de decisão. Dos quatro trimestres deste ano, tenho sentido que o quarto é o mais desafiador, por conta disso. Porém, como temos baixíssimo estoque, tanto na empresa quanto na nossa região, como houve uma melhoria de renda por conta da distribuição de auxílios, e como o país vinha em um momento de estímulo por conta do crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] nos últimos meses, se o governo for economicamente responsável, isso rapidamente se reverte. Mas, como eu disse, estou mais cauteloso do que otimista.