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Sociedade não tolera inflação e juros altos por muito tempo, diz Zeina Latif

Para economista e secretária de Desenvolvimento Econômico de SP, descontrole fiscal cobra preço alto

Zeina Latif participa do TradeMap Discovery em maio de 2022. Foto: Camila Ávila

A sociedade não tolera inflação e juros elevados por muito tempo, fatores que são sinônimo da contratação de uma recessão para a economia. É esse o limite do descontrole das contas públicas, e é com esse cenário que o próximo presidente da República, seja ele qual for, terá que lidar em 2023.

A avaliação é da secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Zeina Latif. Uma das economistas mais influentes do Brasil, ela avalia que poucos graus separam a irresponsabilidade fiscal dos dois principais candidatos à presidência: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (PL).

“Pode ter diferenças entre os dois, mas sutis”, afirmou Zeina, em entrevista concedida à Agência TradeMap na última sexta-feira (20). “Não está muito claro o tamanho da diferença, mas tendo a concordar que talvez seja de poucos graus. O que dá para dizer é que, seja quem for eleito, a sociedade não tolera inflação. E ficar com juros de dois dígitos de forma prolongada é contratar recessão.”

Zeina integrou a área econômica da campanha de João Doria (PSDB) à presidência – o ex-governador de São Paulo desistiu da candidatura nesta segunda (23) – e é autora do livro “Nós do Brasil: Nossa herança e nossas escolhas”, publicado pela editora Record, em que mapeia as razões do baixo crescimento brasileiro.

Na avaliação da economista, ganhadora do prêmio de melhor economista-chefe pela Ordem dos Economistas do Brasil em 2008, os brasileiros terão que conviver com a inflação em patamar elevado. “Apesar de todos os choques de oferta, quando a inflação avança muito, é quase uma regra: não é só oferta, tem inflação de demanda também.”

Veja a seguir a entrevista completa com a especialista, que foi uma das palestrantes do TradeMap Discovery, evento promovido pelo TradeMap.

Falando um pouco do seu livro “Nós do Brasil: Nossa herança e nossas escolhas”, quais as razões para o baixo crescimento brasileiro? E quais os caminhos para reverter isso?

Um dos capítulos do livro aborda a armadilha da renda média [termo que define economias que, após atingirem um nível intermediário de renda, não conseguem ir além por terem perdido sua vantagem competitiva nas exportações ao aumentarem salários]. Esse é um termo de 2007, cunhado por economistas do Banco Mundial, e ilustra a ideia de que é mais fácil sair da pobreza e virar renda média do que superar essa última condição.

Para sair da pobreza, um país precisa estar organizado e possuir uma estrutura mínima de investimentos, e o Brasil fez isso. O problema dessa estratégia, não que ela seja fácil, mas o problema é que tem prazo de validade. Para crescer para valer, é necessário a entrada em cena da iniciativa privada, para que seja possível superar os efeitos colaterais de ineficiências alocativas. O setor público não sabe fazer alocação.

O problema é que a gente puxou demais essa corda, tem momentos em que você tem que dar um salto e aperfeiçoar, modernizar as instituições, para que o setor privado cresça. Mas o nosso setor privado ficou dependente de benesses, que é reflexo de um estado patrimonialista.

É muito difícil reformar essa atuação estatal. Cada regra, cada proteção, cada subsídio, cada regra alfandegária, sempre tem alguém que se beneficia. Quando vamos falar em promover justiça social, há resistência, o setor fala: eu não quero.

Então, no fundo, tempos um estado pesado, com uma intervenção muito forte, e o setor privado está moldado a isso. Essa é a armadilha da renda média, e ela é maior que a de outros países, pelas dificuldades de se remover os entraves ao crescimento.

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Nossas taxas de investimento são baixas, estão melhorando, mas ainda são baixas. Ainda estão muito concentradas no agro, que não é um setor gerador de emprego. Então temos esse ambiente de negócios difícil, com o “custo Brasil”, baixo investimento em infraestrutura, em educação.

São vários elementos que reduzem nosso potencial, e isso está intimamente associação à intervenção estatal. É muito disseminado. Cada vez que você tenta mexer, há uma reação.

Por causa dessas intervenções, muitas vezes vamos acumulando várias distorções na economia, e a sociedade não tem consciência desse impacto coletivo. Teria que ter regras de transição.

O Brasil tem como crescer mais?

Há muito trabalho a ser feito. É difícil traçar esse horizonte no Brasil, não é somente fazer uma reforma ou outra. Algumas podem trazer ganhos, como a tributária, que é a principal entre as reformas. Mas de qualquer forma o fato é que os avanços precisam acontecer em várias frentes, não dá para exigir rupturas, mudanças muito extremas.

Gosto de citar a Austrália, que nos anos 80 e 90 fez um amplo conjunto de reformas incrementais, com amadurecimento do debate público. E [os australianos] foram bem-sucedidos.

Estamos muito atrasados. Se quisermos caminhar de forma célere, a entrada na OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] seria uma mão na roda, já que iria eliminando políticas públicas ruins. Abriria espaço para uma agenda mais ambiciosa de abertura da economia.

Por que o agro investe tanto? Porque está exposto à concorrência internacional. Ah, mas não dá para abrir da noite para o dia, né? Não, mas esse é um risco que não corremos.

O próximo presidente da República, seja ele qual for, encontrará um Congresso muito mais forte do que já foi no passado. Nesse momento, o presidente importa menos que já importou? O presidencialismo foi enfraquecido?

Hoje a gente tem esse presidencialismo de coalização, identificado pelo Sérgio Abranches, que se referia ao resultado de algo que é presidencialismo com muitos partidos. A forma como cada presidente administra isso varia ao longo do tempo.

Há pesquisadores que mostram que quem mais soube fazer essa divisão de poderes, com aliados, formação de ministérios, foi o Fernando Henrique Cardoso, que trouxe aliados para compor o governo.

Já o Lula preferiu ocupar a estrutura da administração direta com o PT [Partido dos Trabalhadores], deixando aliados para as diretorias de estatais. Não fez acordo com o PSDB, por exemplo, apesar de os dois partidos terem nascido da mesma semente. Foi fazer acordo com partidos nanicos, isso foi muito fortalecido durante o governo Lula.

Com a Dilma Rousseff, houve uma recusa de se fazer política, e isso piorou o presidencialismo de coalisão. Com o governo Michel Temer, houve uma melhora na relação com o Congresso.

Mas com o Bolsonaro surgiu outro desenho: ele não fez aliança com partidos, e sim com bancadas, além do aumento da participação política de militares.

E tem essa questão de aproximação com o Centrão. Conforme o governo foi se enfraquecendo, o Centrão cresceu. O próximo presidente vai mudar isso? Em parte sim, porque quando chega um novo presidente, ungido pelas urnas, ele tem mais capital político.

Mas há um segundo ponto aí: como se desfaz o peso das emendas parlamentares? Como se desfazem as emendas de relator [verbas apelidadas de “orçamento secreto” devido à falta de transparência nos critérios de distribuição]? O próximo presidente vai precisar ser bastante firme nessa discussão.

A inflação vem subindo por causa de uma série de fatores: pandemia, guerra na Ucrânia e, mais recentemente, os lockdowns na China com a política de “Covid zero”. A tendência para a inflação é de preços mais altos por mais tempo? 

Tudo indica que ainda vamos passar por um período prolongado de inflação, no mundo e ainda mais no Brasil. Apesar de todos os choques de oferta, quando a inflação avança muito, é quase uma regra: não é só oferta, tem inflação de demanda também.

Além disso, houve uma série de estímulos em excesso na economia durante a pandemia. Erramos na calibragem? Sim, erramos.

Juntou excesso de demanda, inclusive aqui no Brasil, o Auxílio Emergencial foi mal calibrado, houve políticas de estímulos mal calibradas, e tivemos problemas de inflação no mundo todo, com restrições ao crescimento da oferta.

Faltou semicondutor, houve a invasão da Ucrânia, a inflação na Europa explodindo, e é claro que esses choques todos são sentidos. A má notícia é que, enquanto lá fora não acalmar, não tem como acalmar aqui.

E temos o combustível do fiscal, que não para, ao mesmo tempo em que há muitas incertezas pela frente, como a agenda fiscal do próximo governo. Não acho que vamos ter cenários extremos, de rasgar o manual, mas é difícil.

Estamos vivendo um momento em que agendas ambientais que são meritórias também possuem impacto inflacionário. E é um mundo mais protecionista. Tudo isso mostra que os vetores estão mais no sentido de inflação elevada.

Os bancos centrais vivem um impasse entre subir os juros básicos para controlar a inflação e penalizar ainda mais a atividade econômica?

O ideal seria a gente ter uma coordenação das políticas monetária e fiscal, para não ter que machucar tanto o fiscal. A política fiscal é possível direcionar melhor, preservar os mais pobres do impacto.

Já a política monetária não, machuca demais, e vem sendo prejudicada pelo fato de não ter ajuda do lado fiscal nesse contexto de choques. Ao Banco Central não cabe combater os efeitos diretos de choques, mas o problema é que os atuais são muito fortes.

Do ponto de vista fiscal, há muita diferença entre os dois candidatos em primeiro lugar nas pesquisas, Lula e Bolsonaro?

Pode ter diferenças entre os dois, mas sutis. Não está muito claro o tamanho da diferença, mas tendo a concordar que talvez seja de poucos graus. O que dá para dizer é, seja quem for eleito, a sociedade não tolera inflação. E ficar com juros de dois dígitos de forma prolongada é contratar recessão.

É um ano eleitoral, e não dá para dizer com certeza que o governo Bolsonaro continuaria assim. De repente, tem um freio de arrumação; de repente, o ministro Paulo Guedes ganha força.

Por outro lado, o Lula teve desenhos muito diferentes ao longo dos seus oito anos de gestão, o período mais conservador foi a era Palocci [ex-ministro da Fazenda do governo Lula, entre 2003 e 2006], que durou pouco.

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