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Rali da Bolsa mostra euforia com fim de um governo fraco, mas herança negativa não pode ser subestimada, diz Lisboa

Presidente do Insper e ex-secretário no governo Lula avalia que possível volta do ex-presidente ao poder não repetiria cenário de 2003

Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper. Foto: Divulgação

O recente rali nos preços dos ativos brasileiros revela certa euforia do mercado financeiro com a chance do fim do governo do presidente Jair Bolsonaro, que é “fraco” e vulnerável a pressões cada vez maiores do Congresso por recursos. Esse otimismo, entretanto, subestima a herança fiscal “extremamente complicada” que será deixada ao próximo presidente do Brasil em 2023, seja ele qual for.

A avaliação é de Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper, que aponta que as emendas de relator –verbas apelidadas de “orçamento secreto” devido à falta de transparência nos critérios de distribuição – refletem a captura do orçamento para alguns membros do Congresso gastarem como bem entenderem.

Para ele, que foi vice-presidente do Itaú Unibanco entre 2006 e 2009, os investidores encaram a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva como uma volta a 2003, quando o ex-presidente surpreendeu positivamente o mercado ao optar por uma política econômica liberal.

“No preço dos ativos, há uma relativa euforia com a perspectiva de o atual governo não ser reeleito e de ter um candidato forte que lembre o primeiro governo Lula”, afirmou Lisboa, em entrevista à Agência TradeMap. “Acho que esse diagnóstico está equivocado, e que as pessoas estão subestimando a herança que este governo vai deixar.”

As emendas de relator, aponta, são um sintoma do enfraquecimento da instituição da Presidência da República como definidora de políticas públicas. “Como o novo presidente vai convencer o Congresso, os deputados, os senadores, a abrirem mão de dezenas de milhões de reais que gastam livremente, sem ter política partidária, sem ter programa, sem ter agenda comum?”, questiona o economista.

Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro mandato do governo Lula, Lisboa nega a possibilidade de voltar ao governo caso seja convidado por algum candidato. “Gosto de ajudar o setor público, mas de dentro do setor privado.”

Confira a seguir a entrevista concedida pelo economista.

Estamos vivendo uma crise que se arrasta há muito tempo, e que foi intensificada pela pandemia. Como vê as perspectivas para a economia brasileira?

O Brasil vem acumulando ao longo de muitos anos, não é algo recente, uma série de distorções no desenho das regras na qual operam a economia, as empresas, o setor privado e o setor público, que vem levando a um crescimento estrutural baixo da produtividade.

É um país de baixo crescimento há 40 anos, e isso se agravou muito nos últimos 15 anos, mais ou menos, porque essas distorções foram sendo ampliadas. Quando você compara censos de empresas, em pesquisas que são feitas no mundo todo, um dos fatores que aparece como diferença importante de produtividade em país rico e país pobre são exatamente regras, ou proteção de empresas menos eficientes em diversos setores.

Em país rico, há um processo muito ágil: aparecem empresas, elas crescem, grande parte quebra, as que não quebram expulsam as grandes que ficaram velhas, e isso vai aumentando a produtividade. Isso não acontece em país pobre na mesma velocidade. A distância é maior entre uma boa empresa e as empresas piores em cada setor.

A grande conjectura que os economistas têm para explicar isso é o que chamamos de misallocation of capital, ou seja, os fatores de produção, capital e trabalho, ficam alocados em empresas e tecnologias velhas, defasadas, pouco produtivas. E isso dá uma diferença importante de produtividade.

Como isso se aplica ao Brasil?

O Brasil parece um receituário de práticas que preservam empresas ineficientes. Nosso regime tributário é todo distorcido, você dá muita vantagem para empresas, inclusive pequenas que continuam pequenas, que não crescem. Tem toda a proteção de comércio exterior que impede que a nova tecnologia chegue ao Brasil e que protege empresas defasadas do Brasil. E a gente tem o setor público que, em geral, é muito ineficiente.

A quantidade de dinheiro que gastamos em educação, por exemplo, era para gerar resultados muito melhores. Países que gastam o que o Brasil gasta têm resultados bem melhores. A norma é que o aumento de escolaridade média se reflete em aumento de produtividade do trabalho. Isso acontece em vários países, mas o Brasil é exceção. Aqui, aumentamos a escolaridade, mas não a produtividade do trabalho.

Então temos problemas estruturais, e isso vem se agravando. Não conseguimos avançar na reforma tributária, na gestão de recursos públicos, na agenda de comércio exterior.

Nossa insegurança jurídica desestimula investimentos importantes. São problemas estruturais, e estão piorando, não melhorando.

E como vê a economia nos últimos anos?

Tem algo de curto prazo no Brasil, que está muito preocupante, que é a fraqueza do atual governo. Esse é um governo que se envolveu muito pouco com a política pública, mandou poucos projetos, em geral muito malfeitos, com variações do governo Temer, com exceção da Previdência. [O atual governo] participou pouco da agenda legislativa com projetos. Tem exceções, alguma coisa de infraestrutura.

Mas numa negociação muito ruim, houve todo o problema das emendas do relator, com a captura do orçamento público para deputados e senadores gastarem diretamente como quiserem, sem negociar com o Executivo.

Esse é resultado de três presidências fracas, e esse processo vem se agravando. Isso vem desde o governo Dilma Rousseff.

O Congresso ganhou uma autonomia sem a responsabilização pela política econômica. A quantidade de ideias criativas que aparecem e mostram uma falta de competência mínima dos fatos, um voluntarismo, uma falta de avaliação dos impactos, é assustador. Parece o Brasil dos anos 1980. É um retrocesso.

Por outro lado, no curto prazo acho que está tendo um certo rali dos preços de ativos. Não na atividade, a economia está estagnada. Mas no preço dos ativos há uma relativa euforia com a perspectiva, eu acho, de o atual governo não ser reeleito e de ter um candidato forte que lembre o primeiro governo Lula.

Eu acho que esse diagnóstico está equivocado, e que as pessoas estão subestimando a herança que este governo vai deixar. Esse governo recebeu uma boa herança do governo Temer, dadas as circunstâncias, e vai deixar uma herança inacreditavelmente complicada, para dizer o mínimo, para o próximo governo. As pessoas estão subestimando isso.

Esse rali embute então uma perspectiva de mudança de governo? Embute inclusive uma perspectiva de vitória do ex-presidente Lula? O mercado está antevendo um novo 2003?

Importante frisar que isso é terreno da especulação, que eu não costumo fazer no debate público. Uma sinalização de que esse governo fraco teria dificuldade de ser reeleito, e que uma candidatura como a do ex-presidente, que sinalizasse um viés mais semelhante ao de 2003, daria um rali nos preços dos ativos. ‘Olha, o pior está passando’.

O que eu acho que o mercado subestima? O problema gerado pelas emendas, sobretudo do relator, é imenso, por exemplo. Como o novo presidente vai convencer o Congresso, os deputados, os senadores, a abrirem mão de dezenas de milhões de reais que gastam livremente, sem ter política partidária, sem ter programa, sem ter agenda comum?

Não vejo mais discussão de programa. O que está acontecendo são esses projetos de lei absolutamente descabidos do ponto de vista técnico. Não tem mais partidos, com assessores técnicos. É só ver a discussão da PEC [Proposta de Emenda à Constituição] dos Combustíveis. Cada hora é uma ideia mais disparatada. Propostas sem nenhum fundamento nos números. O mínimo dever de casa de saber os números parece que abandonou Brasília.

Do outro lado, está o fato de que o presidencialismo se enfraqueceu muito nas últimas décadas. Entre 2010 e agora, a capacidade do presidente de conduzir as politicas públicas foi reduzida de maneira muito impressionante. Medida provisória perdeu muita força. Aí vieram as emendas individuais impositivas, emendas de bancada impositivas, e agora as emendas de relator.

E então temos esse presidencialismo fraco, esses projetos que se dizem populistas e que não são, que trazem o estrago do velho patrimonialismo por dentro.

A PEC dos precatórios, por exemplo. A avaliação era de que precisamos melhorar o auxílio emergencial, o Bolsa Família. Mas o Auxílio Brasil é muito mal desenhado. As pessoas acham que é simples: é só dar dinheiro ao pobre. Mas tem muita complexidade nesses programas. Quer aumentar o valor? Aumenta, mas mantendo o desenho original. Só que não, fizeram um programa muito mal pensado tecnicamente.

E na desculpa de reformular o Bolsa Família, veio atrás a emenda do relator e muito mais dinheiro para interesses paroquiais, que nada têm a ver com o bem comum.

O nível de distorção que prejudica a economia está aumentando, e temas centrais não são tratados ou são tratados com projetos ruins, como a reforma tributária, e com essa política pública capturada por interesses individuais. É muito difícil enfrentar essa agenda. O presidente da República costuma ter força no primeiro ano, mas é difícil.

Portanto, eu sou mais cético de que a volta do ex-presidente Lula seria uma volta a 2003. Acho que não, tem vários indicadores que mostram que não.

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