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Mercado ignora risco fiscal de novo governo, seja de Lula ou Bolsonaro, diz Maílson da Nóbrega

Para ex-ministro da Fazenda, Brasil deve crescer 2% em 2022, mas expansão terá fôlego curto com juros altos e desaceleração da economia global

Foto: Agência Senado

O mercado financeiro brasileiro e os estrangeiros ainda não incorporaram em suas decisões de investimentos os riscos de uma grave crise fiscal que se desenha para depois de 2023. Esse é o prognóstico de Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda entre anos 1988 e 1990, para o cenário econômico a menos de um mês para as eleições.

Para o economista e sócio da Tendências Consultoria Integrada, os dois principais postulantes ao cargo de presidente da República não apresentam “condições política e de liderança” para lidar com os gastos obrigatórios, que ele considera o maior problema das contas públicas do país.

“Já vamos começar 2023 com uma situação fiscal que gera preocupações legítimas. Esse governo deixa para o próximo, que pode ser o próprio presidente Bolsonaro ou o Lula, uma verdadeira herança maldita”, afirmou em entrevista à Agência TradeMap nesta segunda-feira (5).

Assim como diversas outras casas de análise e bancos, a Tendências também revisou para cima a expectativa para a economia doméstica em 2022 após a surpresa positiva da alta de 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre.

O otimismo, porém, tem fôlego curto. Para Nóbrega, o pico da recuperação já passou, e o que se espera para o segundo semestre e o próximo ano é uma economia em desaceleração com os efeitos da escalada dos juros pelo Banco Central e com os desafios da geopolítica global.

“Provavelmente só no final do primeiro trimestre ou começo do segundo que o Banco Central vá começar reduzir a taxa Selic, e, portanto, o processo de desaceleração que vai caracterizar o segundo semestre [de 2022] tende a ter continuidade no primeiro de 2023”, disse.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

O adiantamento da alta dos juros pelo Banco Central deixou o Brasil em uma posição mais vantajosa?

Não diria tanto. Acho que o Brasil tem outros problemas mais sérios. A boa execução de uma política monetária por um Banco Central independente não é capaz de nos dar tranquilidade, sobretudo na questão fiscal.

Esse é um ponto que o Brasil se distancia fortemente dos países desenvolvidos e na maioria dos países emergentes. Nós temos uma situação fiscal periclitante, podemos estar caminhando para uma crise mais séria nesse campo porque nenhum dos candidatos com a maioria da preferência dos eleitores tem condições políticas e de liderança para atacar de forma eficaz o grande problema fiscal brasileiro, que é o dos gastos obrigatórios.

Já vamos começar 2023 com uma situação fiscal que gera preocupações legítimas. Esse governo deixa para o próximo, que pode ser o próprio presidente Bolsonaro ou o Lula, uma verdadeira herança maldita. Se olhar o teto de gasto, que já estava enfraquecido com as diversas exceções abertas no governo Bolsonaro, ele vai para a total inviabilidade em 2023.

Qual o problema? O Brasil fica sem âncora fiscal. Já estava ficando sem, e agora definitivamente esse instrumento de política econômica desaparecerá.

O que fazer é a grande questão. Tem várias ideias circulando, mas nenhuma delas se tornará viável ao longo do tempo sem que se ataque a questão do gasto obrigatório. E o gasto obrigatório está concentrado em quatro áreas muito sensíveis: pessoal, previdenciária, educação e saúde.

Repetindo, ou o Brasil resolve essa grande questão ao longo de 2023, ou sinaliza que pode resolver logo em seguida, ou vamos ficar em desvantagem na questão de política monetária. O Banco Central não terá condições de, sozinho, se sobrepor a uma crise fiscal muito grave que pode acontecer no Brasil no próximo ano.

Como resolver a crise fiscal?

Basicamente com reformas para atacar o gasto obrigatório. O gasto obrigatório representa, este ano, 93% e, no ano que vem, 94% do gasto primário do governo federal, e são situações insustentáveis.

Além de um estrangulamento crescente das despesas discricionárias. Estamos vendo faltar dinheiro, o investimento em educação é absolutamente medíocre. O país não promove crescimento econômico e social razoável, sustentável e duradouro se não enfrentar essa questão do gasto obrigatório.

Os investimentos estrangeiros na Bolsa bateram recorde em 2022. O que justifica esse interesse internacional? Ele deve se manter até quando?

Eu acredito que a explicação básica é a percepção de que a Bolsa brasileira está muito barata. Por outro lado, nem o mercado financeiro brasileiro e estrangeiro incorporou o risco de uma crise fiscal nas suas decisões de investimento.

O mercado financeiro está muito encantado com a ideia de que o Brasil está se recuperando, que a arrecadação está aumentando, que a situação fiscal está melhorando, o ministro da Economia declara frequentemente que a situação fiscal é sólida, e na verdade isso não resiste a um exame mais cuidadoso da situação fiscal.

Temos uma melhoria de arrecadação essencialmente pela inflação e pelo aumento do preço das commodities, particularmente do petróleo, e tudo isso tende a desaparecer a partir de 2023.

Por isso, que há muitas consultorias e bancos revendo as suas projeções de dívida/PIB para 2023, quando deve aumentar dois pontos em porcentagem. E essa é a principal fonte indicação da solvência do país.

Se olhar por vários ângulos, não há como acreditar, como faz o mercado financeiro, que nós caminharemos em 2023 para uma situação fiscal segura e sólida, como diz o ministro da Economia. A situação é mais complicada.

Por que o clima de eleições ainda não pegou com mais força nos mercados?

O mercado já deve ter percebido que a eleição de 2022 não vai ter surpresas. O grau de polarização é o maior da história. O grau de conhecimento dos candidatos favoritos é o maior da história. Pela primeira vez temos um presidente em exercício e um ex-presidente concorrendo.

Pode ter segundo turno entre Lula e Bolsonaro, e tudo indica que o Lula será o vencedor.

E uma parte do mercado financeiro aposta que uma vez eleito, o Lula caminhará para o centro como quando ele assumiu em 2003, com um time econômico que gerava confiança no mercado e uma equipe composta por conhecidos economistas brasileiros da cepa liberal. Ele trouxe para o Banco Central um banqueiro.

Muita gente está com sonho que essa coisa vá se repetir esse ano, é uma questão a se comprovar. Não é tão simples. Acho que o Lula vai nomear pessoas de confiança para cargos-chave na área econômica. Acho que vão acabar com o Ministério da Economia e voltar aos tradicionais Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio. Provavelmente o nome para a Fazenda será o de um político, como sinalizado pelo PT.

No primeiro momento, a reação do mercado vai ser muito positiva no governo Lula. A dúvida é como Lula lidará com a frustração das expectativas que ele tá gerando no eleitorado dele.

O cenário que se prevê é de uma economia mundial numa situação desafiadora e desacelerando, a crise da pandemia ainda sem ser totalmente debelada, o ressurgimento do risco geopolítico com a guerra da Ucrânia e a percepção do risco no estreito de Taiwan.

Esses riscos geopolíticos estão rondando a economia mundial, e, por outro lado, já no segundo semestre deste ano na economia brasileira tende a desacelerar. O pico do crescimento do PIB no país deve ter sido no primeiro semestre desse ano. Há até quem preveja uma pequena queda do PIB no quarto trimestre.

Qual vai ser a reação do Lula quando ele começar a perder popularidade porque as promessas não são cumpridas? Quem ele vai ouvir, os economistas liberais ou intervencionistas? Acho que ele está mais para ouvir os intervencionistas.

E por tudo isso é um ano muito complicado em 2023. E acho que os mercados não incorporaram esse risco ainda nos seus cálculos.

Estamos a menos de um mês para o pleito e nenhum dos candidatos com maior chance de vitória apresentou alternativas para o campo fiscal a partir de 2023. Como o senhor vê o ambiente fiscal para o próximo ano?

É um ambiente muito difícil com uma missão, que terá o próximo governo, de recriar uma âncora fiscal. E para essa âncora fiscal ser crível, ela tem que ter o componente do controle de gastos.

Se fala que ela será agregada em um componente da relação dívida/PIB. Isso não funcionou bem nem mesmo na União Europeia. E, por outro lado, se não tiver um componente de gastos, a relação dívida/PIB só vai contribuir para aumentar o gasto público.

Vamos voltar a uma situação pré-teto de gastos, em que o aumento da despesa de forma a uma média anual de 6% acima da inflação era acomodado com o aumento da arrecadação da dívida. Para cumprir uma meta de relação dívida/PIB pode ser feito pelo controle de gasto ou pelo aumento da receita, e a história brasileira mostra que o Congresso é muito mais favorável a ser pelo lado da receita.

O PIB brasileiro passou por uma série de revisões para cima após a alta de 1,2% no segundo trimestre. O Brasil vai crescer mais do que os analistas previam?

Acho que sim. A economia surpreendeu no primeiro semestre, particularmente com a restauração dos serviços presenciais. De certa forma tem o efeito do aumento das commodities, a indústria surpreendeu.

Esse crescimento de 1,2% do PIB não estava no radar dos analistas. Nós, na Tendências, estávamos em linha com a maioria do mercado e prevíamos 0,9%. Estamos revendo o nosso número para 2022, provavelmente em torno de 2%. O nosso número anterior era de 1,7%.

O que é interessante é que nós comemoramos um crescimento de 2%. Um crescimento de 2% é medíocre. O Brasil, para volta a almejar ser tornar um país rico, não pode ser conformar em crescer 2% ao ano, não pode comemorar. Um crescimento de 2% deve ser visto como medíocre, e que deveria servir de estímulo à classe política e aos líderes para investir tempo, ideias e discussões e encontrar uma forma de o Brasil voltar a crescer muito mais do que isso.

Como escapar dessa armadilha de baixo crescimento?

Com investimento e reformas que gerem o aumento da produtividade. A produtividade é o principal fator de geração de riqueza de um país.

E ganho de produtividade só se consegue com a conjugação de várias políticas públicas, primeiro, reformas microeconômicas que eliminem o caos que representa a tributação do consumo no Brasil. Em segundo lugar, um ambiente de concorrência, que implica abertura maior da economia.

Como a economia vai se comportar no fim do ano e o que esperar para 2023?

Veremos uma desaceleração da economia brasileira porque está se esgotando o efeito da abertura para os serviços, e está entrando com mais força o efeito da política monetária.

A política monetária impacta a atividade econômica entre três e cinco trimestres após o início de um ciclo. O atual ciclo de política monetária começou em outubro do ano passado, portanto completou três trimestres em julho, que é quando vai se tornando cada vez mais restritiva.

Mesmo que mantida a taxa Selic a 13,75%, que parece ser o cenário mais provável, ela vai ficar nesse nível ainda por muito tempo. Talvez comece a cair no primeiro semestre de 2023. Isso vai manter o crédito, tanto de consumo como investimento, mais caro, e vai impactar a atividade econômica.

E para o ano que vem qual é a perspectiva?

Para o ano que vem esse quadro continua. Provavelmente só no final do primeiro trimestre ou começo do segundo que o Banco Central vá começar reduzir a taxa Selic, e, portanto, o processo de desaceleração que vai caracterizar o segundo semestre [de 2022] tende a ter continuidade no primeiro de 2023.

A projeção da Tendências para o crescimento em 2023 é de apenas 0,4%.

O último IGP-M [Índice Geral de Preços – Mercado] indicou desaceleração de alimentos e bebidas. Daqui para frente a inflação vai dar trégua?

A inflação já está dando trégua, se levarmos em conta que houve deflação nos meses de julho e agosto. Esse efeito que deriva da ação do governo sobre os combustíveis vai desaparecer, mas acho que a desaceleração continuará.

Temos na Tendências a projeção de 7,9%, mas estamos revendo esse número para abaixo de 7% em 2022. E para 2023, o nosso número deve andar por de 5,3%, o que ficará acima da meta.

O que o senhor espera de um eventual governo Lula e de Bolsonaro para as estatais?

No governo Bolsonaro vamos ter mais do mesmo. O ministro da Economia provavelmente continuará o Paulo Guedes. Ele tem boas ideias sobre privatização, só que a privatização, se houver, vai ser sem relevância.

As vacas sagradas das estatais brasileiras, que são a Petrobras e o Banco do Brasil, não vejo como privatizá-las em um eventual segundo mandato do governo Bolsonaro.

Precisa convencer a sociedade que isso é razoável. Na minha avaliação não há justificativa nem de natureza histórica, institucional, econômica ou social para a Petrobras e o Banco do Brasil continuarem como estatais. Eles serão muito mais úteis a sociedade e ao seu próprio corpo de funcionários, fornecedores e clientes se forem privatizados.

Para privatizar o Banco do Brasil e a Petrobras, que na minha opinião é um passo necessário para o país, precisa ter um presidente com capacidade de articulação política, com liderança capaz de mobilizar a sociedade em torno desse objetivo, e acho que nem Bolsonaro nem Lula representam esse papel. Pelo contrário. Provavelmente os dois serão contra a privatização.

Por que a alta da Selic não teve impacto sobre crédito e mercado de trabalho?

No mercado de trabalho, o efeito foi basicamente da restauração dos serviços, sobretudo os presenciais. Tanto assim, que embora tenha havido queda do desemprego, o salário médio real caiu, porque a maioria dos postos de trabalho se deu em áreas de baixa produtividade, ou de menor produtividade, e portanto com salários mais baixos. Mas é uma questão de tempo. Provavelmente isso vai acontecer ao longo de 2023.

Que efeito o senhor espera da ampliação do orçamento secreto para o campo fiscal no Brasil? Isso continuaria inclusive no governo Lula?

Isso é uma excrescência institucional. É um orçamento que não tem transparência, as alocações não obedecem ao mínimo de cuidado técnico, não são sujeitas a aprovação. Em alguns casos a conta vai para o prefeito e ele faz o que quiser com o dinheiro.

Isso gera um enorme potencial de corrupção. Vai ser questão de tempo para aparecer grandes escândalos envolvendo o orçamento secreto. Alguns já estão aparecendo, não são tão grandes, mas estão. Sinais de corrupção nas obras da Codevasf [Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba], em licitação para a compra de tratores.

Eu não vejo Bolsonaro com força ou desejo político de mudar. É uma forma pela qual ele se aliou ao Centrão. O Lula, acho que está anunciando que vai rever, mas não sei se precisar fazer uma coalização com o Centrão, como ele vai fazer.

Portando, sinto que, infelizmente, essa excrescência que tantos males está causando e vai causar ao país vai permanecer.

Como o senhor vê a atual crise de energia na Europa e os sinais de desaceleração da China? Quais os impactos para a economia global?

Tudo indica que haverá uma reconfiguração das cadeias mundiais de valor. A partir do início desse século, a economia mundial viveu um período de muita prosperidade. Isso tudo foi abaixo.

Primeiro com a pandemia, que mostrou que a dependência que o Ocidente tinha de suprimentos da Ásia tinha que ser eliminada. Agora surge outra palavra, friendshoring, que é localizar a cadeia de suprimentos em países amigos. E tem a palavra slowbalisation, ou seja, uma redução da globalização.

Ao longo dos próximos anos o mundo vai ser menos eficiente. A produtividade não vai subir como vinha subindo, e será um período de inflação e juros mais altos do que foram nas primeiras duas primeiras décadas do século 21.

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