A invasão da Ucrânia está tomando proporções cada vez mais graves, com a Rússia assumindo o controle da maior usina nuclear da Europa e o Ocidente impondo sanções econômicas duras aos russos. Além do horror da guerra, esse cenário tem um importante impacto econômico global: a escalada das cotações das commodities e, como consequência, da inflação.
Esse movimento beneficia empresas brasileiras altamente exportadoras e protegeu a Bolsa do conflito, mas a dependência do Brasil de fertilizantes importados e a disparada do petróleo elevarão ainda mais as projeções para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) deste ano.
O coordenador dos índices de preços do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), André Braz, revisou a projeção para o IPCA deste ano de 5,8% para 6,2%. A meta de inflação no Brasil para 2022 é de 3,5%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo.
“Esse conflito afeta diretamente o preço do petróleo, que é matéria prima para uma série de setores da grande indústria”, explica. “São saquinhos plásticos, garrafas PET, resinas, fertilizantes, adubos. Enfim, o petróleo tem diversas aplicações”.
Nesta semana, o preço do petróleo tipo Brent, que serve como referência internacional para a commodity, chegou a superar US$ 119 por barril, maior valor em 10 anos.
Leia mais
Petróleo toca maior preço em 10 anos antes de negociações entre Rússia e Ucrânia
Braz aponta que os efeitos sobre preços devem começar a ser sentidos já no curtíssimo prazo. “A Petrobras controla diretamente o preço da gasolina e do óleo diesel. Mas indiretamente esse aumento do preço do barril vai chegar na grande indústria em outros itens derivados, e isso a gente vai sentir nos próximos dias”.
Esse cenário pode se complicar se a Petrobras reajustar os preços dos combustíveis. “Reajuste de combustíveis é inflação na veia”, diz o especialista.
Aço, trigo e fertilizantes
As pressões sobre os preços, entretanto, não param nos combustíveis e derivados de petróleo. A Rússia é a maior produtora de trigo do mundo, responde por cerca de 10% do comércio global de aço e é a principal fornecedora de fertilizantes do Brasil.
Esse cenário, ao lado da disparada do petróleo, levou Ivo Chermont, economista-chefe da gestora Quantitas, a também revisar sua projeção para inflação deste ano, de 6,1% para 6,3%. “O impacto que pode ser mais permanente é para a produção de produtos básicos. Não é óbvia essa relação entre cessar-fogo e os preços voltarem automaticamente ao normal”, avalia.
O caráter mais permanente dessa alta de preços, mesmo em um cenário em que a guerra acabe, também é reforçado por Braz, do Ibre/FGV. “As sanções vão continuar e as dificuldades logísticas tendem a se acumular. Mesmo que a guerra acabe, isso não vai impedir que os preços subam”, alerta.
Além do bolso, como isso afeta meus investimentos?
Se a inflação vier muito acima do esperado, o Banco Central pode ser forçado a subir ainda mais a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 10,75%, elevando a atratividade dos investimentos em renda fixa.
O banco JP Morgan, por exemplo, que também elevou recentemente sua aposta no IPCA deste ano de 5,6% para 6%, acredita agora que o Banco Central precisará levar a Selic a 12,75% no final deste ano, realizando uma alta adicional de 0,5 ponto percentual na reunião de julho.
“Dois anos seguidos de inflação significativamente acima do teto da meta prejudicam a capacidade do Banco Central de acomodar um novo choque de oferta sem arriscar ficar novamente fora das expectativas de inflação para o médio prazo”.
Por outro lado, como o impacto esperado é principalmente sobre as cotações das commodities, esse cenário tende a garantir um forte fluxo de recursos estrangeiros ao Brasil, inclusive para a Bolsa – empresas como a Vale e a CSN vêm sendo beneficiadas pela alta do minério de ferro.
Ao mesmo tempo, mais inflação tende a afetar negativamente empresas de consumo, já que o poder de compra das pessoas se reduz bastante, em especial no caso de famílias de menor renda.
Já empresas que oferecem uma blindagem parcial contra a disparada de preços, como companhias de concessões rodoviárias e de energia elétrica (as chamadas utilities, ou seja, empresas que prestam serviços públicos), tendem a se beneficiar.